Libreto Jaroslav Kvapil
Estreia Praga em 31 de março de 1901
AntecedentesSereias, Ondinas e Rusalkas
As sereias figuram em lendas folclóricas de toda a Europa: belas mulheres com caudas de peixe, sempre fascinantes, e algumas vezes perigosas. Os ingleses chamavam-nas sereias; os alemães ondinas. Para os povos eslavos da Europa central e ocidental, elas são as rusalkas.
No folclore eslavo as rusalkas são espíritos, e não criaturas mágicas. Quando uma criança pagã morria afogada, ou uma virgem se atirava a um lago, elas tornavam-se em rusalkas, assombrando para sempre aquelas águas. De acordo com as diferentes regiões, as rusalkas tomavam diferentes formas. No Rio Danúbio, elas eram jovens e belas, com vozes apaixonantes. No norte da Rússia, eram criaturas poderosas e feias. Já na Boémia de Dvořák, as rusalkas eram espíritos melancólicos que residiam em lagoas profundas no meio dos bosques, chamadas de tunkas.
Em algumas ocasiões, as rusalkas saiam da água e viajavam para terra. A lenda conta que todos os meses de Junho, as rusalkas saiam dos lagos e subiam às árvores durante uma semana inteira. À noite, elas desciam para cantar e dançar à luz da lua – e todo homem que se aproximasse deveria dançar até a morte. Quando as rusalkas desapareciam, deixavam um rasto de erva verde que crescia na terra que elas pisavam.
Durante o século XIX, as sereias tornaram-se personagens comuns na literatura, teatro e até na ópera. Em Undine (1811) de Friedrich de la Motte Fouqué, um espírito da água casa-se com um cavaleiro. Mas o espírito regressa à água depois do cavaleiro se apaixonar por uma mulher humana. Quando ele volta para Undine, ela mata-o com um beijo fatal. Undine era um conto infantil popular no século XIX e foi adaptado para a ópera por ETA Hoffman, autor da história original de O Quebra-Nozes.
Na fábula A Pequena Sereia (1837), de Hans Christian Andersen, uma sereia apaixona-se por um príncipe. Ela sonha em tornar-se mortal para poder casar-se com ele. Uma bruxa do mar oferece-lhe então a possibilidade de trocar a sua bela voz por pernas humanas. Mas impõe uma condição: se o príncipe trair a Pequena Sereia, ela dissolve-se como a espuma das ondas. A Sereia e o Príncipe apaixonam-se à primeira vista, mas como ela não pode falar, ele abandona-a por uma princesa humana. A única maneira que a sereia tem de se redimir e regressar à água é matando o príncipe, caso contrário, ela morrerá. Ela escolhe a morte. A sua bondade é recompensada quando ela se torna uma filha do ar, um espírito que ajuda a humanidade.
A Rusalka de Kvapil
O dramaturgo checo Jarolav Kvapil baseou-se nestas histórias para criar sua própria lenda, Rusalka.
"A minha inspiração veio da terra de Andersen, da ilha de Bornholm, onde passei o verão. As fábulas de Karel Jaromír Erben e Božena Nìmcová acompanharam-me ao litoral e lá, elas fundiram-se com uma das fábulas de Andersen, com o amor pelos meus dias de criança, e com o ritmo das baladas de Erben, a mais bela das baladas checas", escreveu o autor.
Kvapil transformou o enredo de Andersen num conto-de-fadas checo. A Pequena Sereia transforma-se em Rusalka. O nome da bruxa do mar, Ježibaba, é oriundo da tradução checa do drama O Sino Submerso, de Gerhardt Hauptmann, que tem uma temática semelhante. O climático beijo de morte na ópera foi extraído de Undine. Kvapil conseguiu reunir todos estes elementos num único libreto charmoso e efectivo. Mas, apesar da atmosfera única de Rusalka e da sua poesia cativante, os primeiros quatro compositores a quem Kvapil ofereceu o seu libreto recusaram-no.
Dvořák e Rusalka
Em 1900, Dvořák era um compositor importante e respeitado, mas as suas óperas não conseguiam rivalizar com o sucesso das suas obras orquestrais. Algumas das suas primeiras óperas soavam a uma espécie de "Wagner requentado", outras simplesmente careciam de um bom libreto. Mas Dvořák nunca desistiu de tentar conquistar o seu espaço no mundo da ópera. Eventualmente, o seu esforço começou por vingar em óperas como Dmitrij (1882) e O Diabo e Catarina (1898-90). "Nestes últimos cinco anos, só tenho escrito óperas. Quero dedicar todas as minhas forças, enquanto Deus me der saúde, à criação de óperas. Não por um desejo vão de glória, mas porque considero a ópera a forma mais apropriada para esta nação", declarou Dvořák numa entrevista em 1904.
