A Antena 2 assinala os 100 anos do poeta e publicitário, Alexandre O’Neill, com uma jornada de leituras de cinco poemas seus por Raquel Marinho, emitidos ao longo do dia do seu aniversário.
19 Dezembro || 8h30 | 10h45 | 15h45 | 18h15 | 21h00
No centenário de Alexandre O’Neill
Leituras por Raquel Marinho
Nos cem anos do nascimento de Alexandre O’Neill (19 de dezembro de 1924) celebramos a sua poesia, recordando alguns poemas de um dos fundadores do Grupo Surrealista de Lisboa. Poeta, publicitário, guionista e tradutor, O´Neill tocava o absurdo e o lugar comum com trocadilhos geniais. Provocador e irónico, autodidata e individualista, poeta de Lisboa e boémio assíduo, vagueava pelas ruas, de caderninho na mão, tomando nota dos “pequenos absurdos do quotidiano”, e apanhando os ridículos e parodiando os brandos costumes da “patriazinha iletrada”.
Da sua obra destacam-se os livros No Reino da Dinamarca (1958), Tempo de Fantasmas (1951), Feira Cabisbaixa (1965), ou a reunião de contos e crónicas em Uma Coisa em Forma de Assim (1980). Recebeu, pelas suas Poesias Completas, o Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários (1983).
Leituras por Raquel Marinho,
de O poema ensina a cair
1 – Auto-Retrato
2 – Há palavras que nos beijam
3 – O poema pouco original do medo
4 – Amália
Do livro de Alexandre O´Neill, Poesias Completas & Dispersos, edição de Maria Antónia Oliveira, ed. Assírio & Alvim
No ano em que se assinala o centenário do poeta Alexandre O´Neil, a 19 de dezembro, recordamos alguns dos seus poemas pela voz de Raquel Marinho.
São poemas que, nalguns casos, acompanham a biografia do autor. Por exemplo, o poema Auto-Retrato, onde O´Neill usa os versos para falar de si, “moreno português, cabelo asa de corvo” ou o poema Um Adeus Português, que escreveu para contar do seu afastamento de Nora Mitrani. Encontramos também a crítica social, no poema sobre o medo, por exemplo, ou a sua relação com o fado: Gaivota é um dos poemas de O´Neill que ficou imortalizado na voz de Amália, e é precisamente à fadista que o poeta dedica um poema com o seu nome.
Alexandre O´Neill era um ironista, de ascendência aristocrática, mas não gostava de pessoas demasiado conscientes da sua importância. Talvez por isso, quando já era um poeta consagrado, tenha feito esta declaração de intenções num disco gravado: “que quis eu da poesia? Que quis ela de mim? Não sei bem. Mas há uma palavra francesa com a qual posso perfeitamente exprimir o rompante mais presente em tudo o que escrevo: dégonfler. Em português, traduzi-la-ia por desimportantizar, ou em certos momentos, por aliviar, aliviar os outros, e a mim primeiro, da importância que julgamos ter.”
Foi poeta, mas também escriturário, copy em publicidade, escreveu para teatro, cinema, jornais, revistas, traduziu, prefaciou, fez antologias.
Sobre ele, como nos recorda Maria Antónia Oliveira na biografia que escreveu sobre a sua vida, Alexandre O’Neill, Uma Biografia Literária, edição Assírio & Alvim, Baptista Bastos disse: “sempre pareceu um miúdo com um berlinde na mão”.
Texto de Raquel Marinho
Com 35 anos publicou no Diário Popular (10.09.1959) a seguinte biografia:
“Nasceu em Lisboa a 19 de Dezembro de 1924. Primeira infância vivida na Rua da Alegria, onde teve as primeiras revelações da tristeza: ver, ao fim do dia, os operários a treparem a rua, de lancheira na mão e demolidos de cansaço.
Instrução primária: rubicundo professor Barnabé numa escola oficial da Rua de S. José. Primeiras travessias da Avenida da Liberdade sem a ajuda da criada, que se atrasava a apanhar «beatas» para cheirar. Primeira saída absolutamente sozinho (toda a família à janela): para ir ao Coliseu ver a luta greco-romana, espectáculo que o encheu mais de gáudio que de pavor.
Ao mesmo tempo ia tendo a sua iniciação nos parasitas do éter através dos auscultadores que seu pai, fabricante amador de heróicos receptores-de-pilhas, volta e meia lhe punha nos ouvidos não se sabe bem para quê.
Ginástica na Sociedade de Geografia com o professor Júlio Qualquer Coisa. Recordação não muscular: chave do cacifo perdida, impossibilidade de revestir a roupa e corrida até casa em fato de ginástica. Primeiros risos de troça em plena rua.
Curso dos liceus: Colégio Português de Educação Feminina. Sexos ainda por separar. Recordação à-toa: o «Feminina» do Colégio Português de Educação e a mofa dos muito rapazes do Vilhena, que era do outro lado da rua… Sexos separados: Escola Valsassina (também em «ina»!). Primeiro buço literato. Recordação oportuna: concurso literário onde ganhou 4 ou 5 prémios, entre os quais a formosa Rosa dos Ventos de Manuel da Fonseca.
Salto para a escola náutica. Arte de não navegar em qualquer barco. Primeiras olhadelas de navegador para o céu. Aprendizagem do verdadeiro significado da frase «põe-te na alheta!», o que incontestavelmente lhe deu a necessidade de ser rigoroso no falar. Miopia e inadaptação aos rudes homens do mar…
Saída da Escola. Um ano gasto em pura perda e a jogar bilhar no inenarrável Café Cubana.
Entrada numa Caixa e, seis anos decorridos, saída da Caixa.
Germinações poéticas. Neo-realismo de ir-ver-o-povo-aos-domingos. Surrealismo. Publicação do primeiro livro. Novos risos de troça em plena rua. Outra vez neo-realismo, mas desta vez fervoroso.
Publicação do segundo livro nos «Cadernos de Poesia». O poeta vai descobrindo que tem incisivos e torna-se mordaz e risonhamente céptico. De então para cá é velho de mais para se recordar…
Trabalha, actualmente, numa casa editora e numa biblioteca itinerante da Fundação Gulbenkian, experiência esta que considera das mais excitantes e proveitosas da sua breve carreira de escritor.
Casou-se, já «trintão», com a escultora Noémia Delgado. Publicou A Ampola Miraculosa (1949), Tempo de Fantasmas (1951), No Reino da Dinamarca (1958).
Vai publicar proximamente: Abandono Vigiado.
Tem em preparação: Homenagem a Gomes Leal, de colaboração com José Cutileiro, e Os Bichos também São Gente, colectânea de poemas sobre animais.”