Manoel de Oliveira foi o realizador mais internacional e influente do cinema português. Morreu neste dia 2 de Abril de 2015, no Porto, com 106 anos.
Manoel de Oliveira nasceu em 1908 na freguesia de Cedofeita, no Porto, no seio de uma família da alta burguesia nortenha. Ainda jovem frequentou um colégio de jesuítas na Galiza onde admitiu ter sido sempre mau aluno. Dedicou-se ao atletismo, tendo sido campeão nacional de salto à vara e atleta do Sport Club do Porto, um clube de elite. Ainda antes dos filmes veio o automobilismo e a vida boémia, nomeadamente ao frequentar as tertúlias do Café Diana, na Póvoa de Varzim, com os amigos José Régio e Agustina Bessa-Luís entre outros.
Aos vinte anos foi para a escola de atores fundada no Porto por Rino Lupo, o cineasta italiano ali radicado, um dos pioneiros do cinema português de ficção. Berlim: Sinfonia de Uma Cidade, documentário vanguardista de Walther Ruttmann, influenciou-o profundamente. Teve então a ideia de rodar uma curta-metragem sobre a faina no Rio Douro, o seu primeiro filme. Douro, Faina Fluvial (1931), estreado em Lisboa, suscitou a admiração da crítica estrangeira e o desagrado da crítica nacional. Foi o primeiro documentário de muitos que abordariam, de um ponto de vista etnográfico, o tema da vida marítima da costa portuguesa.
Mantendo o gosto pela representação, Oliveira participou como ator no segundo filme sonoro português, A Canção de Lisboa (1933), de Cottinelli Telmo. Disse mais tarde que não se identificava com aquele estilo de cinema popular. Em 1942 aventurou-se na ficção com a adaptação ao cinema do conto Os Meninos Milionários, de João Rodrigues de Freitas e filmou Aniki-Bobó (1942), retrato de infância no ambiente cru e pobre da Ribeira do Porto.
O filme foi um fracasso comercial mas, com o tempo, deu que falar. Oliveira decidiu, talvez por isso, abandonar outros projetos, envolvendo-se em negócios da família. Só voltou ao cinema 14 anos depois com O Pintor e a Cidade (1956), filmado a cores. A fim de adquirir os conhecimentos necessários para tal experiência, fez uma curta formação nos estúdios da AGFA-Gevaert na Alemanha de Leste.
Em 1963 realizou O Acto da Primavera (segunda docuficção portuguesa), filmando uma peça de teatro popular e iniciando uma nova fase do seu percurso. Com este filme envolveu-se, praticamente ao mesmo tempo que António Campos, na prática da antropologia visual no cinema. Essa prática foi amplamente explorada por cineastas como João César Monteiro na ficção, ou António Reis, Ricardo Costa e Pedro Costa no documentário.
O Acto da Primavera e A Caça são obras marcantes na carreira de Manoel de Oliveira. As filmagens do segundo filme, uma curta-metragem de ficção, foram interrompidas para conseguir fazer bem o primeiro, uma incursão no documentário trabalhado com técnicas de encenação. Um certo atrevimento valeu-lhe a supressão de uma cena por parte da censura. Mais ainda: por causa de alguns diálogos inconvenientes ficou dez dias nos calabouços da PIDE onde conheceu o escritor Urbano Tavares Rodrigues.
A obra cinematográfica de Manoel de Oliveira foi então interrompida por projetos gorados, e só a partir de O Passado e o Presente (1971) prosseguiu, quase sem quebras nem sobressaltos, por uns 40 anos, até ao início do século XXI.
A teatralidade de O Acto da Primavera afirmar-se-ia como estilo pessoal, como forma de expressão que Oliveira achou por bem explorar nos filmes seguintes, apoiado por reflexões teóricas de amigos e firmes convicções de conhecidos comentadores.
O palco seria o plateau, o espaço cénico onde o filme falado, em longas tiradas, se tornaria a alma do espetáculo: o cinema submetido ao teatro, sua referência, sua origem, seu fundamento, tal como Oliveira o via. O amor, por exemplo, foi abordado com ditos e escritos sem emoção mas sempre com sentimento.