Quando Dvořák leu Rusalka de Kvapil, apaixonou-se imediatamente. Kvapil tinha escrito o seu libreto ao estilo da Antologia de Lendas Nativas de K.J. Erben, e Dvořák já havia escrito uma série de poemas sinfónicos baseados nas histórias grandiosas e horripilantes de Erben. Mas a atracção de Dvořák por Rusalka ia para além da questão estilística do libreto. De acordo com a crença popular em Nelahozeves, a sua cidade natal, Rusalka foi inspirada parcialmente pelas lembranças da infância do compositor das festas de um conde da região, onde aristocratas se vestiam como ninfas e o caseiro vestia-se de Senhor (Duende) das Águas. O bosque em Rusalka também atiçou o profundo amor de Dvořák pela natureza. No bosque próximo da sua amada casa de verão, Vysoká, havia uma tunka isolada. Dvořák visitava o local frequentemente, onde imaginava a sua heroína a cantar para a lua. Hoje o local é chamado de Lagoa de Rusalka.
Talvez por causa da ligação pessoal de Dvořák à história, Rusalka acabou por se tornar na sua ópera mais bela e refinada. A música misteriosa de Dvořák retrata o mundo melancólico dos espíritos com uma sonoridade encantadora. É sumptuosa, lírica e sensual: música para se deixar perder e para sonhar. Não é difícil compreender o que Janácek escreveu ao ouvir a "Canção ao luar": "Conhece aquela sensação de lhe estarem a tirar as palavras da boca? Da mesma maneira, Dvořák tirou melodias do meu coração".
ResumoI Acto
A acção tem lugar num prado fronteiro às margens de uma lagoa, num tempo de conto de fadas. Rusalka, a ninfa da água, está sentada à beira da lagoa, com ar triste a ouvir as ninfas do bosque a cantarem e a dançarem. O duende Vodník, o Senhor das Águas, pergunta-lhe sobre o seu ar infeliz e ela explica-lhe que se apaixonou por um príncipe humano quando este veio nadar no lago. Agora ela quer tornar-se humana para viver com ele junto da civilização. Horrorizado, Vodník explica-lhe que os humanos são maus e cheios de pecados. Rusalka insiste, replicando que eles são seres cheios de amor para dar; então Vodník diz que ela vai precisar de pedir ajuda à bruxa Ježibaba e depois mergulha no lago entristecido com a súbita paixão de Rusalka. Rusalka pede à lua que conte ao príncipe sobre seu amor.
Nesse momento chega Ježibaba que concorda em transformar Rusalka numa humana – mas adverte-a que se ela não encontrar o seu amor, Rusalka será amaldiçoada e o homem que ela ama morrerá. Para além disso, ela perderá a sua voz ao tornar-se numa mortal. Rusalka concorda, convencida de que os seus sentimentos pelo príncipe podem quebrar qualquer feitiço, e bebe a poção que Ježibaba lhe entrega. Ao amanhecer, o príncipe chega com um grupo de caça e encontra Rusalka no lago. Mesmo sem poder ouvi-la, ele fica fascinado com a sua beleza e leva-a para seu castelo. No lago, Vodník e as outras ninfas lamentam a perda de Rusalka.
II Acto
No castelo do príncipe, o guarda de caça e o assistente de cozinha comentam sobre o casamento do príncipe e sobre a sua estranha noiva da qual ninguém sabe o nome. O príncipe chega acompanhado de Rusalka. Ele pergunta-se porque é que ela está tão fria com ele, mas continua decidido a conquistá-la.
Uma princesa estrangeira, que chegou para o casamento, goza com a mudez de Rusalka e censura o príncipe por ignorar os seus convidados. O príncipe pede a Rusalka que vá preparar-se para o baile e acompanha a princesa até ao castelo para o começo das celebrações.
Entretanto, num jardim, Vodník aparece numa piscina. Rusalka, cada vez mais intimidada com o que se passa à sua volta, foge do castelo a chorar. Subitamente recupera a sua voz, e implora a Vodník que a ajude, dizendo-lhe que o príncipe já não a ama. O príncipe e a princesa chegam ao jardim, e o príncipe confessa que está apaixonado por ela. Quando Rusalka intervém e cai nos seus braços, o príncipe rejeita-a.
Vodník alerta o príncipe sobre seu destino, e depois desaparece na água juntamente com Rusalka. O príncipe pede ajuda à princesa, mas ela ri e diz-lhe para seguir a sua esposa até aos infernos.
III Acto
Rusalka está sentada à beira do lago uma vez mais, lamentando o seu destino. Ježibaba aparece e entrega-lhe uma faca, explicando-lhe que a única maneira de se salvar é matando o príncipe. Rusalka nega-se, lançando a faca ao lago. Depois, rejeitada até por suas irmãs, ela submerge tristemente. O guarda de caça e o assistente de cozinha chegam para pedir ajuda à Ježibaba. O príncipe, dizem, foi enfeitiçado por uma estranha rapariga do bosque, com quem estava para se casar. Enfurecido, Vodník surge das águas, e diz que foi o príncipe quem traiu Rusalka. Aterrorizados pela visão sobrenatural, os dois fogem. Entram as ninfas do bosque, a cantar e a dançar, mas quando Vodník lhes explica o que aconteceu com Rusalka, elas calam-se e desaparecem.
O príncipe, desesperado e quase louco com tantos remorsos, vai ao bosque procurar Rusalka para lhe pedir que regresse. Ela emerge, reprovando-o pela sua infidelidade, e explica-lhe que um beijo dela o mataria. Aceitando seu destino, ele pede que ela lhe devolva sua paz com um beijo. Rusalka consente e o príncipe morre nos seus braços. Rusalka pede perdão para a sua alma e desaparece na água.