Libreto
Paul Claudel
Estreia1938
Antecedentes e resumoO compositor suíço Arthur Honegger compôs em 1935 uma oratória dramático sobre o julgamento e morte de Joana d’Arc chamado "Jeanne d’arc au bûcher". A peça musical, para dois narradores, coro e orquestra, com libreto de Paul Claudel, é uma obra-prima da música clássica do século XX.
A oratória dramática Jeanne d’Arc au bucher é sem dúvida uma das obras mais interpretadas de Arthur Honneger. Desde a sua estreia em 1938, que este oratório goza da estima do público e da crítica. Honneger diz que apenas pôs o seu talento à disposição do "imensamente talentoso" paul Claudel.
Em 1934, a bailarina e coreógrafa Ida Rubinstein, tirando partido do conceito de farsa medieval, propôs a Honneger a ideia de uma oratória sobre a vida da então recém-canonizada Joana d’Arc. O primeiro encontro com Claudel revelou-se bastante infrutífero. Claudel alegou que o projecto seria muito difícil. Para o poeta era quase impossível acrescentar o que quer que fosse à narrativa da vida da Donzela de Orleães. Foi numa viagem de comboio, quando regressava casa, que Claudel foi acometido por uma súbita inspiração a propósito daquele tema. Dias depois o libreto estava pronto.
No seu libreto, Claudel vai desde o humor negro até uma dolorosa e comovente acutilância. As alusões espirituais são intercaladas com trocadilhos por vezes cínicos; os termos jurídicos do latim medieval são justapostos a imagens místicas. A acção dramática flui livremente independentemente da cronologia dos acontecimentos: a fogueira onde Joana d’ Arc morre é, aqui, a confluência do passado, do presente e do futuro.
Para além do libreto Claudel forneceu a Honegger todo um conjunto de detalhes sobre os cenários e até sobre como deverá ser a música para cada momento. O envolvimento do inicialmente relutante Claudel, foi de tal maneira intenso que Honegger comentou ser não o compositor, mas um mero colaborador do poeta.
O libreto era realmente um grande desafio para Honegger que por essa altura começava a dedicar-se à música para cinema. A música para cena atraia-o e se havia com enormes qualidades dramáticas e cénicas, se não cinematográficas, era o libreto de Claudel.
Composta em 1935, a oratória só foi estreada em 1938, no dia 12 de Maio. Apesar disso, a recepção calorosa que teve garantia finalmente a Honegger o reconhecimento de toda a comunidade artística francesa que, até então, sempre olhou para ele com um certo cepticismo. Claudel e Honegger voltariam a colaborara logo após do triunfo de Jeane d’Arc numa nova oratória A Dança dos Mortos. Em 1944 resolviam acrescentar um prólogo a Jeane d’Arc que compara o vazio descrito no Génesis antes da criação, com a escuridão em que estava mergulhada a França durante a guerra dos cem anos. A data em que este prólogo foi adicionado sugere que os autores se referiam à França durante a segunda grande guerra mundial.
Honegger usa na partitura uma série de caricaturas musicais ao serviço de um certo humor negro que atravessa toda a obra, incluindo canções medievais, o Ritornello Barroco, canções populares e o Jazz dos anos 30. Tudo isto alterna com o sofrimento da Joana d’ Arc, que diz, não canta, e com uma série de momentos mais líricos. Jeanne d’Arc au bûcher é uma daquelas raras obras em que tanto o texto como a música honram indiscutivelmente a ocasião, marcando para sempre.
A História de Joana d’ Arc
Joana nasceu em Domrémy, na região da Lorena em França. Posteriormente a cidade foi renomeada como Domrémy-la-Pucelle em sua homenagem. A data do seu nascimento é imprecisa, de acordo com seu interrogatório de 24 de Fevereiro de 1431, Joana teria dito que na época tinha 19 anos portanto teria provavelmente nascido em 1412.
Filha de Jacques d’Arc e Isabelle Romée, tinha mais quatro irmãos: Jacques, Catherine, Jean e Pierre, sendo ela a mais nova. O pai era agricultor e foi a mãe lhe ensinou todos os deveres de uma menina da época.
