Antecedentes e resumoDe São Mateus a Elias
A maior parte da produção musical de Mendelssohn é dedicada a composições sacras corais com acompanhamento ou a cappella. Esta produção é, em grande parte, inédita e era o resultado de uma espécie de retorno aos antepassados, bastante difundida entre os músicos românticos.
Tal como Schumann, no final da vida, e quando a sua imaginação musical já não era tão brilhante, Mendelssohn recorreu ao estilo erudito de Bach, considerando a técnica de composição coral e sacra muito útil para manter em exercício as faculdades criativas e, ao mesmo tempo, inspiradoras de uma seriedade artística semelhante à dos antigos contrapontistas. Por outras palavras, era o mito do Kapellmeister entregue ao dever e à música litúrgica, evocado frequentemente pelos escritores românticos e identificado com Bach.
Este olhar para os antigos mestres fez de Mendelssohn um dos um dos primeiros músicos plenamente conhecedor da história da música. Aos 20 anos dirigia a segunda audição da Paixão Segundo São Mateus de Bach, levando a um revivalismo da música de Bach no século XIX. Como mais tarde foi relembrado "Foi um Judeu que restaurou o conhecimento desta grande obra Cristã" (os Mendelssohn converteram-se, de facto, ao Cristianismo em 1816).
Quando após o triunfo da Paixão Segundo São Mateus, o compositor de 20 anos ganha asas e parte para tomar contacto com os estilos europeus. No período de 1820-1840, o lied tem um lugar na bagagem de qualquer compositor alemão, e, portanto, também de Mendelssohn, que sente mais a sua germanidade a cada uma das estadas no estrangeiro.
O compositor vai crescendo e vai querendo afirmar-se. Contudo, em todas as etapas da sua carreira, Mendelssohn vai deparando-se com aquilo a que chamou de o problema da ópera. Aos olhos dele, a mais bela peça de teatro é Guilherme Tell de Schiller, que Rossini erradicou das escolhas possíveis. Restam numerosos temas, que nunca o satisfarão, e menos ainda os libertistas. Não desprovido de lucidez, Mendelssohn duvida também de si próprio: "Sinto muito bem que numa ópera que agora escrevesse não valeria uma segunda que depois compusesse, e, no entanto, sinto também que devo lançar-me nesta nova via".
E esta via é a oratória. Para Mendelssohn esta é a alternativa mais honrosa em relação á ópera. Agora que dirige as oratórias de Handel e de Haydn, arde de desejo de repetir a façanha da Paixão Segundo São Mateus com uma obra de sua lavra. Além de Bach, Mendelssohn teve como modelo Georg Friderich Handel. Em Mendelssohn, o culto de Handel nasceu através do seu contacto com Inglaterra, onde os oratórios de Handel nunca saíram de moda como eram considerados património nacional. Em finais do século XVIII, Franz Joseph Haydn, durante as suas viagens a Inglaterra, sentiu-se inspirado pelas composições de Handel, onde foi buscar ideias básicas para a composição de A Criação e As Estações. Parece lógico, pois, que Mendelssohn, na sua extraordinária sensibilidade, registasse o importante crédito que Handel gozava entre os clássicos e divulgasse os seus méritos: de facto, ele imitou a forma da oratória que simbolizava a criatividade de Handel, adequando-o ao gosto contemporâneo.
Pensa ora num Pedro, ora num João e opta, com dez anos de intervalo, por um Paulo (1836) e por um Elias (1846), duas figuras do novo e do antigo testamento que, de uma forma ou de outra, incarnam a consciência moral.
Nas suas oratórias, Mendelssohn encontra-se conformado com a questão crucial da representação, não cénica neste caso, mas sonora. Paulus, composto ainda sob a forte impressão deixada pela Paixão Segundo São Mateus, entre 1832 e 1836, foi recebida em Dusseldorf com um enorme êxito, só suplantado por Elias, apresentado 10 anos depois, no Festival de Birmingham e com mais de 400 músicos em palco entre solistas coro e orquestra.
Para o libreto de Elias, Mendelssohn voltou mais uma vez a requerer os serviços de Schubring, o libertista de Paulus, tendo sido mais tarde traduzido para o inglês por William Bartholomew, o tradutor habitual dos textos de Mendelssohn.
A interpretação inglesa da oratória, obteve, entre o publico anglo-saxónico, não só um caloroso acolhimento, como um êxito duradouro, ainda maior que junto do publico alemão. A razão deste acolhimento deveu-se ao facto de Mendelssohn, mais uma vez, ter sido um intérprete sensível dos gostos da sua época.
Segundo Berlioz, Elias é "magnificamente grandioso e de uma sumptuosidade harmónica indescritível". No entanto e apesar te toda a excitação à volta desta obra, surgiram imediatamente alguns críticos que acusavam Mendelssohn de conceber oratórias a pensar única e exclusivamente para as salas de concerto ou para os palcos ao ar livre dos festivais, esquecendo-se dos edifícios religiosos onde seria suposto serem apresentadas as obras de cariz religioso.
Na concepção de Mendelssohn, a nova oratória romântica distinguia-se da ópera apenas pela primazia atribuída à narrativa épica sobre a acção dramática. No que diz respeito a Elias, Mendelssohn chegou mesmo a afirmar que, tal como acontecia em todos os libretos extraídos do Antigo Testamento, em Elias é o elemento dramático que deve dominar. É preciso que as personagens falem, ajam e vivam. (…) Vejo Elias como um profecta muito autentico, como precisaríamos nos nossos dias, enérgico e fervoroso, mas também severo, encolerizado e sombrio, opondo-se ao bando de cortesãos e canalhas e quase toda a gente, e no entanto sustentado pelas asas doas anjos". Tal como Liszt, Mendelssohn deseja unir o Teatro e a Igreja, e espera do libertista uma estratégia narrativa sem narrador.
Estraído do Livro dos Reis e pontuado de diferentes fontes bíblicas, esta obra relata a luta no seio de Israel entre Elias e os soberanos ímpios Achab e Jezabel, portanto entre Baal, o falso deus, e Jeová, o verdadeiro Deus, bem como a subida de Elias aos céus no carro de fogo.
Se Paulus se situava na linha da Paixão Segundo São Mateus, Elias coloca-se na de Israel no Egipto ou na de Salomão; um soa mais bacchiano, o outro ainda mais haendeliano ou "handelssoniano" como escarneceria mais tarde Richard Wagner.