LibretoSalvadore Cammarano (fortemente influenciada pela ópera de Spontini com o mesmo nome)
EstreiaTeatro San Carlo, Napoles em 10 de março de 1840
Antecedentes
Saverio Mercadante nasceu em Altamura, uma localidade perto de Nápoles, no ano de 1795. O pai era membro da nobreza local e a mãe empregada na casa do pai. Mercadante nasce assim como fruto de uma relação sem futuro, condenada à partida pelo enorme fosso social que separava os seus pais. Mercadante fica à guarda do pai que o apresenta como um órfão que ficara ao seu cuidado. Entretanto em 1799, Altamura, um bastião do republicanismo, sofre os efeitos de uma revolta pró-monarquia que leva a família de Mercadante à pobreza. A sua situação só melhora com a ocupação francesa em 1806, quando o pai de Mercadante é convidado para um cargo administrativo ao serviço dos franceses em Nápoles.
É em Nápoles que Mercadante vai revelar a sua apetência musical. Primeiro com o seu meio-irmão que lhe ensina a tocar guitarra e clarinete, depois no Conservatório de São Sebastião, onde para entrar teve que falsificar a sua certidão de nascimento. Duma criança pobre e sem quaisquer perspectivas de educação, Saverio Mercadante começa oficialmente a estudar música em 1808. Começa pela flauta, pelo violino e pelo canto. Em pouco tempo assume a direcção da orquestra da escola – por esta altura Mercadante já tinha composto uma série de peças instrumentais, entre as quais, o seu conhecido concerto para flauta no. 2, composto em 1813. Nesse ano passa a ter aulas de composição com o novo director do conservatório, Niccolò Zingarelli, que o acompanhará durante quatro anos, até Mercadante se formar como Maestro di Capella em 1817.
Quando acabou o conservatório, Mercadante era já conhecido como maestro e compositor. Nesse ano, em 1817, ganha o prémio Gran Concerto e passa a ser considerado pela imprensa local como a grande esperança da Escola Napolitana que não voltara a ver mais nenhum dos seus filhos nos grandes palcos internacionais desde Spontini. Para além disso, a distinção de Primo Alunno permitiu-lhe continuar a aprofundar os seus conhecimentos no conservatório. Agora, o grande objectivo era a ópera. Em 1817, a edição das suas peças de câmara (a maioria para flauta) começa render algum dinheiro e em 1818 surge a oportunidade de começar a compor música para cena – pequenos ballets para serem incluídos em óperas já existentes. Este passo vai ser muito importante para a sua aproximação ao teatro, o que acontece de facto em 1819. Depois da apresentação bem sucedida de duas cantatas dramáticas, o director do Teatro de São Carlos de Nápoles encomenda-lhe a sua primeira ópera, L’apoteosi d’Ercole, estreada com sucesso a 19 de Agosto de 1819. Contudo, as suas opções politicas durante a revolução de 1820-21 em Nápoles, vão-lhe levantar um enorme obstáculo à progressão da sua carreira. Mercadante, agora reconhecido como compositor de ópera, é forçado a seguir para o norte da Itália.
A resposta às convulsões políticas napolitanas chegava então do Scala de Milão onde Mercadante apresentava, no dia 30 de Outubro de 1821, a sua sétima ópera: Elisa e Cláudio. Com base na inocente ópera Il matrimonio segreto, de Cimarosa, Elisa e Cláudio descreve a luta, bem sucedida, travada por uma camponesa de forma a poder casar-se com o filho do conde e a garantir a educação dos seus filhos – a defesa do direito natural em detrimento do direito senhorial; a defesa do direito à emancipação e ascensão social das classes mais baixas. A mensagem passou a prova dos censores e foi determinante para o sucesso da ópera.
O triunfo de Elisa e Cláudio em Milão abriu as portas de uma série de teatros do norte da Itália onde, tirando partido de uma censura mais fléxivel, Mercadante se apresenta como compositor de grandes tragédias à boa maneira de uma Gabriela di Vergy de Carafa e de um Otello de Rossini. Em Veneza, no ano de 1821 apresenta Andronico (cujo enredo é muito semelhante ao de Don Carlos); no ano seguinte regressa a Milão para apresentar o seu Amleto; finalmente, em 1823, estreia em Turim Didone Abbandonata.
