Estreia
Teatro Lírico de Milão em 1902
Antecedentes
A Verdadeira Adrienne Lecouvreur: a época, a vida e a lenda
A ópera de Francesco Ciléa, Adriana Lecouvreur tem como base a vida de Adrienne Lecouvreur, uma mulher que tendo nascido num berço humilde, tornou-se na estrela principal da Comédie Française.
O Mundo de Adrienne
No tempo de Adrienne Lecouvreur, o teatro francês empenhava-se em ser elegante, não realista: tudo no palco era estilizado. Os dramas eram escritos em versos; o vestuário era incrivelmente caro, cheio de bordados e cobre para brilhar à luz de velas. A maioria dos actores declamava o seu texto em vozes melódicas, quase cantadas, usando gestos graciosos extraídos directamente do ballet.
Os artistas eram verdadeiras celebridades, louvados pela nobreza e venerados pelo cidadão comum. A igreja era a excepção dado que se mostrava relutante em reconhecer a profissão de artista. Muitos actores viam-se obrigados a renunciar à sua profissão para poder receber um enterro religioso.
A competição pelos papéis principais era feroz e a política de bastidores podia ser um jogo perigoso. Alguns artistas chegavam a pagar a claques de espectadores para aplaudi-los ou vaiar os seus rivais. Muitas actrizes eram obrigadas a recorrer a protectores – geralmente homens poderosos de quem eram amantes – para progredirem nas suas carreiras. Estes poderiam ajudar uma actriz a conseguir um papel principal, escapar de um problema ou vingar-se de uma rival.
Adrienne Lecouvreur (1692-1730)
Adrienne Couvreur nasceu em Damery, um pequeno município no nordeste francês. Anos mais tarde, acrescentava o aristocrático "Le" ao apelido para que soasse mais adequado. Adrienne não teve uma infância feliz. A sua mãe morreu durante o parto e seu pai, um chapeleiro, tinha um temperamento violento. Quando Adrienne completou os dez anos, a sua família mudou-se para Paris, onde ela descobriu o teatro.
Ainda adolescente, Adrienne começou a produzir peças com outras crianças apaixonadas pelo palco. O pequeno grupo montou as suas primeiras peças na dispensa de uma mercearia, e o talento precoce de Adrienne foi logo alvo de conversa. Ela foi descoberta pela mulher de um juiz poderoso, que levou as crianças para a sua casa, onde organizava peças para entreter os seus amigos. Não foi preciso muito para que Adrienne começasse a ter aulas com Paul Legrand, actor na Comédie Française.
Adrienne estreou-se profissionalmente em Lille. Abriam-se as portas dos Teatros de província onde pode aprimorar o seu talento, enquanto se envolvia numa série de relacionamentos infelizes, que resultaram em duas filhas ilegítimas.
Em 1717, quando tinha 25 anos, Adrienne teve finalmente a sua estreia na Comédie Française. O seu estilo simples e sincero impressionou as audiências. Os críticos aclamaram a sua graça e o charme natural, que fazia a rigidez da poesia dramática pulsar com verdadeiras emoções humanas. Até as suas roupas eram revolucionárias: ao contrário dos habituais vestidos elegantes, ela usava indumentária grega, condizente com os temas clássicos das peças.
Adrienne Lecouvreur foi rapidamente considerada como a grande actriz de sua época. Ela fez mais de mil apresentações na Comédie-Française, brilhando em obras de grandes nomes como Corneille, Racine e Molière. Ele tornou-se na bem-amada da alta sociedade francesa, e fez laços de amizade com muitos dos maiores artistas e intelectuais da sua época – um deles, o filósofo, novelista, dramaturgo e ensaísta Voltaire. Mas havia um homem que, mais do que qualquer outro, chamava a atenção de Adrienne: Maurício de Saxe.
Maurício de Saxe (1696-1750)
Maurício de Saxe foi um genial militar cujo talento especial para o cenário de guerra, podia ser comparado ao talento de Adrienne para os palcos. Ele era o filho ilegítimo de Augusto II, o Rei da Polónia, e a Condessa Maria Aurora de Königsmarck. Em 1711, ele foi oficialmente reconhecido pelo seu pai, tornando-se o Conde da Saxónia.
Saxe começou a sua preparação militar bem cedo, alistando-se com 12 anos no exército do príncipe Eugénio de Sabóia, grande general e estratega militar. Ele lutava com entusiasmo e despreocupação. "Meu jovem, você não deve confundir negligência com bravura", advertiu o príncipe ao jovem de 14 anos. Saxe aprendeu bem sua lição e aos 17 anos comandava já o seu próprio regimento no exército francês. Os seus soldados eram temidos pela sua precisão e disciplina.
Uma outra faceta de Maurício de Saxe era a sua capacidade junto das mulheres. Ele era admirado pela sua bravura e força, mas também pela sua bela aparência. Em 1714, ele casou-se com a Condessa von Loben, um casamento que em pouco tempo veio evidenciar também os seus defeitos. Em poucos anos, Maurício já tinha gasto toda a fortuna da sua mulher e o casamento foi anulado pouco depois.
