LibretoCarlo Goldoni
EstreiaTeatro delle Dame, em Roma, a 16 de Fevereiro de 1760
AntcedentesNiccolò Piccinni nasceu em Bari, no dia 16 de Janeiro de 1728. O pai era músico e a mãe, irmã do compositor G.Latilla. Destinado inicialmente ao sacerdócio, foi por recomendação do bispo de Bari, enviado para o Conservatório de San Onofrio, de Nápoles, onde veio a ser aluno de Leo e Durante (1742-1754). Começou a sua carreira de compositor de teatro em 1754, e o êxito de La Cecchina, ossia la buona figliuola (Roma, 1760) fez desta ópera bufa uma das mais populares de seu tempo. Foi representada em toda a Europa, provocando em todo lado o mesmo entusiasmo. L’Olimpiade (ópera séria), oito anos mais tarde, teve mais êxito do que qualquer das obras de Caldara, Vivaldi, Leo, Pergolesi, Galuppi, Hasse, Traetta e Jommelli sobre o mesmo tema.
Em 1776, tendo assegurada a protecção de Maria Antonieta, partiu para Paris onde Marmontel se dedicou a ensinar-lhe francês. A composição da sua primeira ópera francesa, Roland, tomou-lhe todo o ano de 1777. Na mesma época, começou a ridícula guerra dos panfletos conhecida pelo nome de "Querela entre gluckistas e piccinistas" – uma espécie de réplica da famosa "Querelle des bouffons" que, vinte anos antes, tinha posto em duvida a verdadeira adequação da língua francesa ao canto da ópera, afirmando que a verdade residia unicamente na ópera italiana. Contra a sua vontade, Piccinni foi escolhido, por alguns amadores que se sentiam exasperados pelos preconceitos exclusivos dos admiradores de Gluck, para representar a oposição ao gluckismo. Do lado de Gluck defendia-se a depuração da herança barroca e a exaltação dos ideais clássicos aliados à continuidade dramática da acção. Do lado de Piccinni, estava a concepção tradicional napolitana. Esta contenda adquiriu uma tal proporção que até Benjamin Franklin, então embaixador em Paris, dedicou uma atenção especial "à veemência e ao entusiasmo com que os franceses discutem os logros de compositores estrangeiros". Entretanto, Roland triunfou, para desespero dos gluckistas, e Gluck revelava-se um mau jogador.
Piccinni, sempre protegido pela rainha, deu-lhe lições de canto, em Versalhes, e foi-lhe confiada a direcção da companhia italiana que se apresentava na Ópera. Um pouco mais tarde, em 1784, foi nomeado professor da Escola Real de Canto e de Declamação.
Quando da Revolução de 1789, Piccinni, acusado de servir a coroa, viu-se obrigado a abandonar Paris e a voltar para Nápoles. Ironia do destino, quando na Itália a monarquia se viu ameaçada por revoluções republicanas, o compositor foi denunciado como sendo jacobino e colocado numa espécie de prisão domiciliária durante quatro anos (a filha de Piccinni tinha casado com um republicano francês). Depois destes tempos difíceis, aquando do tratado de paz entre o Reino de Nápoles e a Republica Francesa, Piccinni pôde finalmente regressar a Paris onde foi recebido com entusiasmo. Pouco antes de sua morte, foi nomeado inspector do Conservatório. Piccinni morreu em Passy (França), em 7 de Maio de 1800.
Homem afável, pacífico, alheio a intrigas, foi naturalmente, sobrevalorizado pelos seus amigos e partidários, mas a posteridade, talvez por reacção, foi muitas vezes injusta em relação a ele. A elegância das suas melodias, a qualidade dos seus conjuntos, o seu instinto teatral, tornaram as suas obras extremamente sedutoras e algumas das suas comédias (entre as quais La Cecchina) inserem-se na melhor tradição da ópera bufa italiana.