No seu julgamento Joana d’Arc afirmou que desde os 13 anos ouvia vozes divinas. Segundo ela no seu julgamento, a primeira vez que escutou a voz, ela vinha da direcção da igreja e acompanhada de uma claridade e uma sensação de medo. Dizia que às vezes não a entendia muito bem e que as ouvia duas ou três vezes por semana. Entre as mensagens que ela entendeu estavam conselhos para frequentar a igreja, que deveria ir a Paris e que deveria levantar o domínio que havia na cidade de Orléans. Posteriormente ela identificaria as vozes como sendo do arcanjo São Miguel, Santa Catarina de Alexandria e Santa Margarida:
– O arcanjo São Miguel, o líder dos exércitos celestiais;
– Santa Catarina, definida como uma figura apócrifa a cavalo dos séculos III e IV e que morreu com uma idade similar à de Joana. Erudita, persuadiu o imperador Maximiliano II a deixar de perseguir os cristãos. Foi condenada a morrer na roda (um sistema de tortura que fraturava os ossos);
– Margarida foi uma mulher depreciada pela sua fé católica e a quem propuseram que renegasse à sua fé para se poder casar. Ante a sua negação, foi torturada escapando miraculosamente por diversas vezes, até sua morte definitiva. Assim morreu virgem e mártir.
Desde que o Duque da Normandia, Guilherme, o Conquistador se apoderou da Inglaterra em 1066, que os monarcas ingleses passaram a controlar extensas terras no território francês. Com o tempo, passaram a ter vários ducados franceses: Aquitânia, Gasconha, Poitou, Normandia, entre outros. Os duques, apesar de vassalos do rei inglês, acabaram por se tornar seus rivais.
Quando a França tentou recuperar os territórios perdidos para Inglaterra, originou-se um dos mais longos e sangrentos conflitos da história da humanidade: a Guerra dos Cem Anos, que durou na realidade 116 anos, e que produziu milhões de mortos e a destruição de quase toda a França setentrional.
O início da guerra deu-se a 1337. Os interesses mais que evidentes de unificar as coroas concretizaram-se com a morte do rei francês Carlos IV em 1328. Filipe VI, sucessor graças à lei sálica (Carlos IV não tinha descendentes masculinos), proclamou-se rei da França em 27 de Maio de 1328.
Felipe VI reclamou em 1337 o feudo da Gasconha ao rei inglês Eduardo III, e no dia 1 de Novembro este responde plantando-se às portas de Paris declarando que ele era o candidato adequado para ocupar o trono francês.
A Inglaterra ganharia batalhas como Crécy (1346) e Poitiers (1356). Uma grave enfermidade do rei francês originou uma luta pelo poder entre seu primo João I de Borgonha ou João sem Terra, e o irmão de Carlos VI, Luís de Orléans.
No dia 23 de Novembro de 1407, nas ruas de Paris e por ordem do borguinhão, comete-se o assassinato do armagnac Luís de Orléans. A família real francesa estava dividida entre os que davam suporte ao duque de Borgonha (borguinhões) e os que o davam ao de Orléans e depois a Carlos VII, Delfim de França (armagnacs ligados à causa de Orléans e à morte de Luís). Com o assassinato do armagnac, ambas as facções se enfrentaram numa guerra civil, onde procuraram o apoio dos ingleses. Os partidários do Duque de Orléans, en 1414, viram recusada uma proposta pelos ingleses, que fizeram finalmente um pacto com os borguinhões.
Com a morte de Carlos VI, em 1422, Henrique VI da Inglaterra foi coroado rei francês, mas os armagnacs não desistiram e mantiveram-se fiéis ao filho do rei, Carlos VII, coroando-o também em 1422.
Aos 16 anos, Joana foi a Vaucouleurs, cidade vizinha de Domrèmy. Recorreu a Robert de Baudricourt, capitão da guarnição armagnac estabelecida em Vaucouleurs, para lhe ceder uma escolta até Chinon, onde estava o delfim, já que teria que atravessar todo o território hostil defendido pelos aliados ingleses e borguinhões. Quase um ano depois, Baudricourt aceitou enviá-la escoltada até o delfim. A escolta iniciou-se aproximadamente no dia 13 de Fevereiro de 1429. Entre os seis homens que a acompanharam estavam Poulengy e Jean Nouillompont (conhecido como Jean de Metz). Jean esteve presente em todas as batalhas posteriores de Joana d’Arc.
Portando roupas masculinas até sua morte, Joana atravessou as terras dominadas pelos Borguinhões, chegando a Chinon, onde finalmente se iria encontrar com Carlos, após uma apresentação duma carta enviada por Baudricourt. Chegando a Chinon, Joana já dispunha de uma grande popularidade, porém o delfim desconfiava ainda da jovem. Decidiram passá-la por algumas provas. Segundo a lenda, com medo de apresentar o delfim a uma desconhecida que talvez pudesse matá-lo, eles decidiram ocultar Carlos numa sala cheia de nobres para recebê-la. Joana teria reconhecido o rei disfarçado entre os nobres sem que nunca o tivesse visto. Joana dirigiu-se ao verdadeiro rei, curvado-se e dizendo: "Senhor, vim conduzir os vossos exércitos à vitória".
