Antecedentes e resumoEm 1741 Handel recebeu um convite para fazer espectáculos de angariação de fundos para três das maiores instituições de caridade de Dublin. Apesar de Handel estar adoentado, decidiu compor uma nova oratória para a ocasião, e pediu a Charles Jennens (libertista de Saul e de Israel no Egipto) um tema apropriado. Jennens respondeu com uma colecção de versículos dos Antigo e Novo Testamentos, organizados num argumento de três partes (segundo descrição do próprio libertista). O resultado foi a mais conhecida e admirada de todas as oratórias de Handel, O Messias.
O texto foi controverso, com os jornais a debaterem a sua natureza blasfema. No entanto, o produto final conquistou rapidamente o louvor da crítica, primeiro em Dublin e depois em Londres, onde teve que vencer a cabala dos devotos mais fundamentalistas alimentados pelos amadores de óperas italianas.
"Faltam-nos palavras" escreveu o Dublin Journal de 17 de Abril de 1742, para exprimir o "prazer requintado a um numeroso e admirado auditório. O sublime, o grande e o terno, adaptados às palavras mais grandiosas e comoventes, uniram-se para transportar e encantar o coração e o ouvido"
Mas o Messias é, não só a mais célebre e importante obra de Handel, mas também a sua obra-prima e o seu testamento espiritual. Esta magnifica saga cristã sem personagens, ou acção dramática – cuja grandeza e nobreza se aliam a uma deliciosa frescura – nunca deixou de ser tocada com êxito até aos nossos dias. Mais do que qualquer outra está na origem de uma tradição da oratória inglesa perpetuada nos grandes festivais ingleses de coros. É também a origem do gigantismo em música. O número de executantes do Messias não deixou de crescer durante mais de um século:
Até 1758: entre 50 a 60 executantes;
1759: 92 executantes (59 cantores e 33 instrumentistas), uns dias antes da morte de Handel – o compositor tocava o órgão;
1784: 525 executantes (275 cantores e 250 instrumentistas), na Abadia de Westminster;
1791: mais de 1000 executantes;
1859: 3200 executantes, no Palácio de Cristal (Londres), no centenário da morte do compositor.
Com as suas oratórias inglesas, cuja primeira é Esther (1732), Handel criou um género absolutamente novo sem ligação com a oratória italiana. A partir de 1738, graves dissabores na administração das suas companhias de ópera obrigaram-no a dedicar-se inteiramente ao novo género que atinge o apogeu com o Messias, obra já qualificada por alguns musicólogos como uma "ópera metafísica". Com efeito, Handel investiu nela não só todo o seu génio musical (sentido de arquitectura, invenção melódica, elegância na conduta das vozes e impetuosidade rítmica) mas também a espiritualidade e a capacidade de reflexão nos mistérios cristãos.
Os 52 números desta importante partitura (20 dos quais são para o coro) dividem-se assim em três grandes partes, evocando a vinda do Messias (a espera do Messias e a natividade), o seu sacrifício (da paixão à gloria da ascensão – a salvação da humanidade através da união com o Messias vitorioso) e a sua obra redentora (a redenção e a paz eterna no além). Na base de cada um dos números estão as sagradas escrituras (Isaías, Malaquias, São Lucas, São João, Salmos, Jeremias, São Paulo e Job).
A parte central desta obra é talvez a mais importante. Começa e acaba com duas das peças mais notáveis da partitura: a grande ária de contralto He was despised, particularmente desenvolvida, e o Hallelujah. Diz-se que Jorge II, ao ouvir este coro pela primeira vez, se levantou espontaneamente e os ingleses tradicionalmente repetem este gesto.