Tudo está em tudo -, disse o filósofo grego Anaxágoras.
Por isso, falar em árvores é falar em pessoas, e falar em pessoas, é falar em árvores.
In Pássaros & Cogumelos
Conversar com Joana Gama é falar também de Erik Satie, grande compositor das vanguardas modernistas, e que em 2016 foi a principal protagonista das celebrações dos 150 anos do compositor francês em Portugal. Uma extensa programação, num projeto com o apoio da Antena 2, SATIE.150 – Uma celebração em forma de guarda-chuva, que incluiu concertos, palestras, edições de livros e discos.
Desde então os seus projetos têm-se diversificado, mas mantendo amiúde, uma relação íntima com a obra e a vida de Satie. É o caso de Arcueil, livro e cd, em edição trilingue, na qual a obra de Satie dialoga com a de compositores como John Cage, Morton Feldman, Federico Mompou, Marco Franco e Vítor Rua, que com ele partilham uma certa ideia de simplicidade e economia de meios.
Outros projetos passaram pela edição de Travels in my homeland (cd) e As árvores não têm pernas para andar (livro com áudio e edição digital da música)
Mais recentemente Joana Gama tem-se dedicado à divulgação da obra do compositor alemão Hans Otte, em Portugal.
É sobre Satie, as árvores e pássaros, e os múltiplos projetos que passa esta conversa, em duas partes, de Luís Caetano com a pianista Joana Gama:
[1ª parte]
[2ª parte]
Joana Gama | A pianista portuguesa tem-se desdobrado em múltiplos projetos quer a solo quer em colaborações nas áreas do cinema, da dança, do teatro, da fotografia e da música. Movida pela música e pelas histórias que ela transporta, ou pode transportar, Joana Gama procura fazer concertos e espetáculos que exprimem os seus interesses e afinidades. Fascinada pela ideia de música quase silêncio, ou música que convida à contemplação, tem interpretado música de Erik Satie, John Cage, Federico Mompou ou Hans Otte nos últimos anos. Consciente da importância da ecologia, tem dois espetáculos para crianças que, através da música, as alertam para a importância e, simultaneamente, para o fascínio que as árvores, os pássaros e os cogumelos podem trazer à nossa vida.
Começou os seus estudos musicais em Braga, no Conservatório de Música Calouste Gulbenkian com Ema Pais Martins, Ana Rita Lima e João Paulo Teixeira. Estudou um ano na Royal Academy of Music, em Londres, com Vanessa Latarche, e completou a Licenciatura em Piano, na classe de Tania Achot, na Escola Superior de Música de Lisboa em 2005. Em 2010, na classe de António Rosado, concluiu o Mestrado em Interpretação na Universidade de Évora, com uma tese sobre Alberto Ginastera, onde, em 2017, se doutorou, como bolseira da FCT, com a tese Estudos Interpretativos sobre música portuguesa contemporânea para piano: o caso particular da música evocativa de elementos culturais portugueses. Hoje prossegue as suas investigações enquanto membro do CESEM / NOVA FCSH. Foi galardoada no Prémio Jovens Músicos/RDP em 2008, 1º Prémio na categoria de Piano – Nível Superior; em 2005, 1º Prémio na categoria de Acompanhamento ao Piano (com o violetista Jano Lisboa); e em 2004, 3º Prémio na categoria de Música de Câmara (com o flautista Fernando Marinho).
Entre 2005 e 2009, colaborou regularmente com a Orquestra Metropolitana, onde trabalhou com maestros como Cesário Costa, Michael Zilm, Jean-Sébastien Béreau ou Pablo Heras-Casado. Colaborou também com a Orquestra Sinfónica Portuguesa na estreia de obras de Christopher Bochmann também com o Lisbon Ensemble 20/21, a Orchestrutopica, o Sond’Ar-Te Electric Ensemble, o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa e a Orquestra Gulbenkian. Entre 2004 e 2010 fez parte do corpo docente da Metropolitana, como pianista acompanhadora da ANSO, professora de piano no CMML e acompanhadora d’Os Pequenos Violinos da Metropolitana.
Como pianista, performer e compositora, nos últimos anos, Joana tem estado envolvida em projetos que associam a música às áreas da dança – Danza Ricercata, Danza Variada, Idiolecto e 27 Ossos de Tânia Carvalho; Trovoada de Luís Guerra, Pele de Miguel Moreira, Nocturno (em co-criação), Drama e Os Três Irmãos com Victor Hugo Pontes -, do teatro – Benny Hall de Esticalimógama -, da fotografia e do vídeo – Antropia, Linha e terras interiores de Eduardo Brito -, e do cinema – La Valse de João Botelho, Incêndio de Miguel Seabra Lopes e Karen Akerman, A Glória de fazer Cinema em Portugal de Manuel Mozos,Penúmbria de Eduardo Brito e Lobo e Cão de Cláudia Varejão. Integra o elenco de A Grande Fantochada, um espetáculo de, e com, Hugo van der Ding, que estreou em Outubro de 2023.
