29 Julho a 8 Agosto 2021
Fundação Gulbenkian
37ª edição
Uma "contínua invenção do presente", figurado no concerto de abertura do 37º Jazz em Agosto, com o lendário Peter Brötzmann acompanhado por Bennink e Schlippenbach, contamina toda esta edição do festival que regressa à Gulbenkian.
Reinvenção e liberdade como valores primordiais para toda a música no continente europeu que se seguiu ao projeto de Brötzmann, Machine Gun, e que se reflem nos projetos de Mats
Gustafsson (Fire! e The End), nos solos de bateria porosos à eletrónica e assegurados por Gabriel Ferrandini e Katharina Ernst ou nos de trompete por Luís Vicente, ou ainda nos frequentes concertos que navegarão por águas comuns ao jazz de vistas largas e às mais variadas declinações do imaginário rock.
Neste ano de tentativas de recuperar a normalidade nas nossas vidas, o
Jazz em Agosto assume também um compromisso de reforço da presença de projetos portugueses, a par de alguns dos mais inventivos grupos a operar no Velho Continente. E retoma a sua vocação de tomar
o pulso ao jazz que hoje se faz, não se conformando em repetir o passado.
Programação
29 Julho | Cancelado
Grande Auditório
Brötzmann + Schlippenbach + Bennink
Peter Brötzmann, Saxofone tenor, Clarinete, Taragot
Alexander von Schlippenbach, Piano
Han Bennink, Bateria
schlippenbach+bennink+brötzmann© trost
Quando Peter Brötzmann e Han Bennink
se juntaram pela primeira
vez, em 1968, colaboraram na gravação de um
dos álbuns mais influentes do jazz europeu.
Passados 50 anos sobre a edição de Machine Gun, resolveram celebrar essa data
e reencontraram uma cumplicidade musical intacta,
alargada à presença do igualmente histórico pianista
Alexander von Schlippenbach.
Alimentada pelo mesmo ímpeto voraz original, o
encontro dos três enquanto
trio deu origem ao álbum Fifty Years After…, mas também a uma digressão
que continua a levar
para palco uma música que evoca
o passado, mas é toda ela presente.
30 Julho | 18h00
Auditório 2
Luís Vicente Solo
Luís Vicente, Trompete
luís vicente © joão duarte
Músico de um registo febril, Luís Vicente desenvolve a solo uma relação com a trompete que o lança, com frequência, para zonas mais contemplativas e meditativas, sugeridas por um diálogo que – ao invés de estabelecer com outros instrumentistas – desenvolve consigo mesmo. Consigo e com a sala onde atua, abrindo-se à exploração das características acústicas do espaço como elemento fundamental do discurso. Tal como documentou em Maré (2020), o formato solo permite ao trompetista perseguir esboços melódicos e aprofundar motivos simples, mas também cair na toca do coelho da experimentação e dedicar-se a uma linguagem rarefeita. Desse choque nasce todo um novo e estimulante mundo, para o qual o músico parte sem qualquer mapa.
30 Julho | 21h00
Grande Auditório
Broken Shadows
Tim Berne, Saxofone alto
Chris Speed, Saxofone tenor
Reid Anderson, Contrabaixo
Dave King, Bateria
© Wes Orshoski
Broken Shadows é um quarteto habitado por duas cumplicidades antigas – a dos saxofonistas Tim Berne e Chris Speed, e a da secção rítmica dos Bad Plus, composta por Reid Anderson e Dave King – e que homenageia, desde logo na sua designação, Ornette Coleman. Mas é mais do que isso: é um grupo que regressa às pistas deixadas pelos primeiros grandes mestres da improvisação livre, como Coleman, Charlie Haden, Julius Hemphill e Dewey Redman, colocando a melodia no centro da sua ação. Branford Marsalis referiu-se ao grupo, aliás, escrevendo que “numa era em que os temas são tratados como veículos para a improvisação, com esta banda o veículo é o tema”. Aqui, a liberdade é plantada numa admirável busca pela beleza.
31 Julho | 18h00
Auditório 2
Ignaz Schick & Oliver Steidle
Ilog2
Ignaz Schick, Gira discos
Oliver Steidle, Bateria, Percussão, Eletrónica
@ Daniela Steidle
Duo nascido na cena underground e experimental berlinense, cuja reputação de incendiário projeto de palco foi crescendo através de sucessivas atuações na capital alemã. O culto que se formou em torno de Ilog2, a parceria artística de Ignaz e Oliver Steidle, rapidamente se estabeleceu graças a uma criatividade fervilhante, que tanto absorve elementos do jazz, da improvisação, do noise e da música eletroacústica, quanto do hip-hop, do dubstep ou do house.
Daqui resulta uma música em permanente ebulição, feita de diferentes linguagens que não param de desafiar-se, tocada em tempo real e sem qualquer trabalho prévio de produção.
Explosiva e imprevisível.
31 Julho | 21h00
Grande Auditório
Ikizukuri + Susana Santos Silva
Suicide Underground Orchid
Julius Gabriel, Saxofones soprano e tenor
Gonçalo Almeida, Baixo elétrico
Gustavo Costa, Bateria e eletrónica
Susana Santos Silva, Trompete
@ Cristiano Costa Pereira
Ikizukuri é uma técnica da gastronomia japonesa aplicada na preparação do sashimi, com recurso a “ingredientes” ainda vivos. Designa também o trio que junta o saxofonista alemão Julius Gabriel ao baixista Gonçalo Almeida e ao baterista Gustavo Costa, num caldo de referências que alia a improvisação mais desabrida a elementos decompostos do free jazz, do rock e do metal. Ao cruzarem-se na Sonoscopia com a trompetista Susana Santos Silva, em 2020, cavaram ainda mais funda a ideia de uma prática esticada sempre até ao limite e colocada diante do abismo. Ao encontro chamaram Suicide Underground Orchid (título do álbum) e, tal como com o ikizukuri, servem-nos géneros musicais num lugar entre a sublimação e a queda.
