Temporada da Orquestra Gulbenkian
Transmissão direta
28 Outubro 19h00
Grande Auditório da
António Meneses, violoncelo
Lawrence Foster, maestro
Orquestra GulbenkianPrograma
Pedro Amaral (1972) – Deux Portraits Imaginaires
Dmitri Chostakovitch (1906-1975) – Concerto para Violoncelo e Orquestra n.º 1, em Mi bemol maior, op. 107Felix Mendelssohn-Bartholdy (1809-1847) – Sinfonia nº 3, em Lá menor, op. 56, “Escocesa”
Dmitri Chostakovitch (1906-1975) – Concerto para Violoncelo e Orquestra n.º 1, em Mi bemol maior, op. 107Felix Mendelssohn-Bartholdy (1809-1847) – Sinfonia nº 3, em Lá menor, op. 56, “Escocesa”
António Meneses@Marco Borggreve
Nas duas últimas presenças de Antonio Meneses na Fundação Gulbenkian, o violoncelista brasileiro pisou o palco do Grande Auditório como membro do Trio Beaux Arts. Neste regresso ao seio da Orquestra Gulbenkian, como solista, interpreta o Concerto para Violoncelo que Chostakovitch escreveu para o lendário Mstislav Rostropovitch. Além disso, estes concertos preparam uma digressão brasileira, sempre sob a direção de Lawrence Foster.
Lawrence Foster
Transmissão direta
Apresentação e realização: João Almeida
Produção: Alexandra Louro de Almeida
Apresentação e realização: João Almeida
Produção: Alexandra Louro de Almeida
António Meneses com a Orquestra Gulbenkian, 2003
Notas sobre o repertório
Pedro Amaral – Deux Portraits Imaginaires
Composição: 2013 (Encomenda da Casa da Música)
Estreia: Zurique, 9 de março de 2013
Duração: c. 15’Deux portraits imaginaires é uma peça “programática”. Na sua base está um diálogo entre duas personagens, sendo que a música, puramente instrumental, procura pintar o retrato de cada uma delas, da sua personalidade profunda e do seu estado psicológico no momento em que dialoga com a outra.
As personagens são duplamente imaginadas. A primeira delas é Fausto, na leitura que dele nos deixou Fernando Pessoa na sua obra inacabada Fausto, Tragédia Subjectiva; a segunda é Maria – não Margarida, como em Goethe –, que representa a figura feminina, o amor impossível. Mas Pessoa construiu o seu Fausto, em parte, à sua própria imagem, o que me incitou a emprestar à personagem aspetos da personalidade do próprio poeta; e a visão que aqui deixo de Maria, na construção do diálogo imaginário, mistura personagens femininas diversas que atravessam a escrita pessoana e a vida íntima do escritor.
Quando a peça começa, Fausto está sentado ao cravo a ler uma página de Froberger, o grande cravista barroco que, em pleno século XVII, desenvolveu e estabilizou, formalmente, a Suite para teclas. Froberger foi um dos primeiros e mais notáveis compositores de música programática, e algumas das suas obras são extraordinárias deambulações pelo fio do pensamento, da introspeção. A página que Fausto lê, sentado ao cravo, é a Allemande da vigésima Suite, em Ré maior, intitulada (em francês) Méditation sur ma mort future. É essa peça que ouvimos, ao cravo, no início destes Deux portraits, em confronto com os pensamentos de Fausto, representados nos outros instrumentos. E é neste ambiente que aparece Maria, numa exuberância feérica que, por momentos, arranca Fausto às suas sombrias meditações.
A partir da chegada de Maria, a peça toma a forma de um diálogo, onde as palavras estão implícitas nas linhas de determinados instrumentos. Infelizmente, o amor de Maria não salva Fausto, pregado “na cruz ígnea de [si] mesmo”, na sua lucidez paralisante, na sua incapacidade de amar sem se ver amar, de sentir sem pensar o sentimento (é Alberto Caeiro, o mestre, quem constata: “Amar é a eterna inocência, / E toda a inocência é não pensar…”).
Apesar de toda a exuberância amorosa de Maria, a peça termina com um inevitável Lamento, e as personagens ficam, no fim, tão sós como começaram.