Mercadante autopromove-se como compositore napoletano, o que acabou por resultar numa reconciliação com a sua cidade. Mercadante era convidado para regressar a Nápoles no final de 1822, não sem antes das suas actividades serem cuidadosamente inspeccionadas pelos serviços secretos da coroa. Para o regresso a Nápoles foi decisiva a influência do empresário do Teatro de São Carlos, Domenico Barbaja, que procurava um novo director artístico após as recusas de Spontini e Coccia para sucederem a Rossini. O contrato estipulava que Mercadante seria responsável por apresentar três novas óperas por ano, durante um período de três anos, em troca de um salário fixo. O cargo era assumido na Primavera de 1823.
O grande acontecimento durante esta temporada veio, não de Nápoles, mas de Viena. Mercadante é contratado como Artista Convidado do Kärntnertortheater que contava nesse ano com um elenco cheio de estrelas escolhidas por Barbaja. A intenção era apresentar Mercadante como sucessor de Rossini, contudo, as coisas não correram nada bem. Na tentativa de ir ao encontro duma sensibilidade germânica, Barbaja propôs que se apresentasse uma ópera baseada num conto medieval onde a heroína se disfarça de trovador para salvar o seu amado, preso nos calabouços de um castelo – um contraponto italiano à Euryanthe de Weber, estreada uns meses antes. Mas, mais do que Euryanthe, esta história remete-nos para Leonore e as comparações acabaram por prejudicar Mercadante que abandona Viena com o epíteto de Rossini de segunda – um acontecimento que iria minar o prestígio de Mercadante também em Nápoles.
Enquanto Mercadante esteve em Viena, Giovanni Pacini obteve um sucesso retumbante com a apresentação de duas óperas, que resultaram num convite para compor a música da cerimónia de coroação de Francesco I. Barbaja tencionava levar o contrato com Mercadante até ao fim, mas em 1826, findo o contrato, é Pacini que é convidado para assumir a direcção artística do teatro napolitano.
Apesar de tudo, este falhanço vienense e a consequente não recondução de Mercadante em Nápoles, vai resultar num importante ponto de viragem na sua carreira. Até aqui, e fazendo justiça aos críticos vienenses, "Mercadante limitou-se a seguir a velha escola napolitana, num tributo algo superficial à popularidade de Rossini, através do uso de crescendos e cabaletas"; era como se Mercadante apelasse sobretudo ao conservadorismo do público. Nessa altura, Mercadante decide então voltar-se novamente para as grandes tragédias, recuperando a sua Didone abbandonata e compondo um Erode e uma Ipermestra. Paralelamente estuda a fundo as obras napolitanas de Rossini, o que resultou numa mudança estilística notável. Ipermestra é disso um bom exemplo, considerada como uma partitura radical para os anos 20 do século XIX. Nesta ópera, Mercadante adopta uma estrutura musical moderna em prejuízo da tradição; introduz um papel de barítono genuíno e substitui a ária final por um longo declamato, injectando toda uma nova carga psicológica a cada uma das cenas, reforçando assim o carácter do drama.
Em 1826 Mercadante volta a ser convidado para um teatro de ópera, desta vez em Veneza, onde apresenta aquela que vai resultar no seu segundo grande sucesso: Donna Caritea, rainha de Espanha ou A Morte de D. Afonso, rei de Portugal. Com esta ópera Mercadante ensaia um tipo de enredo que, repetido em produções futuras, vai resultar em inúmeros sucessos: com Donna Caritea somos confrontados com os conflitos interiores da personagem.
Mais tarde, nesse mesmo ano e 1826, Mercadante recebe o convite para ir trabalhar para o Teatro de Ópera Italiana em Madrid, onde contacta pela primeira vez com o folclore espanhol, presente na sua sinfonia espanhola, também de 1826, e na sua serenata espanhola escrita já no final da vida. Depois de uma breve visita a Turim e a Milão, no princípio de 1827, Mercadante regressa a Madrid na primavera de 1827 para apresentar uma missa de larga escala, seguindo em Setembro para Lisboa a convite do Conde Farrobo. O seu primeiro trabalho na capital portuguesa foi La Testa di Bronzo, uma ópera com libreto de Felice Romani, encomendada para ser apresentada num teatro nos arredores de Lisboa, anexo ao palácio do Conde, nas Laranejeiras.
