LibretoFrançois-Benoît Hoffmann
Estreia13 de março de 1797 noThéâtre Feydeau, Paris
AntecedentesA fama de Luigi Cherubini resulta directamente da revolução francesa. O idioma musical que praticou durante a sua permanência em França, desde os vinte e seis anos, correspondeu aos tempos de incerteza e agitação de então, tornando-se o melhor dos compositores activos na época em Paris. Para além disso, a sua importância mede-se pela influencia que teve para os compositores da geração romântica, fosse pelo contributo artístico ou pela sua capacidade como pedagogo. Medée origina-se em plena revolução e é um exemplo de como as artes se tornam um veículo para os franceses assumirem a sua história e tradições em prol dos valores que então proclamavam. Cherubini une o legado literário e teatral através de uma música apelativa e suficientemente incisiva para que o episódio que toma o mito de Medeia se apresente com toda a crueldade do seu tempo.
Depois de uma formação rigorosa em contraponto e música sacra, Cherubini produz, ainda em Itália, uma dúzia de óperas, sendo a maioria dentro do registo sério. Quando se desloca para Paris, em 1786, chega a pertencer ao círculo de Maria Antonieta em Versailles. Tendo como influencias a dramaturgia musical de Gluck e as sinfonias de Haydn, era na verdade um compositor maduro, embora sem uma vocação que o diferenciasse. É a revolução que lha faculta, pelo que as suas óperas mais importantes são todas da década de noventa. Explorou tanto a opéra-lyrique com a opéra comique, mas é esta ultima que servirá de plataforma para si e para os seus contemporâneos. A opéra-lyrique com toda a sua sofisticação e com a suas regras, herdeira das tragédie-lyrique, era um produto do Ancien Regime, não reflectindo a experiencia das pessoas comuns ou qualquer tipo de tensão social. Já a opéra comique era um veiculo melhor para estes tempos, uma vez que se formou como um género que parodiava justamente as convenções da congénere, mas ainda com o objectivo de divertir e não de educar. Por outro lado, os diálogos falados caracterizaram a opéra comique, sendo estes muito mais apropriados que os recitativos para uma personagem heróica revolucionaria que se quer mais próxima dos cidadãos e portanto com um registo mais natural. A partir de Cherubini e Méhul a opéra comique transformou-se, demarcando-se pelas suas intenções sérias: a comédia desaparece quase por completo, uma vez que a atmosfera dos seus libretos é sempre de agitação, violência e terror; a ajudar a tudo isto estava a componente cénica com um aparato desmedido e que simulava catástrofes como incêndios, naufrágios, tremores de terra e até avalanches. O programa destas novas realizações tinha sempre que ver com a glorificação do espírito humano e os ideias nobres e, de uma maneira geral, o final feliz era enfatizado pelo facto de ser proporcionado por acções e personagens realistas plenas de paixões inflamadas. Será esta a verdadeira herança que a ópera romântica recebe.
Medée foi estreada a 13 de Março de 1797 no Théâtre Feydeau em Paris. A autoria do libreto é de Francis-Benoît Hoffmann e a sua versão original, em francês, seguida de parâmetros da opéra comique, assumindo ao mesmo tempo traços da dramaturgia da opera seria, conforme a reforma de Gluck e algo de novo no panorama dramático. A grande preocupação de Hoffmann era sobretudo a de criar uma dramaturgia musical autónoma que emancipasse a ópera da posição secundária que mantinha em relação ao teatro declamado. O mito de Medeia estava ainda muito vivo na memória teatral parisiense, com obras de Pierre Corneille (1635) que, por sua vez, se baseou nas tragédias de Eurípedes e Séneca, de Lully (1675), Marc-Antoine Charpentier (1693), do barão de Longepierre (1694) de Mondonville (1765), Gossec (1782) e Vogel (1786). Para além destas contribuições também havia muitas paródias ao mito proporcionadas a um nível mais popular pelos chamados théatres des foire. A actualidade do mito dava a Hoffmann uma oferta muito variada em termos de modelos, o que também lhe possibilitava um conjunto de reflexões sobre as possibilidades dramáticas do assunto.
Sendo um intelectual arreigado à cultura clássica cujos modelos eram Racine, Corneille e Gluck, Hoffmann tinha como objectivo conseguir, através da opéra comique, uma enorme força dramática, provando a compatibilidade entre este género e as regras do drama clássico, criando assim um libreto guiado pela moral e com uma elevada qualidade literária.