(Pedro Amaral [Casa da Música, 2013])
Composição: 2013 (Encomenda da Casa da Música)
Estreia: Zurique, 9 de março de 2013
Duração: c. 15’Deux portraits imaginaires é uma peça “programática”. Na sua base está um diálogo entre duas personagens, sendo que a música, puramente instrumental, procura pintar o retrato de cada uma delas, da sua personalidade profunda e do seu estado psicológico no momento em que dialoga com a outra.
As personagens são duplamente imaginadas. A primeira delas é Fausto, na leitura que dele nos deixou Fernando Pessoa na sua obra inacabada Fausto, Tragédia Subjectiva; a segunda é Maria – não Margarida, como em Goethe –, que representa a figura feminina, o amor impossível. Mas Pessoa construiu o seu Fausto, em parte, à sua própria imagem, o que me incitou a emprestar à personagem aspetos da personalidade do próprio poeta; e a visão que aqui deixo de Maria, na construção do diálogo imaginário, mistura personagens femininas diversas que atravessam a escrita pessoana e a vida íntima do escritor.
Quando a peça começa, Fausto está sentado ao cravo a ler uma página de Froberger, o grande cravista barroco que, em pleno século XVII, desenvolveu e estabilizou, formalmente, a Suite para teclas. Froberger foi um dos primeiros e mais notáveis compositores de música programática, e algumas das suas obras são extraordinárias deambulações pelo fio do pensamento, da introspeção. A página que Fausto lê, sentado ao cravo, é a Allemande da vigésima Suite, em Ré maior, intitulada (em francês) Méditation sur ma mort future. É essa peça que ouvimos, ao cravo, no início destes Deux portraits, em confronto com os pensamentos de Fausto, representados nos outros instrumentos. E é neste ambiente que aparece Maria, numa exuberância feérica que, por momentos, arranca Fausto às suas sombrias meditações.
A partir da chegada de Maria, a peça toma a forma de um diálogo, onde as palavras estão implícitas nas linhas de determinados instrumentos. Infelizmente, o amor de Maria não salva Fausto, pregado “na cruz ígnea de [si] mesmo”, na sua lucidez paralisante, na sua incapacidade de amar sem se ver amar, de sentir sem pensar o sentimento (é Alberto Caeiro, o mestre, quem constata: “Amar é a eterna inocência, / E toda a inocência é não pensar…”).
Apesar de toda a exuberância amorosa de Maria, a peça termina com um inevitável Lamento, e as personagens ficam, no fim, tão sós como começaram.
(Pedro Amaral [Casa da Música, 2013])
Dmitri Chostakovitch- Concerto para Violoncelo e Orquestra n.º 1, em Mi bemol maior, op. 107
Composição: 1959
Estreia: Leninegrado, 4 de outubro de 1959
Duração: c. 30’Por vezes, as obras musicais resultam também de amizades longas e próximas entre compositores e intérpretes. O Concerto para Violoncelo n.º 1 de Chostakovitch enquadra-se nesse contexto. Chostakovitch e o violoncelista Mstislav Rostropovitch (1927-2007) conheceram-se no Conservatório de Moscovo no início da década de 40. Os músicos estreitaram a sua relação no final de 1945, tendo então o compositor integrado o júri de um concurso para instrumentistas. Contudo, essa proximidade não resultou, desde logo, na composição de obras solísticas para o então jovem intérprete.
A centralização da atividade musical soviética durante o estalinismo acentuou o controlo estatal sobre compositores, intérpretes, estabelecimentos de ensino e espaços de apresentação e esse enquadramento teve um grande impacto na carreira do compositor. A promoção de música “nacional na forma, socialista no conteúdo” (uma expressão atribuída ao próprio Estaline) absorveu os esforços dos músicos soviéticos a partir dos anos 30. Essa promoção foi intensificada durante a Segunda Guerra Mundial, com a orientação de grande parte dos esforços criativos dos músicos soviéticos para a promoção do patriotismo. Contudo, o percurso de Chostakovitch é complexo neste período. Após algumas críticas ao teor “formalista” das obras de Chostakovitch publicadas no início da década de 30, a denúncia oficial das mesmas deu-se em 1936. Um editorial publicado no jornal Pravda na sequência da apresentação da ópera Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, a que assistiram membros importantes do Partido Comunista, entre os quais Estaline, atacou violentamente o compositor. Essa perseguição condicionou a sua produção até à morte do ditador, em 1953.
