Antecedentes e resumo
Desde o final dos anos 40 do século XIX que Berlioz desenvolvia em Paris uma série de tentativas para conquistar mais ouvintes para a sua música. Entre essas iniciativas surge, em 1850, a Sociedade Filarmónica – uma clara provocação à já consagrada Sociedade dos Concertos do Conservatório. O primeiro concerto desta Sociedade Filarmónica foi então dirigido por Berlioz no dia 19 de Fevereiro de 1850. O sucesso foi tal que apanhou o próprio Berlioz desprevenido. Contudo a Sociedade não duraria mais do que um ano e meio, não por falta de audiência, mas sobretudo pela falta de fundos que a sustentassem – Um ano e meio que foi o suficiente para Berlioz voltar a apresentar a sua Grande Missa dos Mortos, e dar a conhecer uma pequena peça para coro e orquestra intitulada "O Adeus dos Pastores", peça que viria a constituir o corpo central da sua trilogia sacra "A Infância de Cristo". No Outono de 1850, "O Adeus dos Pastores" era então apresentado por Berlioz como pertencendo a um compositor barroco imaginário, de modo a despertar a curiosidade das audiências.
Falida a Sociedade Filarmónica, Berlioz nunca mais abandonaria a pequena pastoral que havia composto. Acrescentava-lhe uma abertura e um recitativo dramático para tenor coro e orquestra e criava assim aquela que viria a ser a segunda parte da "Infância de Cristo", intitulada "A Fuga para o Egipto". Depois compõe a "A Chegada a Saïs", terceira parte desta trilogia e, finalmente, compõe a primeira parte ou "O Sonho de Herodes". No final de Julho de 1854 a obra estava quase completa e segundo rezam as crónicas, na casa de Berlioz vivia-se um autentico ambiente de véspera de Natal. A estreia acontecia em Paris no dia 10 de Dezembro e tal como acontecera com a apresentação de "O Adeus dos Pastores", em 1850 na Sociedade Filarmónica, a obra teve um sucesso
imediato, para espanto do próprio Berlioz – Só no dia da estreia assistiram à obra de Berlioz: Giuseppe Verdi, Ambroise Thomas, Charles Gounod e Franz Liszt com a sua mulher Marie d’Agoult e as suas filhas, Blandine e Cosima.
Por estranho que pareça, Berlioz, acostumado a duras criticas, achou que tal aceitação por parte do público poderia dar a entender que ele teria adaptado, ou mesmo subjugado, a sua linguagem e estilo de forma a tornar-se mais aceite. Esta é uma obra de linhas simples que nada tem a haver com a imprevisibilidade a que o Berlioz revolucionário tinha habituado o público. Portanto o entusiasmo das plateias era de se desconfiar e Berlioz questionou-se bastante acerca do êxito da sua trilogia sacra.
Numa carta escrita à sua irmã Adèle depois de um ensaio em Leipzig, Berlioz dizia: "É verdadeiramente boa música, ingénua, simples e ao mesmo tempo tocante!… Não te rias!… Compararam-na às iluminuras góticas. Todos dizem que encontrei as cores certas para pintar esta cena bíblica e todos estão ansiosos para que acabe depressa a partitura…" Nesta carta escrita durante os ensaios da segunda parte da Infância de Cristo, está bem patente a duvida que Berlioz sentia perante tão boas críticas. Musica ingénua e simples?… em Berlioz?… Depois da grande estreia a 10 de Dezembro de 1854, Berlioz, como que a justificar-se, escrevia nas suas memórias: "Quando se trabalha o tema do nascimento de Cristo e da sua infância, é natural que a musica surja simples e doce, e, por isso, mais apelativa. Para além disso, o gosto das pessoas já evoluiu com o passar do tempo. Há vinte anos atrás teria escrito precisamente a mesma Infância de Cristo"
De alguma forma como em "A Danação de Fausto", Berlioz cruza os elementos reflectivos e dramáticos de tal maneira que acaba por criar uma obra híbrida, que chega a incluir no manuscrito original indicações de cena que, nas palavras de Berlioz, "não são para os cantores, mas para a imaginação". Por todos estes motivos Berlioz nunca chamou Oratório à "Infância de Cristo", optando pelo epíteto de trilogia sacra.
Na primeira parte da "Infância de Cristo", Berlioz concentra-se na alma atormentada de Herodes, que antes de qualquer sinal, pressente nos seus sonhos, o nascimento de um rei que ele vê como uma ameaça. Depois, a música leva-nos para a paz do lar de Maria e de José onde recebem a notícia trazida pelo Anjo. A segunda parte, "A Fuga para o Egipto", é sobretudo narrada pelo tenor. Sabemos da decisão de Maria de José em fugirem à tirania de Herodes para salvarem o recém-nascido Jesus. Assistimos à despedida dos pastores à Sagrada Família. Por fim, na terceira e última parte, vemos como a família é recebida pelos Ismaelitas. Intitulada de "Chegada a Saïs", esta é a parte mais teatral de toda a obra.