O sucesso de La Testa di Bronzo, levou-o a ser nomeado director do Teatro de São Carlos em Lisboa onde se apresenta com Adriano in Síria de Pietro Metastasio. Depois, aproveitando a distancia que o separava de Itália, Mercadante resolve começar a compor a sua própria Gabriela di Vergy, algo que sempre desejou fazer desde que assistira à versão de Michele Carafa, apresentada em 1816. Em Lisboa volta ao tema de Ipermestra, com uma segunda ópera, agora a partir de um libreto de Metastasio, mas claramente inferior à que resultara daquele ano sabático forçado, após a sua não recondução no teatro Napolitano. Contudo, esta segunda Ipermestra acaba por desempenhar um papel quase simbólico num país à beira da guerra civil – apresentada depois da proclamação de D. Miguel como monarca absoluto, com a oposição do seu irmão D. Pedro IV, defensor dos ideais liberais e autor da violada carta constitucional, Ipermestra é vista como um apelo à reconciliação da família real.
Com o acumular das tenções em Portugal e antecipando uma guerra civil, Mercadante decide cessar a sua actividade no Teatro de São Carlos, abandonando definitivamente Lisboa no início de 1829 e levando consigo alguns cantores da companhia em direcção a Cádiz, aproveitando os favores de um empresário local para trabalhar numa bem sucedida temporada de 1829/1830. Do trabalho de Cádiz resulta um convite relacionado com o casamento da princesa napolitana Maria Cristina – conhecida na história da música como a responsável pela encomenda do Stabat Mater a Rossini – com o seu tio-avô Fernando VII de Espanha: o objectivo era tornar a vida da princesa mais interessante e, por isso, procurava-se reorganizar a medíocre vida musical madrilena. Mercadante era convidado para assumir os comandos do Teatro Real, o que aconteceu em 1830, levando-o a realizar inúmeras viagens a Itália, durante o verão, de forma a criar uma companhia de ópera em Madrid. Uma vez na graça dos Bourbons, essas viagens a Itália permitem-lhe reconciliar-se com Barbaja que chega a ajudar Mercadante na contratação da soprano Adelaide Tosi para a sua companhia em Madrid. Apesar de bem sucedido, Mercadante opta por não renovar contrato com o Teatro Real devido a animosidades que, irónicamente, envolviam a "super-estrela" Tosi. Regressa a Itália na temporada seguinte.
O trabalho de Mercadante como director dos Teatros de Ópera em Lisboa e Madrid, de algum modo continuadores da tradição napolitana, permitiu-lhe refazer a sua reputação em Itália. Durante esse tempo, Mercadante pode assistir a um extraordinário desenvolvimento do melodramma dramático através das obras que dirigia, absorvendo muitos dos seus elementos inovadores: dirigiu La Straniera de Bellini; compôs uma Francesca da Rimini a partir de um libreto de Romani, o qual submeteu a alterações de forma a criar um triângulo amoroso, à maneira de Il Pirata… a inspiração belliniana é bastante evidente durante este período, onde para além de Il Pirata, escolhe como tema de uma ópera, Zaira, um tema apresentado por Bellini sem sucesso, uns meses antes em Parma. Já em Itália, e depois da aprovação de Zingarelli, apresenta La Testa di Bronzo, em 1831 e I Normanni a Parigi, no ano seguinte. A crítica foi unânime em considerar que Mercadante estava em sintonia com aquilo que eram os mais recentes progressos no mundo da ópera, emergindo assim como um dos compositores da linha da frente. Este ponto de vista foi confirmado com a estreia da sua Gabriela di Vergy, iniciada em Lisboa, e que é apresentada pela primeira vez no dia 16 de Junho de 1832, em Génova.
Foi durante os ensaios de Gabriela, que Mercadante conheceu a sua futura mulher, Sofia Gambaro. Casavam-se no verão desse ano. Agora, o chefe de família Mercadante procurava estabilidade. Foi assim que resolveu concorrer, lado a lado com Donizetti e Coccia, ao posto de mestre de capela da Catedral de Novara, deixado por Pietro Generalli – este era um posto muito concorrido por estar associado a algumas das mais importantes encomendas de música sacra em Itália. Mercadante foi convidado para o posto em apenas seis semanas, bastante revelador da sua reputação à altura. Aí encontrou a serenidade que procurava e, durante os anos de Novara, de 1833 a 1840, pode dedicar-se despreocupadamente à composição, à sua mulher e aos seus filhos.