O Concerto para Violoncelo foi composto em 1959, durante o longo período de reabilitação de Chostakovitch. Nessa época, o compositor retornou à escrita de música orquestral de grandes proporções, como a Sinfonia nº 11, O ano 1905. Assim, uma amizade com quase 15 anos viria a materializar-se finalmente numa obra escrita a pensar em Rostropovitch, então um dos mais reconhecidos violoncelistas mundiais. O Concerto para Violoncelo n.º 1, op. 107, foi estreado pela Orquestra Filarmónica de Leninegrado em 1959. O solista foi Rostropovitch e a orquestra foi dirigida por Evgeni Mravinsky, também amigo de Chostakovitch e um dos mais destacados maestros da época. Essa proximidade entre compositor, solista e maestro foi central para o sucesso da obra que rapidamente passou a integrar o repertório do instrumento.
A abordagem orquestral ao Concerto op. 107 funde o virtuosismo com uma narrativa contínua. Dessa forma, sobressaem tanto o intérprete como o compositor. Uma abordagem quase rapsódica e estilisticamente heterogénea potencia a expressividade do concerto, apresentando um leque variado de texturas e de ambientes. O concerto está dividido em quatro andamentos, mas alguns materiais atravessam as suas fronteiras, emergindo em diversos pontos da obra. Assim, reforçam o caráter narrativo do concerto, apresentando o solista como comentador e narrador.
A obra inicia-se com uma apresentação solista de um dos temas principais sobre um discreto acompanhamento. Este tema tem caráter de marcha e as suas notas encarnam o motivo DSCH, um anagrama musical do nome do compositor. A percussividade do tema e o destaque atribuído ao solista pontificam na primeira parte do andamento, na qual um modalismo de caráter rústico é pontuado por ostinati de acentuação irregular. O segundo andamento é caracterizado por uma atmosfera bucólica, na qual o violoncelista revela a sua expressividade sobre uma trama contrapontística, acumulando tensão. Essa tensão é intensificada com o melodismo lírico do solista e da trompa, que se sobrepõem à leveza de uma textura de coral. O segundo tema do andamento é inspirado numa canção de embalar russa, e o duo de violoncelo e piano contrasta com uma figuração sinuosa das cordas. A cadência solista marca uma interrupção na narrativa, sintetizando e desenvolvendo virtuosisticamente diversos temas previamente apresentados. O compositor escreveu passagens contrapontísticas em cordas dobradas e secções em que o solista alterna entre o arco e o pizzicato ao longo da cadência. Esta vai ganhando energia com esse jogo, preparando o final. Sinuoso e vivo, o final, Allegro con moto, é marcado pelo retorno de texturas de dança e do caráter percussivo do primeiro andamento. Regressa ao tema inicial da obra, agora apresentado de forma intensamente expressiva.
(João Silva)
Composição: 1959
Estreia: Leninegrado, 4 de outubro de 1959
Duração: c. 30’Por vezes, as obras musicais resultam também de amizades longas e próximas entre compositores e intérpretes. O Concerto para Violoncelo n.º 1 de Chostakovitch enquadra-se nesse contexto. Chostakovitch e o violoncelista Mstislav Rostropovitch (1927-2007) conheceram-se no Conservatório de Moscovo no início da década de 40. Os músicos estreitaram a sua relação no final de 1945, tendo então o compositor integrado o júri de um concurso para instrumentistas. Contudo, essa proximidade não resultou, desde logo, na composição de obras solísticas para o então jovem intérprete.
A centralização da atividade musical soviética durante o estalinismo acentuou o controlo estatal sobre compositores, intérpretes, estabelecimentos de ensino e espaços de apresentação e esse enquadramento teve um grande impacto na carreira do compositor. A promoção de música “nacional na forma, socialista no conteúdo” (uma expressão atribuída ao próprio Estaline) absorveu os esforços dos músicos soviéticos a partir dos anos 30. Essa promoção foi intensificada durante a Segunda Guerra Mundial, com a orientação de grande parte dos esforços criativos dos músicos soviéticos para a promoção do patriotismo. Contudo, o percurso de Chostakovitch é complexo neste período. Após algumas críticas ao teor “formalista” das obras de Chostakovitch publicadas no início da década de 30, a denúncia oficial das mesmas deu-se em 1936. Um editorial publicado no jornal Pravda na sequência da apresentação da ópera Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, a que assistiram membros importantes do Partido Comunista, entre os quais Estaline, atacou violentamente o compositor. Essa perseguição condicionou a sua produção até à morte do ditador, em 1953.
