Foi nos jardins do renovado Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Gulbenkian, na tarde do último dia de setembro, que teve lugar a conversa da historiadora de arte Katy Hessel com Luís Caetano, a propósito da publicação da sua obra A História da Arte sem homens.
Em vésperas da apresentação da edição portuguesa desta obra pioneira na História da Arte no auditório da Gulbenkian, e antes da conversa para a rádio pública, Hessel percorre a exposição de Leonor Antunes, no recém reinaugurado CAM; um projeto da artista que propõe um encontro entre a sua própria obra e obras de 30 outras mulheres artistas, desde os anos 30 do século XX aos dias de hoje, e que fazem parte da coleção do museu. Um espaço artístico ‘sem homens’ visitado pela autora de A História da Arte sem homens. Coincidência ou sinal dos tempos?
Editada pela Objectiva, do grupo Penguin Livros, este é um monumental trabalho, com mais de 500 páginas profusamente ilustradas com reproduções de obras a cores. Mas não apenas o volume carateriza A História da Arte sem homens. É um admirável mundo novo da arte criada no feminino; é a descoberta do deslumbre que esteve ocultado nos últimos séculos; é o princípio da reposição da justiça através do desafio à perspetiva estabelecida e pela desconstrução de um cânone escrito pelo e no masculino que predominou e ainda predomina na história cultural – e social – da Arte.
Como escreve Katy Hessel
Não é que acredite que haja algo de inerentemente «diferente» na obra de artistas de qualquer género; é mais que a sociedade e as pessoas e instituições que controlam o acesso sempre deram prioridade a um grupo, ao longo da História. E acredito que é fundamental que isto seja abordado e desafiado. (p.11)
O ‘gatilho’ para esta obra, e investigação inerente, foi a constatação, já passados 15 anos do século XXI, da monumental sub-representação de mulheres artistas: não estavam em galerias, não estavam em museus, não estavam em exposições contemporâneas e não se conseguia encontrá-las nos referenciais livros de História da Arte. Havia uma quase ausência de mulheres reconhecidas, e ainda menor vista como artistas relevantes, mesmo que esta questão tenha entrado no debate a partir da década de 1970.
Mas não havia porque raramente existiram, obras e artistas? Quantas mulheres artistas eram conhecidas do grande público ou mesmo dos especialistas da arte? Quem tem feito a História da Arte, quem a pensou ou escreveu? Já havia mulheres a fazer arte antes do século XX? E quais as pioneiras que abriram caminho para as criadoras de hoje? Houve mulheres artistas marcantes e determinantes na História da Arte? Estatisticamente qual o peso das mulheres e suas obras nas coleções permanentes dos grandes museus?
Sem querer apresentar uma obra enciclopédica – até porque a visibilidade feminina, mesmo dos séculos anteriores, e os estudos mais aprofundados ainda agora começaram, Katy Hessel anuncia – e anuncia-se – ao que vem, na epígrafe do livro:
Já vos mostro do que uma mulher é capaz.
Artemisia Gentileschi, 1649
Abrangendo mais de cinco séculos, começando no século XVI e terminando com as artistas que estão a definir a década de 2020, este livro está dividido em cinco partes, cada uma das quais dedicada a momentos ou mudanças significativas na História da Arte, sobretudo no Ocidente.
Contrariando a visão de que as artistas eram apenas “mulheres de, musas de, modelos de, ou conhecidas de [homens]”, a autora situou-as no contexto social e político do tempo em que viveram, numa explanação e compreensão das condições de criação e de (pouco ou nenhum) reconhecimento público e artístico.
Um longo e difícil caminho em que “Ser artista e ser mulher nunca foi fácil.” Como nos séculos XVI e XVII, em que trabalharam sobretudo em retratos e naturezas-mortas, géneros que lhes eram acessíveis e socialmente respeitáveis. Ou no século XIX, em que os negociantes de arte tinham por hábito riscar as assinaturas de artistas mulheres e substituí-las pelas de homens artistas seus contemporâneos. Ou na era vitoriana em que eram consideradas, com os seus cérebros «diminutos» e menos «criativos», incapazes de se tornar artistas profissionais. Ou que até ao final do século XIX, às mulheres era vedada a inclusão plena em academias artísticas, e só desde então puderam aceder a uma educação artística pública.
Como conseguiram as mulheres ultrapassar estes obstáculos, numa recorrente falta de liberdade social e financeira, com a escassez de recursos próprios e de formação, em culturas que as subordinavam aos homens?
Ler as 1.as 30 páginas de A História da Arte sem Homens, aqui.
Katy Hessel | Historiadora de arte inglesa dedicada a celebrar e divulgar a arte feita por mulheres. É, também, curadora e fundadora da conta de Instagram @thegreatwomenartists, apresenta e escreve o podcast The Great Women Artists, e apresenta também as Dior Talks — Feminist Art. Tem escrito sobre mulheres artistas para a Vogue britânica e para a Harper’s Bazaar, curou exposições na Galeria Victoria Miro, na Galeria Stephen Friedman e na Galería Kasmin, e coordena a residência anual The Great Women Artists no Palazzo Monti de Brescia. Deu palestras na National Gallery e na Universidade de Cambridge, e escreveu e apresentou documentários sobre arte para a BBC. Em 2021, a Forbes nomeou-a como uma das «30 menores de 30 anos na Arte e na Cultura».
Fotos Jorge Carmona / Antena 2