Maurício conheceu Adrienne enquanto estava estudando tática militar em Paris. Era 1721, ele tinha 25 anos e era a fofoca da cidade. Ela tinha 29 e era a estrela do palco francês. Eles logo se envolveram em um longo e tempestuoso relacionamento.
Os seus relacionamentos começaram a ser ameaçados pela sua ambição. Ele queria tornar-se no Duque de Curlândia, uma região no oeste da Letónia. Mas a política regional era complicada e, para conseguir a sua posição, ele precisava do apoio de poderosos. A grande duquesa russa Anna Ivanovna (que mais tarde se tornaria a Imperatriz da Rússia) estava apaixonada por Saxe e propõe-lhe o seguinte: se ele aceitar casar-se com ela, ser-lhe dada a Curlândia em troca. Assim, em 1726, Saxe ganhou o ducado, contudo nunca chegou a casar-se com a Grande Duquesa. Entretanto, a situação na Curlândia começava a ficar incómoda. Saxe viu-se assim obrigado a formar um exército para manter a integridade deste território. O dinheiro para pagar estes soldados vinha precisamente de Adrienne, que vendeu as suas jóias para mandar 30 mil libras a Maurício. Nesta altura eles já se conheciam e Adrienne como tantas outras mulheres já estava completamente apaixonada por este galanteador.
Em 1727, na Rússia perdem a paciência para os jogos de Saxe e expulsam-no finalmente. A Curlândia ficava perdida para sempre. Contudo, ele iria tornar-se num dos maiores generais da França. Durante a Guerra de Sucessão Austríaca (1740-1748), Saxe capturou Praga num ataque surpresa, e ainda conquistou os Países Baixos para a França. Em 1747, Luís XV nomeou-o Marechal dos Territórios e Exércitos do Rei.
Rivalidade, Veneno e uma Cova sem Nome
Adrienne competia com muitas rivais pelo amor de Saxe, o que a obrigou a sujeitar a cenas de vida real absolutamente dignas de teatro. Uma dessas cenas é precisamente a que envolve a duquesa de Bouillon, Maria Karolina Sobieska, pois a disputa por Saxe dá-se durante uma apresentação de gala. Adrienne estava a representar um dos seus grandes papéis, Phédre, e a duquesa assistia à peça num camarote. Tudo se passa na Comédie Française. A duquesa tinha contratado uma claque vaiar Adrienne, mas o tiro saiu-lhe pela culatra. Durante uma cena principal, Adrienne marchou para o camarote da duquesa, olhando-a directamente nos olhos, e recitou:
Eu não sou uma destas mulheres sem vergonha
Que, saboreando no crime o júbilo da paz,
Endurecem a cara até que seja impossível corar-se!
A plateia ficou louca! Mais tarde, a duquesa tentou, sem sucesso, envenenar Adrienne. A actriz morreu muito jovem, mas de causas naturais. No seu leito de morte, um padre perguntou se Adrienne queria renunciar ao teatro para ser enterrada em chão santo. Adrienne, que dedicou toda a sua vida ao teatro, recusou. O seu corpo foi atirado para uma vala de cal viva, próxima do rio Sena. Ultrajado, o seu amigo Voltaire imortalizou o acontecimento no poema: "A Morte de Adrienne Levouvreur, uma Célebre Actriz."
De Adrienne para Adriana
Depois da sua morte, a história de Adrianne inspirou peças, óperas e filmes. Uma das mais famosas foi Adrienne Lecouvreur, um drama de Ernest Legouvé e Eugène Scribe. A peça não é completamente fiel à história pois indica que a morte prematura de Adrienne foi causada por envenenamento. Ela foi estreada em Paris, em 1849.
O compositor verista Francesco Cilea sentiu-se também atraído pelo cenário charmoso, pela heroína apaixonante e pelo enredo pungente. Seu parceiro, Arturo Colautti, resumiu o complexo drama de Scribe e Legouvé num libreto enxuto. Contudo, porque muitos detalhes foram cortados, a ópera ficou um pouco ininteligível. Por sorte, a música apaixonante de Cilea faz valer qualquer confusão. A estreia da ópera em 1902, no Teatro Lírico de Milão, foi um sucesso arrebatador.
Desde sua estreia, Adriana Lecouvreur tem sido uma escolha assídua das casas de ópera, em grande parte graças à sua heroína. O papel de Adriana tem um enorme poder dramático. A ajudar o papel exige quatro vestidos exuberantes para a soprano.
Com seu enredo fascinante e belíssima música, Adriana Lecouvreur é o tributo apropriado para uma actriz que foi em vida o que ela é em lenda.
