Estreia
1735
Libreto
Extraido directamente dos sexto e sétimo cantos de Orlando Furioso de Ludovico Ariosto
Antecedentes
Um Rude Golpe para Handel
Em 1728 Handel recebe um dos mais rudes golpes no que diz respeito à sua actividade como compositor. A estreia da Beggar’s Opera, uma ópera baseada numa sucessão de baladas populares inglesas, precipitava o fim da Academia Real de Musica, destinada à promoção da música italiana em Inglaterra, e à qual Handel tinha dedicado os últimos oito anos – o compositor alemão foi mesmo o responsável por mais de metade das obras apresentadas pela academia.
Este acontecimento forçou Handel a procurar outra alternativa para a apresentação das suas óperas. Assim, em 1729, Handel acabaria por fundar uma nova academia, para a qual colaborou, não apenas como compositor, mas também como produtor. No entanto também esta companhia iria passar por tempos difíceis. Em 1733 surgia uma nova concorrente no panorama lírico londrino. Para além de ter que contar com a concorrência das óperas balada inglesas, Handel tinha agora que entrar em linha de conta com uma concorrente directa no domínio da ópera italiana – A Ópera dos Nobres. Naturalmente, a competição que se gerou entre a recém chegada Ópera dos Nobres e a companhia de Handel acabou por se reflectir tanto nas produções apresentadas, cada vez mais espectaculares e sumptuosas, como nos nomes que eram contratados para os elencos. Por ironia, ambas as companhias seriam forçadas a fechar em 1737 devido a dificuldades financeiras insustentáveis. Restou a Handel a consolação da sua companhia ter durado uns meses mais do que a Ópera dos Nobres. Foi nesse contexto de rivalidade exacerbada entre as duas companhias que é estreada Alcina, em Abril de 1735.
Alcina enquadra-se no subgénero das chamadas óperas feéricas, nas quais a acção se passa num mundo encantado e onde pelo menos um dos protagonistas é dotado de poderes sobrenaturais. Muito populares durante o barroco, estas óperas exigiam um palco dotado de mecanismos capazes de efectuarem mudanças de cena espectaculares e de produzirem efeitos surpreendentes. Segundo consta, Alcina foi especialmente bem sucedida neste tipo de efeitos, muito graças à maquinaria existente no Covent Garden, onde foi estreada.
Aliás, Alcina é mesmo uma das óperas de Handel mais bem sucedidas. O seu mérito intrínseco resulta em grande parte da maneira como o compositor judiciosamente manipulou os afectos à medida que a ópera se vai desenrolando.
Handel finalizou Alcina apenas a uma semana da sua estreia no Covent Garden a 16 de Abril de 1735 à qual se seguiram mais 17 récitas, o que pelos padrões da altura, significava um sucesso moderado. A obra voltou por mais cinco récitas durante a temporada de 1736-37 e a pedido do público, a ária Verdi prati passava a fechar todas as noites de Alcina no Covent Garden. A ópera voltou a ser interpretada mais uma vez em Brunswick, na saxónia, e depois, só voltaria com regularidade aos palcos, já no século XX.
O libreto de Alcina é retirado directamente dos sexto e sétimo cantos de Orlando Furioso de Ludovico Ariosto. Um poema épico escrito em 1532 e segundo os padrões da antiguidade clássica, que nos conta a lenda de Charlemagne e da invasão árabe da França.
Resumo
Alcina é o nome de uma feiticeira que se deixa apaixonar por um cavaleiro de nome Rogério. No entanto Rogério está destinado a ter uma vida curta, pelo que um feiticeiro benevolente decide olhar por ele, e tudo faz para o manter afastado da sua noiva (Bradamante), e do seu perigoso, mas heróico futuro. Acontece que Bradamante não parece estar disposta a aceitar pacificamente as constantes ausências do seu noivo – ao longo do poema é comum depararmo-nos com Bradamante, vestida com a sua armadura e montada no seu hipogrifo, à procura de Rogério. É exactamente uma dessas passagens que antecede o momento da ópera: Aí, Rogério é salvo por Bradamante de um castelo encantado. No entanto quando o hipogrifo se posiciona de maneira a Rogério poder monta-lo, levanta voo e leva o desafortunado cavaleiro para uma ilha distante. Mais uma vez Bradamante terá que partir à sua procura!
Depois de aterrar, Rogério amarra o hipogrifo a um mirtilo que faz as delícias do animal. Para seu grande espanto, Rogério começa a ouvir o mirtilo queixar-se: o mirtilo pede a Rogério que afaste o seu corcel dali e explica-lhe que ele já fora um homem antes de ter sido transformado num arbusto pela feiticeira Alcina. O mirtilo alerta ainda acerca daquela ilha: lá, tudo é uma ilusão provocada por Alcina e pela sua irmã Morgana; além disso, Alcina seduz os cavaleiros para, depois de saciada, transforma-los em pedras, animais e arbustos.
A curiosidade de Rogério aumenta à medida que vai ouvindo esta história fantástica e, por isso, decide conhecer pessoalmente as duas feiticeiras. O resultado é que também Rogério cai sob o feitiço de Alcina.