O Concerto para Violoncelo foi composto em 1959, durante o longo período de reabilitação de Chostakovitch. Nessa época, o compositor retornou à escrita de música orquestral de grandes proporções, como a Sinfonia nº 11, O ano 1905. Assim, uma amizade com quase 15 anos viria a materializar-se finalmente numa obra escrita a pensar em Rostropovitch, então um dos mais reconhecidos violoncelistas mundiais. O Concerto para Violoncelo n.º 1, op. 107, foi estreado pela Orquestra Filarmónica de Leninegrado em 1959. O solista foi Rostropovitch e a orquestra foi dirigida por Evgeni Mravinsky, também amigo de Chostakovitch e um dos mais destacados maestros da época. Essa proximidade entre compositor, solista e maestro foi central para o sucesso da obra que rapidamente passou a integrar o repertório do instrumento.
A abordagem orquestral ao Concerto op. 107 funde o virtuosismo com uma narrativa contínua. Dessa forma, sobressaem tanto o intérprete como o compositor. Uma abordagem quase rapsódica e estilisticamente heterogénea potencia a expressividade do concerto, apresentando um leque variado de texturas e de ambientes. O concerto está dividido em quatro andamentos, mas alguns materiais atravessam as suas fronteiras, emergindo em diversos pontos da obra. Assim, reforçam o caráter narrativo do concerto, apresentando o solista como comentador e narrador.
A obra inicia-se com uma apresentação solista de um dos temas principais sobre um discreto acompanhamento. Este tema tem caráter de marcha e as suas notas encarnam o motivo DSCH, um anagrama musical do nome do compositor. A percussividade do tema e o destaque atribuído ao solista pontificam na primeira parte do andamento, na qual um modalismo de caráter rústico é pontuado por ostinati de acentuação irregular. O segundo andamento é caracterizado por uma atmosfera bucólica, na qual o violoncelista revela a sua expressividade sobre uma trama contrapontística, acumulando tensão. Essa tensão é intensificada com o melodismo lírico do solista e da trompa, que se sobrepõem à leveza de uma textura de coral. O segundo tema do andamento é inspirado numa canção de embalar russa, e o duo de violoncelo e piano contrasta com uma figuração sinuosa das cordas. A cadência solista marca uma interrupção na narrativa, sintetizando e desenvolvendo virtuosisticamente diversos temas previamente apresentados. O compositor escreveu passagens contrapontísticas em cordas dobradas e secções em que o solista alterna entre o arco e o pizzicato ao longo da cadência. Esta vai ganhando energia com esse jogo, preparando o final. Sinuoso e vivo, o final, Allegro con moto, é marcado pelo retorno de texturas de dança e do caráter percussivo do primeiro andamento. Regressa ao tema inicial da obra, agora apresentado de forma intensamente expressiva.
(João Silva)
Felix Mendelssohn-Bartholdy – Sinfonia n.º 3, em Lá menor, op. 56, Escocesa
Composição: 1829-1841/42
Estreia: Leipzig, 3 de março de 1842
Duração: c. 42’Felix Mendelssohn foi um importante codificador do Romantismo. Recuperou a música de J. S. Bach, desenvolveu o concerto público e impulsionou géneros associados às novas sensibilidades, como a abertura programática. Contudo, a sinfonia continuava a ser a verdadeira prova de fogo para um compositor. Além das sinfonias para grande orquestra, Mendelssohn compôs uma quantidade significativa de sinfonias para cordas, onde apurou o seu estilo.