Resumo
I Acto
Paris, 1730. Nos bastidores da Comédie-Française, o director artístico e o seu elenco preparam-se para uma apresentação que contará com Adriana Lecouvreur e sua rival, Mademoiselle Duclos. A Princessa de Bouillon e o Abade de Chazeuil entram, à procura de Duclos, que é amante do Príncipe. Eles encontram Adrianna e elogiam o seu talento; ela responde que é apenas uma humilde serva do génio criador ("Io son l’umile ancella"). O Príncipe descobre que Duclos está a escrever uma carta para alguém e planeia interceptá-la. Michonnet, a sós com Adriana, confessa amor que sente por ela, somente para descobrir que a actriz está apaixonada por Maurizio, que ela acredita estar ao serviço do Conde de Saxónia. Maurizio entra, e declara o seu amor por Adriana ("La dolcissima effigie"). Os dois marcam um encontro para depois da apresentação. Adriana entrega-lhe um ramo de violetas como prova do seu amor. Durante a apresentação, o príncipe intercepta a carta de Duclos, onde ela solicita um encontro com Maurizio, que é se não o próprio Conde da Saxónia. Ele deve encontrá-la naquela noite, numa casa de campo. Determinado à expor a aparente infidelidade da sua amante, o príncipe planeia uma festa na casa de campo. O que o Príncipe não sabe é que Duclos escreveu a carta por interesse da Princesa de Bouillon, que tem um caso com Maurizio. Este, quando recebe a carta, decide encontrar-se com a Princesa que o tem ajudado a alcançar seus objectivos políticos. Ele envia um bilhete a Adriana para cancelar o encontro marcado. Adriana fica furiosa, mas quando o Príncipe a convida para uma festa e lhe diz que o Conde da Saxónia será um dos convidados, ela aceita na esperança de ajudar a carreira do seu amado.
II Acto
A Princesa aguarda ansiosamente por Maurizio na casa de campo ("Acerba voluttà"). Quando ele aparece, ela repara nas violetas e imediatamente suspeita doutra mulher; Maurizio diz-lhe que as flores são um presente para ela. Ele agradece a sua ajuda na corte, mas admite relutantemente que já não está apaixonado por ela ("L’anima ho stanca"). O Príncipe e o Abade surgem repentinamente e a Princesa esconde-se. Eles congratulam Maurizio pela sua nova conquista, que pensam ser Duclos. Adriana entra e fica surpresa ao descobrir que o Conde de Saxónia é o próprio Maurizio, mas acaba por perdoar a farsa. Entretanto, Michonnet está à procura de Duclos e Adriana. A deparar-se com Maurizio, assume que este veio à casa de campo para encontrar-se secretamente com Duclos. Depois Maurizio e Adriana continuam: Maurizio assegura a Adriana que a mulher escondida do outro lado da porta não é Duclos e que o seu encontro com ela é puramente político. Tudo deve ser arranjado para que a mulher secreta escape sem ser vista. Confiando nele, Adriana concorda. Nem Adriana nem a Princesa se reconhecem. Porém, pelas poucas palavras que elas trocam, ambas notam que estão apaixonadas pelo mesmo homem. Adriana está determinada a descobrir a identidade da sua rival, mas a Princesa escapa, deixando cair uma bracelete que Michonnet encontra e entrega a Adriana.
III Acto
Enquanto os preparativos estão em andamento para a festa no palácio, a Princesa pergunta-se quem poderá ser sua rival. Entram os convidados, Adriana e Michonnet entre eles. Ao escutar a voz de Adriana, a Princesa reconhece que foi ela quem a ajudou a escapar. Ela inventa que Maurizio foi ferido num duelo e Adriana quase desmaia, confirmando suas suspeitas. Mas Adriana recupera rapidamente quando Maurizio chega ileso e entretém convidados com os seus relatos de bravura militar ("Il russo Mencikoff"). Durante a exibição de um ballet, a Princesa e Adriana confrontam-se, reconhecendo-se como rivais. A Princesa menciona as violetas e Adriana exibe a bracelete, a qual o Príncipe identifica como a de sua esposa. Para despistar, a Princesa sugere que Adriana recite um monólogo. Adriana escolhe um trecho da Phèdre de Racine, onde a heroína delata pecadores e mulheres adúlteras, e dirige a sua encenação directamente à Princesa. A Princesa quer vingança.
IV Acto
Adriana abandonou o palco, devastada pela perda de Maurizio. Os membros da sua companhia visitam-na no seu aniversário, e trazem-lhe presentes, tentando persuadir Adriana a regressar. Ela fica particularmente comovida pelo presente de Michonnet: uma jóia que ela empenhou para pagar a fiança de Maurizio. Eis que chega também uma caixa, supostamente enviada por Maurizio. Quando Adriana a abre, ela encontra o velho ramo de violetas que havia dado e entende naquilo um sinal de que o amor deles chegou ao fim ("Poveri fiori"). Ela beija as flores e depois atira-as ao fogo. Momentos depois, entra Maurizio, levado por Michonnet. Ele pede perdão e pede Adriana em casamento. Ela aceita jubilosa, mas fica repentinamente pálida. Michonnet e Maurizio descobrem que as violetas foram enviadas pela Princesa e estavam envenenadas. Adriana morre nos braços de Maurizio ("Ecco la luce").