Aqui, começa o primeiro acto da ópera de Handel:
I Acto
Bradamante, mais uma vez à procura de Rogério, acaba de chegar à ilha acompanhada por Melisso, o tutor de Rogério. Vestida com a sua armadura, Bradamante parece-se com um rapaz e então decide fazer-se passar por um cavaleiro. Os dois intrusos vêem apostados em vencer Alcina, trazendo consigo um anel mágico que lhes permite ver para além das ilusões da feiticeira.
A primeira pessoa que encontram é Morgana, irmã de Alcina. Esta fica logo interessada por aquele jovem cavaleiro que se apresenta pelo nome de Ricardo, e condu-los até ao palácio de Alcina. Lá, Bradamante não gosta do que vê: Rogério está completamente enfeitiçado e já esqueceu a sua vida anterior, apenas lhe interessando Alcina.
Tudo se complica: Bradamante e Melisso tentam convencer Rogério do perigo que ele corre, mas não são bem sucedidos; entretanto Oronte, o verdadeiro amor de Morgana, apercebeu-se das intenções desta para com o tal Ricardo, pelo que o desafia para um duelo que é travado por Alcina; depois, impossibilitado de levar o duelo adiante, Oronte decide vingar-se em Rogério contando-lhe acerca das aventuras de Alcina com tantos outros cavaleiros, e de como ela os transformou; para ajudar, Alcina mostra-se também interessada pelo suposto Ricardo; Rogério tem um ataque de ciúmes e Alcina é obrigada uma vez mais a usar os seus dotes de sedutora para o acalmar; é a vez de Bradamante perder as estribeiras desfazendo o seu disfarce perante Rogério, que fica baralhado.
Entretanto, Bradamante, dá de caras com um jovem de nome Oberto. Este diz procurar seu pai. Segundo consta o velho paladino Alfonso fora visto naquela ilha pela última vez antes te ter desaparecido.
O acto acaba com Morgana apaixonada por Ricardo; Alcina apostada em transformar o mesmo num animal para provar a Rogério o seu amor; e Rogério totalmente confuso.
II Acto
Bradamante e Melisso continuam sem conseguir que Rogério se aperceba que é alvo de uma ilusão da feiticeira Alcina. Na primeira cena deste acto surge uma nova oportunidade: Melisso apanha Rogério sozinho, e aproveita logo para o chamar á razão, dando-lhe o anel mágico. Sob o seu efeito, Rogério cai em si e vê a ilha tal como ela é – um deserto povoado por não-humanos. Chegou então o momento de partir. Melisso e Rogério planeiam a fuga, no entanto, ao deparar-se com Bradamante sem o seu disfarce, Rogério volta a ficar confundido. Ele pensa estar mais uma vez perante uma das ilusões de Alcina.
Bradamante fica desesperada, assim como Alcina que entra agora em cena com o intuito de transformar Ricardo num animal como prova do seu amor por Rogério. Este é forçado a intervir. Diz a Alcina que ela não precisa de lhe provar nada e é nesse momento que, pela primeira vez na ópera, nos apercebemos que o amor de Alcina por Rogério é genuíno.
Reaparece Oronte. Mais uma vez para complicar tudo. O amante de Morgana apercebe-se de que Ricardo, Rogério e Melisso são uma espécie de aliados, e vai avisar as duas irmãs feiticeiras que descobrem estar a ser enganadas. No entanto é tarde de mais: uma vez apaixonadas as duas feiticeiras perdem o poder de criar ilusões.
O acto acaba com a tentativa frustrada de Alcina em invocar a ajuda dos espíritos.
III Acto
Neste acto tudo muda em relação aos outros dois. Alcina perdeu o controlo da situação, e está desesperada. Morgana tenta reconquistar Oronte, mas este só admite amá-la quando ela não está por perto – uma relação condenada a correr mal, como tudo naquela ilha. Entretanto é a vez de Rogério rejeitar Alcina. Este apenas continua na ilha porque para sair dela, precisa de vencer Alcina. Para isso ele terá que destruir uma urna que é a fonte do poder da feiticeira. Alcina, dividida entre o amor que descobriu ser capaz de sentir, e o instinto de sobrevivência, enfrenta Rogério e Bradamante que se preparam para destruir a urna.
Á medida que o acto avança torna-se difícil não sentir compaixão por esta feiticeira desesperada que descobriu o amor tarde de mais e agora paga pelos seus actos. A urna acaba por ser esmagada e Alcina e Morgana desaparecem.
Com o feitiço desfeito, todos os que Alcina transformou voltam à sua condição de humanos. A alegria é geral.
Ah! É verdade, quanto àquele rapaz com quem Bradamante se cruzou no primeiro acto, Oberto, ele encontrou o pai. Enquanto os heróis desta história viviam as suas peripécias, o jovem encontrara um leão amistoso que o conquistou imediatamente e se tornara seu companheiro. Com o feitiço desfeito, o leão revelou-se ser o seu pai, Alfonso. A ópera acaba com o abraço radiante de Oberto e seu pai.