O Hot Clube de Portugal e a Antena 2 apresentam o ciclo de concertos dedicados a John Coltrane a propósito do disco Interstellar. Todas as 4.as feiras de Fevereiro, à noite, no Hot Clube.
Planetarium
A música de “Interstellar space” de John Coltrane, reecriada por 8 duos:
| Ricardo Toscano e João Pereira |
| João Lencastre e André Fernandes |
| João Sousa e Pedro Branco |
| Desidério Lázaro e Luis Candeias |
| João Mortágua e Diogo Alexandre |
| Marcos Cavaleiro e José Pedro Coelho |
| Gonçalo Marques e João Pereira |
| Marco Franco e Francisco Andrade |
Estes 8 duos, constituídos por proeminentes músicos de Jazz portugueses, sempre com a bateria em primeiro plano, celebram em Fevereiro a música explosiva e meditativa do disco Interstellar space de John Coltrane, um dos músicos de jazz mais influentes de sempre, gravado, há 53 anos, a 22 de Fevereiro de 1967. Este é um dos últimos discos gravados por John Coltrane, um conjunto de duos com o baterista Rashid Ali, que só foi editado 7 anos após a sua morte.
Música exigente mas muito profunda, resume um pouco todas as explorações musicais de Coltrane ao longo da sua vida. Plena de contrastes, com muita improvisação mas também com música previamente composta por Coltrane, são peças que funcionam como pequenas sinfonias, tal o grau de sofisticação formal que Coltrane consegue atingir.
Ricardo Toscano (saxofone) + João Pereira (bateria)
5 de Fevereiro | 24h00
João Lencastre (bateria) + André Fernandes (guitarra)
12 de Fevereiro | 22h30
João Sousa (bateria) + Pedro Branco (guitarra)
12 de Fevereiro | 24h00
Desidério Lázaro (saxofone) + Luís Candeias (bateria)
19 de Fevereiro | 22h30
João Mortagua (saxofone) + Pedro Vasconcelos (bateria)
19 de Fevereiro | 24h00
Marcos Cavaleiro (bateria) + José Pedro Coelho (saxofone)
26 de Fevereiro | 22h30
Gonçalo Marques (trompete) + João Pereira (bateria)
26 de Fevereiro | 24h00
Marco Franco (bateria) + Francisco Andrade (saxofone)
29 de Fevereiro | Porta-Jazz, Porto
João Sousa + Pedro BrancoJoão Guimarães + João Pais Filipe
Planetarium.
I will just keep searching
John Coltrane1
A relação do Jazz com as gravações é muito importante. O que seria de nós sem alguns dos discos clássicos de Jazz como o Kind of Blue do Miles Davis e o Speak No Evil do Wayne Shorter? O que seria de nós, que não tivemos a sorte de ouvir o John Coltrane em vida, sem o Blue Train, o Giant Steps, o Love Supreme, o Crescent, e uma mão cheia de outros discos clássicos que pertencem ao cânone do Jazz e que têm a sua assinatura? “O Interstellar space”, um disco de duetos do Coltrane com o baterista Rashied Ali, é um destes clássicos.
Não será preciso escrever muito sobre John Coltrane (1926-1967), apesar da sua relativamente curta carreira de cerca de 10 anos, o seu lugar cimeiro na história do Jazz, é há muito tempo consensual. Começou na orquestra do trompetista Dizzy Gillespie e tocou com o Miles Davis durante um período importante, no chamado primeiro quinteto de Miles Davis. Mas foi com o seu quarteto com McCoy Tyner no piano, Jimmy Garrison no contrabaixo e Elvin Jones na bateria, que começou verdadeiramente a definir o seu caminho musical e a encontrar o espaço para as suas explorações sónicas. Apesar do sucesso do grupo e da boa crítica a alguns dos discos gravados com este grupo2, começou a sentir que tinha que mudar a direção e começou a adicionar outros músicos ao grupo. A partir de certa altura teve a ideia de ter dois bateristas em simultâneo, mas a dificuldade de compreender estas propostas do Coltrane levou a McCoy Tyner a abandonar primeiro o grupo e pouco tempo depois, foi o Elvin Jones que tomou a mesma decisão3.