A Sinfonia nº 3 é uma das últimas obras de grande fôlego a ser completada por Mendelssohn. Apesar da sua génese se situar numa visita à Escócia realizada em 1829, a obra foi terminada em 1842. Naquele tempo, era normal os jovens pertencentes à aristocracia e à burguesia realizarem o chamado “Grand Tour”, como parte da sua formação. Assim, as visitas à Itália, com as suas obras de arte e arquitetura, e às paisagens naturais da Inglaterra e da Escócia, integravam a formação dos jovens. Isso fez-se sentir de forma mais acentuada em Mendelssohn, pertencente a uma família de intelectuais e banqueiros judeus, cujos salões contaram com a presença de grandes vultos da cultura europeia da época.
Após um início auspicioso de carreira enquanto compositor, pianista e diretor de orquestra, Mendelssohn recolheu então a inspiração para diversas obras, entre as quais a Sinfonia n.º 3. Terminada em Berlim a 20 de janeiro de 1842, foi estreada em Leipzig a 3 de março do mesmo ano, pela orquestra do Gewandhaus, sob a direção do compositor. Na estreia, a obra foi apresentada sem referências programáticas, apesar do sabor tradicional de alguns dos seus temas e da continuidade entre andamentos, resultante de vários temas derivarem do motivo da introdução. A sinfonia tem início com uma introdução lenta baseada num tema registado aquando da viagem de Mendelssohn à Escócia. O primeiro andamento encontra-se em forma sonata, a qual confronta um primeiro grupo temático cinético com o melodismo delicado do grupo complementar. A interpenetração dos dois grupos temáticos e o retorno do material da introdução são características essenciais da obra. O Scherzo, em forma ABA, tem sabor popular, contrastando com a expressividade cantabile e nostálgica do Adagio. A sinfonia termina com um andamento contrapontístico e em forma sonata, cuja coda, em tonalidade maior, estabelece um derradeiro contraste com a atmosfera do andamento.
(João Silva)
Composição: 1829-1841/42
Estreia: Leipzig, 3 de março de 1842
Duração: c. 42’Felix Mendelssohn foi um importante codificador do Romantismo. Recuperou a música de J. S. Bach, desenvolveu o concerto público e impulsionou géneros associados às novas sensibilidades, como a abertura programática. Contudo, a sinfonia continuava a ser a verdadeira prova de fogo para um compositor. Além das sinfonias para grande orquestra, Mendelssohn compôs uma quantidade significativa de sinfonias para cordas, onde apurou o seu estilo.
A Sinfonia nº 3 é uma das últimas obras de grande fôlego a ser completada por Mendelssohn. Apesar da sua génese se situar numa visita à Escócia realizada em 1829, a obra foi terminada em 1842. Naquele tempo, era normal os jovens pertencentes à aristocracia e à burguesia realizarem o chamado “Grand Tour”, como parte da sua formação. Assim, as visitas à Itália, com as suas obras de arte e arquitetura, e às paisagens naturais da Inglaterra e da Escócia, integravam a formação dos jovens. Isso fez-se sentir de forma mais acentuada em Mendelssohn, pertencente a uma família de intelectuais e banqueiros judeus, cujos salões contaram com a presença de grandes vultos da cultura europeia da época.
Após um início auspicioso de carreira enquanto compositor, pianista e diretor de orquestra, Mendelssohn recolheu então a inspiração para diversas obras, entre as quais a Sinfonia n.º 3. Terminada em Berlim a 20 de janeiro de 1842, foi estreada em Leipzig a 3 de março do mesmo ano, pela orquestra do Gewandhaus, sob a direção do compositor. Na estreia, a obra foi apresentada sem referências programáticas, apesar do sabor tradicional de alguns dos seus temas e da continuidade entre andamentos, resultante de vários temas derivarem do motivo da introdução. A sinfonia tem início com uma introdução lenta baseada num tema registado aquando da viagem de Mendelssohn à Escócia. O primeiro andamento encontra-se em forma sonata, a qual confronta um primeiro grupo temático cinético com o melodismo delicado do grupo complementar. A interpenetração dos dois grupos temáticos e o retorno do material da introdução são características essenciais da obra. O Scherzo, em forma ABA, tem sabor popular, contrastando com a expressividade cantabile e nostálgica do Adagio. A sinfonia termina com um andamento contrapontístico e em forma sonata, cuja coda, em tonalidade maior, estabelece um derradeiro contraste com a atmosfera do andamento.
(João Silva)