A sós com o rei, ela convenceu-o a entregar-lhe um exército com o intuito de libertar Orléans. Porém, o rei ainda queria mais provas. As autoridades eclesiásticas de Poitiers submeteram-na a um interrogatório, averiguaram da sua virgindade e das suas intenções.
Convencido do discurso de Joana, o rei entrega-lhe uma espada, um estandarte e o comando das tropas francesas, para seguir rumo à libertação da cidade de Orléans, que invadida e tomada pelos ingleses havia oito meses.
Munida de uma bandeira branca, Joana chega a Orléans a 29 de Abril de 1429. Comandando um exército de 4000 homens ela consegue uma vitória sobre os invasores a dia 9 de Maio de 1429. O episódio é conhecido como a Libertação de Orléans.
Existem histórias paralelas que informam que Joana teria chegado para a batalha num cavalo branco, com uma armadura de aço, e segurando um estandarte com a cruz de Cristo, circunscrita com o nome de Jesus e Maria. Segundo esta versão, Joana era apenas levada pelo fascínio sobrenatural dos seus sonhos e pronta a cumprir a sua missão segundo a vontade divina. Sem saber nada sobre arte de guerra comandou os soldados rudes que, na sua presença, não se atreviam a dizer ou praticar inconveniências. Ela apresentava-se extremamente disciplinada.
Após a libertação de Orléans, os ingleses pensaram que os franceses iriam tentar a reconquista de Paris e da Normandia mas, ao invés, Joana convenceu o Delfim a iniciar uma campanha sobre o rio Loire. Isso já era uma estratégia de Joana para conduzir o Delfim a Ruão.
Joana dirigiu-se a vários pontos fortificados sobre o rio Loire. A 11 e 12 de Junho de 1429 venceu a batalha de Jargeau. No dia 15 foi a vez da batalha de Meung-sur-Loire. A terceira vitória foi a batalha de Beaugency, nos dias 16 e 17.
Cerca de um mês depois da sua vitória sobre os ingleses em Orléans, ela conduziu o rei Carlos VII à cidade de Reims, onde é finalmente coroado a 17 de Julho. A vitória de Joana d’Arc e a coroação do rei acabaram por reacender as esperanças dos franceses de se libertarem do domínio inglês e representaram a viragem no andamento guerra.
O caminho até Reims era considerado difícil já que as várias cidades estavam sob o domínio dos borguinhões. Porém, a fama de Joana já se espalhara a boa parte do território e fez com que o exército armagnac do delfim fosse temido. Assim, Joana passou sem problemas por sucessivas cidades.
Numa dessas cidades, em Gien, foram enviados convites a diversas autoridades para assistir à consagração do delfim. Em Auxerre chegou-se a pensar em resistência por parte de uma pequena tropa inimiga que se encontrava na cidade. Mas após três dias de negociação foi possível passar sem qualquer problema. O mesmo aconteceu em Troyes, cujas negociações duraram cinco dias. A chegada a Ruão foi em 16 de Julho.
Sabe-se que o dia da consagração definitiva do rei francês em Ruão foi a 17 de Julho, numa cerimónia condicionada pelas circunstâncias da guerra. Joana assistiu à consagração acompanhada do seu estandarte.
Teoricamente Joana já não tinha nada mais para fazer no exército uma vez que tinha cumprido a sua promessa perfeitamente. Mas ela, como muitos outros, acreditava que enquanto a cidade de Paris estivesse controlada pelas tropas inglesas, dificilmente o novo rei poderia ter claramente o controle da França.
No mesmo dia da coroação, chegaram emissários do Duque de Borgonha e iniciaram-se as negociações de paz. Não foi a paz que Joana desejava, mas pelo menos deram-se tréguas durante quinze dias. Contudo essa paz não foi gratuita, já que houve interesses políticos em jogo. Carlos VII precisava de controlar Paris para exercer a sua autoridade de rei mas, por outro lado, não queria criar uma má imagem com uma conquista violenta de terras que passariam para o seu domínio. Foi isto que o motivou a firmar um período de tréguas com o Duque de Borgonha. Precisava de ganhar tempo.