Durante um ano, Mercadante troca as óperas pela música sacra, compondo uma série de obras funcionais para serem interpretadas diariamente na capela da catedral e durante a liturgia. Para além destas peças, os recursos que aí encontrou, permitiram-lhe escrever obras de envergadura, como a Missa Solene para a Festa da Assunção. Mercadante soube aproveitar a proximidade a Turim, Milão e Veneza, para compor música para as festividades de cada uma destas cidades. Apesar de tudo, este posto deu-lhe muito tempo disponível, sendo realmente esta a principal vantagem. Com um salário fixo e tempo para gerir, Mercadante podia voltar à ópera sem a preocupação de quem vive apenas dela. Tem tempo para compor uma média de três novas óperas por ano e ainda consegue montar produções antigas. Um período calmo, mas fértil e que contribui para um aumento considerável da fortuna de Mercadante – se a primeira ópera deste período lhe rende uma quantia correspondente aos salários de um ano de actividade na Catedral, em 1840 esse valor quadruplica.
Foi decididamente um período de sucesso artístico e económico para Mercadante. Com a excepção de Emma d’Antiochia (Veneza, 1834), todas as óperas escritas entre 1832 e 1836 foram estreadas com um sucesso moderado. No entanto Bellini e Donizetti eram bem mais populares do que Mercadante junto do publico, o que se reflectiu na decisão de Rossini em convidar Mercadante para compor uma ópera para o Teatro Italiano de Paris apenas em 1836, um ano depois de ter convidado Bellini e Donizetti. Rossini pedia então a Mercadante que compusesse uma opera buffa ou semiseria. Como Felice Romani não pôde escrever o libreto, Mercadante teve que recorrer ao inexperiente Crescentini, tendo muito pouco tempo para compor. A ópera I Briganti era apresentada no dia 22 de Março de1836. Não se pode dizer que a apresentação tenha sido um falhanço, no entanto a obra de Mercadante foi completamente ofuscada pela estreia, uma semana antes, de Les Huguenots de Meyerbeer, o maior acontecimento operático nos anos 30 de mil e oitocentos em Paris.
Mais um vez, tal como em Viena, em 1824, o desaire resultou num novo ímpeto criativo. No dia 11 de Março de 1837 é estrada no Scala Il Giuramento, considerada como uma das suas maiores obras-primas desde a noite de estreia. Depois vieram Elena da Feltre, Le due illustri rivali, Il bravo e La vestale, todas enormes sucessos e exemplo da reforma que Mercadante começava a introduzir na sua música: o puro bel canto, herdado de Bellini, começava a ser articulado e até mesmo substituído por toda uma nova estrutura e sequência de momentos dramáticos que visavam dar uma maior unidade à acção. Talvez por isto, muitos dos seus contemporâneos, entre eles, Franz Liszt, considerassem que Mercadante fosse o grande compositor italiano entre Bellini e Verdi, destronando assim Donizetti, mesmo apesar de Mercadante nunca ter atingido a popularidade de Donizetti, nem mesmo com as suas melhores produções.
No início de 1838, Mercadante concorreu para suceder a Zingarelli como director do Conservatório de Nápoles. Mais uma vez teve que concorrer com Donizetti, que leccionava naquela instituição desde 1830, e que fora nomeado director interino após a morte de Zingarelli. Dado que ambos os compositores dominavam bem os círculos de influência napolitanos, a decisão acabou por se arrastar. Em 1839 ambos lançavam novos trunfos: Donizetti com uma visita, não muito bem sucedida, a Paris. Mercadante com a apresentação de Le sette ultime parole di Nostro Signore, imediatamente comparada pela crítica às obras de Haydn e de Zingarelli mas, mesmo assim, bem sucedida; com o anuncio da publicação de um novo método de canto; e com a estreia napolitana de La Vestale em Março de 1840. Contudo, o factor decisivo nesta luta pela direcção do conservatório acabou por ser o convite feito por Rossini para que Mercadante assumisse a direcção do conservatório de Bolonha, bem como o cargo de mestre de capela na Catedral daquela cidade. Com este convite, Mercadante ficava numa posição muito confortável em relação a Donizetti, chegando mesmo a usar o convite para fazer novas exigências quanto à sua remuneração. Mercadante passava assim a ser o novo director do Conservatório de Nápoles.