O estilo teatral, sendo contestado por críticos e espectadores, foi também apreciado por cinéfilos ávidos de alternativas ao cinema dominante. Em 1975, com Benilde ou a Virgem Mãe, Oliveira dá corpo ao seu registo adaptando uma peça de teatro de José Régio.
Dada a boa recepção obtida por Benilde em diversos festivais internacionais, Oliveira decide realizar, em 1979, uma das suas obras de maior repercussão nacional e internacional: Amor de Perdição, um filme longo (4 horas e 20 minutos) que transfere literalmente para o ecrã o texto do romance de Camilo Castelo Branco. O jornal francês Le Monde deu-lhe honras de primeira página por ocasião da estreia em Paris. Os críticos dos prestigiados Cahiers du Cinéma elogiaram o mundo sóbrio e original de Oliveira.
Em 1981 Manoel Oliveira realizou Francisca. Mais uma vez predomina o registo teatral ao adaptar um romance da sua amiga de sempre, a escritora Agustina Bessa-Luis. O filma marca também o início da colaboração com o produtor Paulo Branco, uma parceria que amplificou decisivamente o impacto internacional do cinema de Oliveira.
Por muitos anos o teatro filmado, salvo raras exceções, foi na obra de Manoel de Oliveira uma opção dominante… que se extremou com O Sapato de Cetim (1985).
Na passagem da década de 80 para a de 90 a tendência teatral atenuou-se. Monólogos e diálogos passaram, por exemplo, a ser cantados em Os Canibais (1988), um filme original, meio drama meio comédia, com música de João Paes. O teatro converteu-se neste caso em ópera e a palavra deixou de ser crua para ser cantada.
Em 1990 mudou de terreno ao evocar, em Non ou a Vã Glória de Mandar, a herança que as guerras deixam na história de um país como Portugal.
Pouco depois o teatro filmado de Oliveira surgiu em doses equilibradas com A Divina Comédia (1991).
Gradualmente o estilo cinematográfico voltou a predominar no mundo de Oliveira com filmes mais leves e de menor duração. É de admitir a hipótese de tal se dever, por força das circunstâncias, à necessidade de fazer filmes num formato que não afastasse o público, talvez também pela nostalgia dos primeiros filmes que realizou.
Vale Abraão, em 1993, narrando um romance proibido entre um homem e uma mulher, teve como pano de fundo, uma vez mais, a região do Douro, e ganhou proeminência nacional e internacional com destaque, sobretudo, para o papel da atriz Leonor Silveira, que viria a tornar-se um dos rostos de referência da filmografia de Oliveira.
Luís Miguel Cintra, Diogo Dória, Rogério Samora, Miguel Guilherme, Isabel Ruth e, mais recentemente, o seu neto Ricardo Trêpa, entraram também no rol dos atores preferidos de Manoel de Oliveira. Por outro lado não lhe foram de modo algum indiferentes diversos atores estrangeiros como Marcello Mastroianni, John Malkovich, Michel Piccoli, Catherine Deneuve, Irene Papas, Chiara Mastroianni ou Lima Duarte.
Em 2001 Manoel de Oliveira realizou Porto da Minha Infância, um filme sobre a sua cidade natal.
Retrospetivamente constata-se que, entre 1990 e 2012, Manoel Oliveira realizou um filme por ano, cada um diferente do anterior. Em 2008 completou 100 anos de vida. Dotado de uma resistência e saúde física e mental notáveis, foi frequentemente enaltecido como «o mais velho realizador do mundo».
Nesse ano tinha pelo menos três projetos pela frente: a longa-metragem A Igreja do Diabo com Fernanda Montenegro e Lima Duarte no elenco, A Ronda da Noite, baseado num texto de Agustina Bessa-Luís e um projeto sobre o papel das mulheres nas vindimas, que seria a sua próxima rodagem.
Ao todo Manoel de Oliveira foi autor de 32 longas-metragens. Uma longuíssima carreira que lhe permitiu, já no século XXI, destacar-se por ser, dos realizadores no ativo a nível mundial, o único que assistira à passagem do cinema mudo para o sonoro e do preto e branco à cor.
Fonte: Wikipedia