Rashied Ali (1933-2009) nasceu em Philadelphia onde estudou com Philly Joe Jones, fez parte de um dos grupos de Sonny Rollins, e posteriormente mudou-se para Nova Iorque em 1963 e começou a trabalhar com músicos como Sun Ra, Archie Shepp, Pharaoh Sanders e Paul Bley. Um dia fez “sit-in” num converto do John Coltrane e foi posteriormente convidado para participar na gravação de “Ascension” convite que acabou por declinar. Mais tarde Coltrane convidaria Rashied para o seu novo quinteto com a sua mulher Alice Coltrane no piano, Pharoah Sanders nos saxofones e ainda Jimmy Garrison no contrabaixo, naquele que viria a ser o último grupo de John Coltrane.Reza a lenda que a 22 de Fevereiro de 1967 Rashied Ali chega aos estúdio para gravar e para sua surpresa encontra apenas John Coltrane. Pergunta pelo resto do grupo e Coltrane diz-lhe apenas que mais ninguem vai aparecer, serão apenas eles os dois. O resultado desse dia de gravação é o disco Interstellar Space, um conjunto de 6 intensos duos. Não é uma música de acesso fácil, mesmo para alguns dos admiradores mais incondicinais da música de Coltrane, a compreensão desta música revelou-se difícil. Foi de facto uma das últimas gravações que fez, e representa talvez um culminar de todas as suas investigações. São temas curtos, seguidos de longas improvisções, nas quais é possível discernir motivos com desenvolvimentos e recapitulações mais ou menos claros, dando a cada tema uma estrutura com grande riqueza formal4. Tratam-se de improvisações de altíssimo nível, resultado de toda uma vida de preparação e de estudo5 e a posteriori, parece um formato óbvio para o Coltrane expôr as suas ideias e parece difícil imaginar um outro baterista a ter uma compreensão tão rápida das suas propostas. O radicalismo da proposta de Coltrane não passou despercebido. De facto este disco só foi editado anos após a sua morte, mas inaugurou de algum modo, o subgénero “duos saxofone/bateria” que apesar de ser bastante minoritário tem alguns praticantes. Destes duos destaco naturalmente os do saxofonista Dewey Redmann com o baterista Ed Blacwell mais recentemente o duo da saxofonista Ingrid Laubrock com o baterista Tom Rainey.Convidei para tocar no Hot 7 músicos portugueses que têm afinidades com este disco, pedi-lhes para convidar um outro músico com a condição de haver um baterista no duo e se possível interpretarem um tema do disco. É importante sublinhar o papel central que a bateria tem no Jazz e portanto desde o início que me pareceu, de forma paradoxal certo, que os duos deste ciclo teriam que ter um baterista. Por outro lado a palavra “interpretação” é importante, não se trata de uma recriação, uma tal exigência não seria justa para os músicos e teria uma pertinência artística questionável.
Esta música comunica connosco se tivermos a devida atenção. Este facto não deixa de constituir um pequeno milagre, tendo em conta o contexto totalmente diferente em que foi tocada pelo John Coltrane e pelo Rashied Ali. Mas talvez não seja assim tão surpreendente: a música de Bach não nos deixa de tocar apesar de quase 400 anos de mudanças na sociedade. Na minha opinião estamos a falar de arte do mesmo nível, não há razão para não nos deixarmos envolver igualmente pela música do Interstellar Space.
Se a música tem funções, talvez esta seja uma das mais importantes: a de unir comunidades díspares ou separadas no espaço e no tempo.
Gonçalo Marques
Curadoria
Interstellar Space, John Coltrane, Impulse! Records, Setembro de 1974
John Coltrane – Saxofone
Rashied Ali – Bateria
_______________________________________
1 Entrevista a John Coltrane em 1961 citada em “John Coltrane – his life and music”, Lewis Porter. 2 O “Love Supreme” por exemplo foi considerado disco do ano pela “Downbeat” em 1965. 3 Curiosamente, como Elvin tinha uma grande admiração pelo Duke Ellington que era recíproca, o seu “gig” seguinte foi tocar com a orquestra do Duke. Mal sabia ele que o Duke Ellington tinha intenções de manter o seu baterista anterior… 4 Não cabe aqui uma análise detalhada da música, análise musicológica essa que penso que ainda está por fazer. Algumas pistas neste sentido estão no já citado livro de Lewis Porter. Também de referir a tese de doutoramente do saxofonista John O’Ghallager, que tanto quanto julgo saber, é em grande parte uma análise musicológica rigorosa desta fase do Coltrane e muito em particular deste disco. 5 A obsessão de Coltrane pelo estudo do saxofone e da música em geral é lendário.
________________________________________Apoio Antena 2