Ironicamente, este novo posto pode ser considerado tanto como o ponto alto da sua carreira, como o início de um certo abrandamento criativo que resultava da falta tempo, inerente ao cargo que passou a exercer. Enquanto aluno, Mercadante compôs sobretudo música instrumental, agora, de regresso ao Conservatório napolitano, sem tempo para grandes projectos, Mercadante foi pondo a ópera de lado e a música instrumental voltava a ser o centro da sua produção, sobretudo a partir de 1860. Apesar de visto como uma consagração, esta nomeação acabou também por afastar Mercadante dos grandes centros musicais do norte da Itália, obrigando-o a permanecer numa Nápoles dirigida a pulso de ferro por um governo despótico. A única razão que levou este defensor do liberalismo a preferir Nápoles a Bolonha, foi a vontade expressa por Mercadante em dar continuidade a uma escola napolitana, da qual ele seria o grande reformador. Numa carta escrita ao crítico e historiador Florimo em 1840 podemos ler: "Eu estabeleci uma escola com base na tradição antiga napolitana, sem preconceitos às pretensões resultantes dos progressos registados na arte".
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A ópera La Vestale pode ser considerada como um bom exemplo das ideias de Mercadante. Estreada a 10 de Março de 1840, no Teatro de São Carlos de Nápoles, La Vestale pertence ao grupo das óperas a que Mercadante chamou de Óperas da Reforma, um programa de reforma de Mercadante vai delineando por toda a sua vida, surgindo um pouco como resultado do espaço que Rossini deixara em Nápoles. Enquanto compunha "Elene da Feltre", levada ao palco em 1838, Mercadante já tinha revelado a Florimo o que pensava sobre este seu estilo revolucionário. Enumerava-as: "abolição de recursos triviais, concisão, menos repetições, mudanças no que diz respeito à utilização das cadências bem como mais vida à orquestração e outros pormenores formais" – voltamos à coexistencia da herança bel-cantistica e uma atitude mais desenvolvida no que diz respeito aos momentos dramáticos e à unidade da acção.
La Vestale é também um excelente exemplo da versatilidade de Mercadante na escolha dos temas das suas óperas. O libreto foi escrito por Salvatore Cammarano que na altura estava a trabalhar com Donizetti em Poliuto. Poliuto tinha acabado de receber um rude golpe por parte da censura com a sua proíbissão. Pensando que a ópera de Donizetti nunca mais seria apresentada, Cammarano adaptou o seu libreto para o oferecer a Mercadante. As histórias de Poliuto e La Vestale são completamente diferentes, mas Cammarano conseguiu mesmo assim usar muito do seu texto original, cruzando-o com os textos escritos para as Vestais de Spontini e Pacini.
A expectativa era grande aquando da estreia de La Vestale de Mercadante, pois, apesar do tempo que passara sobre La Vestale de Spontini, esta continuava a ser considerada como uma obra-prima. Especulava-se sobre uma possivel influência exercida pela musica de Spontini. Depois do sucesso da estreia, Mercadante confidenciava a um parente o pouco apreço que sentia por Spontini "que compôs a sua La Vestale para bajular Napoleão". Mercadante nunca esqueceu as atrocidades praticadas em 1806 pelas tropas francesas na terra da sua familia.
Muitos consideram La Vestale uma das obras mais ousada de Mercadante, ultrapassando os seus contemporâneos no intersse harmónico e no tratamento orquestral. Diz-se que Verdi tirou dela uma contribuição valiosa para Aïda. Tal facto é assinaldo por Biagio Notarnicola que acusa Verdi de ter roubado as ideias musicais a Mercadante e de ter pressionado Florimo a denegri-lo. Contudo segundo o Grove’s Dictionary of Music and Musicians estas acusações são falsas. Não obstante, prossegue o Grove’s, Verdi foi realmente influenciado e quando compôs Aïda, recorrendo ao estilo geral de La Vestale, acabou por usar frases que estavam no seu subconsciente, o que acaba por ser natural, pois Verdi estava presente em Génova durante a temporada de 1841, ano em que era estreada La Vestale naquela cidade.