Durante esses dias, Carlos VII levou o seu exército até Île-de-France. Deram-se pequenas batalhas entre os armagnacs e a aliança inglesa com os borguinhões. Os ingleses abandonaram Paris dirigindo-se a Ruão. Restava então derrotar os borguinhões que ficaram em Paris.
Durante o cerco a Paris, Joana foi ferida por uma flecha. Isto acelerou a decisão do rei em bater em retirada no dia 10 de Setembro. O rei francês não intencionava abandonar definitivamente a luta, mas queria forçar uma vitória por uma via pacífica.
Na Primavera de 1430, Joana d’Arc retomou a campanha militar e dirigiu-se a Compiègne, onde acabou por sofrer uma derrota, acabando capturada pelos borguinhões.
Foi presa a 23 de Maio do mesmo ano e, entre os dias 23 e 27, foi conduzida a Beaulieu-lès-Fontaines. Joana foi interrogada nos dias 27 e 28 pelo próprio Duque de Borgonha, Felipe, o bom. Naquele momento Joana era propriedade do Duque de Luxemburgo. Joana foi levada ao Castelo de Beaurevoir, onde permaneceu todo o verão, enquanto o duque de Luxemburgo negociava sua venda. Ao vendê-la aos ingleses, Joana foi transferida a Ruão.
Joana foi posta numa cela escura vigiada por cinco homens. Em comparação com o bom tratamento que recebera na sua primeira prisão, Joana vivia agora os seus piores tempos.
O processo contra Joana teve início no dia 9 de Janeiro de 1431, sendo a sua cabeça o bispo de Beauvais, Pierre Cauchon. Foi um processo que passaria à posteridade e que converteria Joana numa heroína nacional, pelo modo como decorreu, a sua consequência, e da lenda que ainda nos dias de hoje mistura a realidade com fantasia.
Foram feitas dez sessões sem a presença da acusada, apenas com a apresentação de provas, que resultaram na acusação de heresia e assassinato.
No dia 21 de Fevereiro Joana foi ouvida pela primeira vez. A princípio ela negou-se a fazer o juramento da verdade, o que acabou por fazer pressionada. Joana foi interrogada sobre as vozes que ouvia, sobre a igreja militante, sobre seus trajos masculinos. No dia 27 e 28 de Março, Thomas de Courcelles fez a leitura dos 70 artigos da acusação de Joana, e que depois foram resumidos a 12, mais precisamente no dia 5 de Abril. Estes artigos sustentavam a acusação formal, buscando condenação de Joana.
No mesmo dia 5, Joana começou a revelar sinais de falta de saúde por causa da ingestão de alimentos venenosos que a faziam vomitar. Isto alertou Cauchon e os ingleses, que lhe trouxeram um médico. Queriam mantê-la viva, principalmente os ingleses, porque planeavam executá-la.
Durante a visita do médico, Jean d’Estivet acusou Joana de ter ingerido os alimentos envenenados conscientemente para cometer suicídio. No dia 18 de Abril, quando finalmente ela se viu em perigo de morte, pediu para se confessar.
Os ingleses impacientaram-se com a demora do julgamento. O Conde de Warwick disse a Cauchon que o processo já se estava a arrastar por muito tempo. Até o primeiro proprietário de Joana, João do Luxemburgo, se apresentou a Joana, propondo-se a pagar pela sua liberdade se ela prometesse não atacar mais os ingleses. A partir do dia 23 de Maio, as coisas aceleraram, e no dia 29 de Maio ela foi condenada por heresia.
Joana foi queimada viva em 30 de Maio de 1431, com apenas dezanove anos. A cerimónia de execução aconteceu na Praça do Velho Mercado, às 9 horas, em Ruão.
Antes da execução ela confessou-se com Jean Totmouille e Martin Ladvenu, que lhe administraram os sacramentos da Comunhão. Entrou, vestida de branco, na praça cheia de gente, e foi colocada na plataforma montada para sua execução. Após lerem o seu veredicto, Joana foi queimada viva e as suas cinzas foram atiradas ao rio Sena, para não se tornarem em objecto de veneração pública. Era o fim da heroína francesa.
A revisão do seu processo começou a partir de 1456, quando foi considerada inocente pelo Papa Calisto III, e o processo que a condenou foi considerado inválido. Em 1909 a Igreja Católica beatifica Joana d’Arc. Em 1920 é declarada santa pelo Papa Bento XV.
Ela foi proclamada Mártir pela Pátria e da Fé