Foi inovador quando trabalhou os finais de acto, anunciando os grandes finais mozartianos. Escreveu 33 óperas sérias e 76 óperas cómicas italianas (óperas bufas, intermezzi, drammi giocosi, comédias), 9 óperas sérias e 6 óperas cómicas francesas, 3 oratórios, uma missa, salmos, etc….
La Cecchina
Estreada no Teatro delle Dame, em Roma, a 16 de Fevereiro de 1760, "La Cecchina" resultou num dos maiores sucessos de Piccini. O libreto é do poeta veneziano Carlo Goldoni que se baseou na novela "Pamela" de Samuel Richardson, publicada em 1740. Com esta ópera Piccini marcou um estilo e a sua fama cresceu além fronteiras. Manteve-se leal à tradição no que diz respeito à forma, contudo, substituiu algumas figuras caricaturadas e parodiadas, por personagens de sentimentos mais profundos. A ópera foi um êxito tal, que durante os cerca de cinquenta anos de constantes apresentações, muitas foram as raparigas baptizadas com o nome da protagonista desta ópera.
"La Cecchina" chegou à Comédie Italienne de Paris em 1771 em língua francesa e tal como em Roma, também aí, libretista e compositor puderam saborear o êxito de representações sucessivas. No ano de 1772, Goldoni era convidado para trabalhar para a Comédie; nesse mesmo ano, Piccinni era já celebrado pelos inúmeros fãs que conquistou na capital francesa.
Resumo
No cerne desta ópera está um nobre, o Marquês de Conchiglia. Este apaixonou-se pela jovem órfã Cecchina, protegida do marquês e empregada no palácio. Entretanto, a irmã do marquês, Lucinda, opõe-se claramente a este romance. Na novela de Richardson, Lucinda está apenas preocupada com a reputação da família, mas no libreto de Goldoni, a marquesa é pressionada pelo seu amante, Armidoro, um nobre que ameaça não se casar com Lucinda, caso o seu irmão insista na insanidade de se juntar a uma empregada palaciana.
As restantes personagens, da criação de Goldoni, são: Sandrina e Paoluccia, também empregadas no palácio, invejosas do amor que o Marquês nutre por Cecchina; Mengotto um pobre desajeitado que também está apaixonado por Cecchina; e Tagliaferro, um cómico soldado alemão que vai ser determinante para conduzir as restantes personagens a um final feliz.
Assim o final da ópera vai ser completamente diferente do final da novela de Richardson. Enquanto que na novela, o ponto fulcral é a virtude da protagonista que, fiel aos seus princípios, recusa sempre ser galanteada sem que isso resulte num compromisso sério, o que acaba por resultar no casamento com o marquês e na consequente ascensão social, no libreto de Goldoni, a mensagem de virtude transforma-se numa mensagem de esperança para tantos que nesses tempos viviam dependentes de matrimónios negociados: na ópera vemos como determinadas circunstancias podem por vezes permitir que o amor seja coroado de glória através do tão ansiado matrimónio. E por isso Goldoni escreve no prefácio da ópera:
"A recompensa da virtude é o propósito do Autor Inglês. Tal propósito é totalmente do meu agrado, no entanto, não achei justo ver o património desta família sacrificado apenas pelo mérito da virtude. Porque é que as circunstancias não poderão dar um tão desejado empurrão ao amor?"
Assim, na ópera, vamos ser confrontados com as tais felizes circunstancias:
Tagliaferro, o tal soldado alemão, responsável por uma série de peripécias cómicas, é também uma excelente fonte de informações. É através dele que o Marquês fica a saber que a órfã Cecchina é na realidade filha de um barão alemão. Escusado será dizer que o Marquês fica radiante. Ele corre a contar à sua irmã a noticia, que assim vê ultrapassados os preconceitos do seu noivo. O Marquês casa-se com Cecchina e a Marquesa Lucinda com o seu cavaleiro Armidoro.