Resumo
I Acto
Recuemos até à Roma antiga. A primeira cena passa-se no bosque sagrado nos arredores de Roma onde as vestais adoram Vesta, a poderosa deusa romana. São interrompidas pela chegada do Grande Sacerdote que traz importantes noticias: o herói romano Decio, que muitos julgavam ter tombado em combate, venceu os gauleses e está a caminho de Roma. De entre as vestais destaca-se Emília. Ela consagrara-se a Vesta por pensar que Decio, o homem que ama, fora morto durante a guerra – a alegria mistura-se com a angústia. Emília é consolada por Giunia que compreende bem a situação trágica em que se encontra a sua amiga.
Na cena seguinte assistimos à chegada das tropas vitoriosas comandadas por Decio. Também este fica perturbado quando, na ânsia de distinguir no meio da multidão em festa a mulher que ama, se apercebe que ela é a Vestal encarregue de lhe colocar a coroa de louros. Ambos lamentam a agonia de um amor impossível. Mas o espírito guerreiro de Decio prevalece: a angústia transforma-se em raiva e a raiva leva-o a desafiar a própria deusa.
O amigo e salvador de Decio, Publio, foi ele que salvou Decio da morte certa no campo de batalha, tenta trazê-lo de volta à razão, falando-lhe das responsabilidades para com Roma. Publio pede a Decio para não fazer nada contra a lei nem contra a religião, mas Decio mostra-se inflexível e, como seu amigo, Publio não tem outra alternativa se não mostrar-se solidário. Decio pede a Publio que o ajude a estar com Emília uma última vez. Como Publio conhece uma entrada secreta para o templo de Vesta, basta que este permita a passagem de Decio para o templo.
II Acto
No templo de Vesta, Giunia reza pela sua amiga. Entretanto o Grande Sacerdote encarrega Emília da guarda da chama sagrada. Ela tem então uma estranha premonição: se alguma vez a chama de Vesta for vista por algém de fora do templo, uma grande desgraça acontecerá a Roma e a vestal que permitiu que isso acontecesse deve pagar o crime com a sua própria vida. Eis que chega Decio através da entrada secreta. Emília está só junto à chama e fica alarmada com a presença de Decio. Ambos falam do seu desespero. Decio decide matar-se, mas Emília consegue trava-lo, o que os leva a partilhar um momento de intimidade que é interrompido abruptamente com o apagar da chama de Vesta. Publio, que estava de guarda, decide entrar para levar Decio dali para fora, antes que apareçam as autoridades. Emília desmaia e Giunia aparece em seu socorro. Metello, o grande-sacerdote, aparece também exigindo que Emília seja julgada pelo senado.
O senado reúne-se no bosque sagrado. Licínio, pai de Decio e cônsul romano, pronuncia a sentença de Emília. O senado decidiu que ela deve morrer de forma a servir de exemplo ás outras vestais. Segundo a sentença, só a morte de Emília poderá apaziguar a fúria da deusa. Giunia, sempre fiel a Emília, diz ser ela a culpada, mas em vão: Emília não permite que a sua amiga pague com a vida os seus erros. O julgamento prossegue, no qual Decio junta-se àqueles que apelam ao perdão de Emília e revela a sua transgressão. Decio apela então ao seu pai, mas Licínio renega-o.
III Acto
Publio faz uma última tentativa para ajudar o seu amigo Decio, apelando ao Cônsul que preste solidariedade para com o recém-coroado herói, mas nem a noticia sobre os planos de Decio para cometer suicídio abalam a determinação de Licínio que faz do seu sofrimento um exemplo para Roma.
Na segunda cena chega o cortejo fúnebre de Emília. Ela está completamente transtornada pela vergonha e pelo peso da culpa. Fora de si, acredita estar na festa de noivado. É apenas quando chega à entrada do túmulo que lhe está destinado que volta a cair em si. Fica desesperada. Só lhe resta despedir-se de Giunia e das outras virgens. Entra para o túmulo que começa imediatamente a ser selado. Desesperado Decio avança sobre os executores, mas é tarde de mais. Ataca Metello, mas Licínio interpõe-se entre ambos. Sem mais pelo que lutar, Decio apunhala-se.