Desde 2010 que se dedica a divulgar a obra do compositor francês Erik Satie: em 2016, com o apoio da Antena 2, assinalou o 150º aniversário do nascimento do compositor com a digressão SATIE.150, e o lançamento da edição especial da partitura Embryons desséchés. Nos últimos anos tem apresentado recitais comentados para adultos e crianças à volta da música de Erik Satie e editou ainda os álbuns Satie.150, Harmonies e Arcueil. Tocou a peça Vexations de Erik Satie em quatro ocasiões: Serralves em Festa, 2016; Festival Jardins Efémeros, 2016; Fundação Calouste Gulbenkian, 2018; Atelier Re.al com João Fiadeiro, 2019, em performances que duraram 40 minutos, 15 horas, 14 horas e 7 horas, respetivamente. Em 2018, num concerto que incluiu música de Erik Satie, Joana Gama tocou a peça 4’33’’ de John Cage no Panteão Nacional.
Fruto do trabalho realizado no doutoramento, em Maio de 2019 lançou o disco Travels in my homeland pela Grand Piano Records (grupo Naxos) com música de Amílcar Vasques-Dias e Fernando Lopes-Graça, cujas partituras, numa edição por si coordenada, foi publicada na mesma altura pelo mpmp. Com base nesse repertório, estreou O Figo que prometeste com as Sopa de Pedra na edição de 2019 do Festival Bons Sons.
Em Outubro de 2020, num concerto na Culturgest, estreou, em Portugal, o ciclo para piano O Livro dos Sons de Hans Otte. Esta foi a primeira ação de divulgação da obra de Hans Otte no nosso país, parte do Festival Hans Otte : Sound of Sounds que, em 2021 e 2022, com o apoio do Goethe Institut e diversas instituições portuguesas e alemãs, levou a obra multiforme de Hans Otte a Lisboa, Évora, Guimarães e Viseu. Gravou O Livro dos Sons de Hans Otte para a RTP2 na estufa do Jardim Botânico de Coimbra. Essa gravação está agora disponível na RTP Palco.
Ainda em 2020 estreou o espetáculo As árvores não têm pernas para andar que já ultrapassou as cento e cinquenta apresentações e que, em 2022, foi apresentado no Jardim do Palacete de São Bento, no âmbito das Comemorações do 25 de Abril. Para os mais novos criou ainda Nocturno (2017), com Victor Hugo Pontes, Eu gosto muito do Senhor Satie (2018) e Pássaros & Cogumelos (2022).
O duo de piano e eletrónica partilhado com Luís Fernandes, passou por festivais como Novas Frequências (Rio de Janeiro) e MadeiraDig. Quest, o primeiro disco do duo, editado pela Shhpuma, foi considerado um dos melhores álbuns de 2014 por diversos críticos nacionais. Em 2026 lançaram Harmonies, com Ricardo Jacinto, inspirado na música e no universo peculiar de Erik Satie. O trabalho foi apresentado nas mais importantes salas portuguesas, mas também em Berlim, Valência e Dumfries. Em 2017, em resposta a um desafio do Westway LAB festival (Guimarães), criaram at the still point of the turning world, uma colaboração com a Orquestra de Guimarães que saiu em disco pela editora australiana Room40. Em 2018, o concerto passou pelo Curtas de Vila do Conde, e em 2019 apresentaram-se com a Orquestra Metropolitana no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian (concerto filmado pela RTP) e no Teatro Micaelense, no concerto de abertura do Festival Walk&Talk. Em Abril de 2019 o duo estreou, no Teatro Municipal do Porto, uma nova colaboração, desta vez com o Drumming Grupo de Percussão. Em Janeiro de 2022 assinalou-se o lançamento do quinto álbum do duo de piano e electrónica que mantém com Luís Fernandes desde 2014. There’s no knowing veio no seguimento do convite lançado por Nuno M. Cardoso para a criação da banda sonora para a série televisiva Cassandra, que passou na RTP2 em 2023.
É autora dos ambientes sonoros do podcast Uma gota na chuva. Uma flor no jardim, lançado pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2022, ano do centenário do nascimento do Arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles.
É membro fundador do CAAA Centro para os Assuntos da Arte e Arquitetura de Guimarães e d’O Homem do Saco, atelier de tipografia e edições – Lisboa.
A eclética discografia de Joana Gama está presente nas editoras portuguesas Shhpuma, mpmp, Pianola, Boca/ Douda Correria e Holuzam, na australiana Room40 e na Grand Piano (grupo Naxos).
Fotos Jorge Carmona / Antena 2