Cherubini terá tido contacto com o libreto pela primeira vez em 1790 e dá conta, em 1793, de que já teria começado a compor. Assim o processo criativo terá decorrido de modo mais efectivo nos anos seguintes que, de resto, são marcados directamente pelas consequências institucionais que a revolução tem no plano musical. O regime politico sob a Convenção Nacional, a partir de 1792, para além de pôr o rei em tribunal e de introduzir o calendário revolucionário, deliberou também a função do Conservatório Nacional, de acordo com um plano cívico de educação dos cidadãos. Os principais compositores activos em Paris farão parte do corpo docente e Cherubini não será excepção, o que quer dizer que a composição de Medée ocorre ao mesmo tempo que estava ocupado com a elaboração das aulas para os seus alunos.
Os efeitos dramáticos de Hoffmann são plenamente reforçados pela música de Cherubini que, assim como os seus colegas, tinha a determinação de enfatizar o conteúdo expressivo do libreto através sobretudo da experimentação. De entre todos, é ele quem desponta como o compositor mais completo. Também a instrumentação está de acordo com o progressivo aumento das orquestras parisienses do período revolucionário, contribuindo para uma concepção musical de Medée essencialmente francesa. A música instrumental de Medée ultrapassa claramente a das óperas suas contemporâneas.
A recepção de Medée, aquando da sua estreia, foi de alguma indiferença, pelo que não foi repetida. A partir daí contou com várias adaptações já de si resultantes da mudança de gosto e também da atmosfera politica. Assim, depois de uma estreia em Berlim (1800), será traduzida para italiano em Viena (1803) e novamente aí apresentada revista e encurtada pelo próprio compositor e também em italiano (1809). Em 1855, Franz Lachner apresenta em Frankfurt uma versão em alemão que substitui os diálogos falados originais por recitativos e em 1865 surge no Her Majesty’s Theatre com recitativos de Luigi Arditi. Já no ano de 1909 é apresentada em Milão, no Teatro alla Scala, numa tradução para italiano da versão de Lachner. Mais recentemente, para além da apresentação de 1953 que Maria Callas tornou famosa, a ópera de Cherubini foi sendo levada a palco nas várias configurações que o séc. XIX registou.
Resumo
No palácio de Corinto, as aias de Dirce observam a sua angustia apesar do casamento vindouro. Ela sabe do passado do seu noivo Jasão com Medeia e receia os poderes mágicos que esta detém. O rei e pai da noiva, Creonte, e o seu futuro genro chegam com a noticia de que o filho do rei assassinado de Pelias quer vingar a morte do pai com a vida dos filhos de Jasão e Medeia. Creonte promete então que as suas vidas serão protegidas e avança com os preparativos para a boda. Os Argonautas presenteiam Dirce com o velo de ouro mas esta lembrança do passado apenas a perturba mais apesar das garantias do noivo de que tudo correrá pelo melhor. Entretanto, Medeia assiste a tudo dos portões do palácio e anuncia que o casamento não se realizará e que fará tudo para o impedir, nem que para isso tenha que matar a noiva. É então expulsa da cidade, mas antes é-lhe concedida uma entrevista com Jasão, seu antigo marido. Pede-lhe que volte para ela mas, embora emocionado, Jasão a fidelidade a Dirce o que motiva em Medeia o desejo de vingança.
II Acto
Medeia lamenta a separação dos filhos e não suporta a ideia de que serão criados com um sentimento de ódio em relação a si. Creonte aproxima-se e reafirma o exílio como imperativo já que o povo reclama a sua morte, ao que Medeia implora para ficar mais um dia para estar com os seus filhos. O rei acede relutantemente ao pedido. Neris, a sua criada, jura-lhe lealdade aconteça o que acontecer. Medeia apercebe-se que os filhos poderão ser o veículo da sua vingança para com Jasão e quando este chega pede para estar com eles. Depois planeia o ataque: mandará as crianças com dois presentes, um vestido e um diadema, ambos envenenados. No templo de Hera a cerimonia de casamento já se iniciou e Medeia invoca as divindades de Hades para que assistam no seu plano.
III Acto
Uma tempestade augura a desgraça. Quando Neris entra com as crianças, medeia hesita e não consegue desferir-lhes golpe algum. Entretanto vem a saber que a primeira parte da vingança já teve lugar no templo: ao receber os presentes, Dirce morre. Mas mesmo com os pedidos da criada de que era já castigo suficiente para Jasão, Medeia não esmorece e enquanto ele chora a perda da noiva, ela avisa-o que os seus problemas só agora começaram. Sai para matar os filhos e incendeia o templo terminando assim com o seu plano.