01 Agosto | 18h00
Auditório 2
João Pedro Brandão
Trama no Navio
João Pedro Brandão, Saxofone alto, Flauta, Composição
Ricardo Moreira, Piano, Órgão
Hugo Carvalhais, Contrabaixo
Marcos Cavaleiro, Bateria
Alexandra Corte-Real, Vídeo
@ Alexandra Almeida
A convite da Orquestra Jazz de Matosinhos, João Pedro Brandão integrou, em Setembro de 2019, um grupo de compositores a quem foi encomendada música original para um dos grandes clássicos do cinema – O Couraçado Poutenkim, de Sergei Eisenstein. Coube-lhe a segunda parte do filme, Drama no Navio, e o investimento nessa empreitada foi tão intenso que o saxofonista resolveu não deixar a música morrer com o final da projeção.
Assim, juntou um quarteto que lhe permite agora recriar esse jorro criativo, mantendo as premissas de densidade, intensidade, dramatismo e poesia resgatadas da película, mas tomando-as como faúlha para a construção de uma música nova e absorvente.
A sugestão visual é aqui explorada em vídeo por Alexandra Corte-Real.
01 Agosto | 21h00
Grande Auditório
Fire! Defeat
Mats Gustafsson, Saxofone
Johan Berthling, Baixo elétrico
Andreas Werliin, Bateria
Goran Kajfeš, Trompete
Mats Äleklint, Trombone
@ Johan Bergmark
Ao longo dos últimos 12 anos, têm sido várias as constelações dispostas em torno do trio Fire!, formado por Mats Gustafsson, Johan Berthling e Andreas Werliin, ampliando ou retraindo uma abordagem sempre intempestiva da música improvisada. Em trio ou como orquestra, acompanhados por Jim O’Rourke ou Oren Ambarchi, as possibilidades têm sido múltiplas e a capacidade de causar espanto em quem ouve ilimitada.
Desta vez, na companhia de Goran Kajfeš e Mats Äleklint, os Fire! apresentam-se como quinteto e numa formação que se abre à entrada da flauta.
Tudo e nada muda a partir daí. A música já não é a mesma, quando acolhe um elemento novo; e, no entanto, continua a ser movida pelo mesmo impulso de descoberta e revelação.
5 Agosto | 21h00
Grande Auditório
Pedro Moreira Sax Ensemble
Two Maybe More
Pedro Moreira, Saxofone tenor
Mateja Dolsak, Saxofone tenor
Ricardo Toscano, Saxofone alto
Daniel Sousa, Saxofone alto
Tomás Marques, Saxofone soprano
Bernardo Tinoco, Saxofone soprano
Francisco Andrade, Saxofone barítono
João Capinha, Saxofone barítono
Mário Franco, Contrabaixo
Luis Candeias, Bateria
@ Tomás Agostinho
Na origem, Two Maybe More foi um espetáculo criado pelo realizador e encenador Marco Martins em parceria com os coreógrafos Sofia Dias e Vítor Roriz, e o palco era lugar de coabitação entre os gestos quotidianos e os movimentos coletivos do Coro Gulbenkian. A música de Pedro Moreira, encomendada pela Fundação Gulbenkian, seguia esses quadros de fricção entre o indivíduo e o coletivo.
Passados sete anos, Pedro Moreira revisita essa composição com um Sax Ensemble em que se faz acompanhar por sete outros saxofonistas de exceção (Ricardo Toscano, Daniel Sousa, Tomás Marques, Bernardo Tinoco, Mateja Dolsak, Francisco Andrade e João Capinha), numa versão revista, aumentada e sedutora do equilíbrio entre a minúcia da música escrita e a urgência da improvisação.
6 Agosto | 18h00
Auditório 2
Gabriel Ferrandini
Hair Of The Dog
Gabriel Ferrandini, Bateria, Percussão, Eletrónica
© Carolina Pimenta
Na sequência de uma série de concertos que pensou e preparou ao longo de um ano na Galeria Zé dos Bois, um ciclo intitulado Volúpia das Cinzas, o baterista Gabriel Ferrandini assumiu o seu primeiro álbum como líder e criou o projeto Volúpias.
Segue-se agora Hair of the Dog, publicado pela nova editora Canto Discos, primeiro álbum a solo de Ferrandini, no qual espalha a sua criatividade indomada por bateria, percussão e eletrónica, vincando o quanto a sua prodigiosa técnica nunca se impõe a uma musicalidade sem rédeas. Um disco que tanto incorpora as ferramentas do jazz quanto as qualidades da música contemporânea, com doses iguais de composição em tempo real e de apurado trabalho de estúdio, que passa agora a conhecer vida de palco.
6 Agosto | Cancelado
Grande Auditório
Hedvig Mollestad
Ekhidna
Torstein Lofthus, Bateria
Erlend Slettevoll, Piano elétrico, Sintetizadores
Marte Eberson, Piano elétrico, Sintetizadores
Hedvig Mollestad Thomassen, Guitarra elétrica
Ole Mofjell, Percussão
Susana Santos Silva, Trompete
@ Julia Marie Naglestad
Projeto capitaneado pela guitarrista norueguesa Hedvig Mollestad, Ekhidna alimenta-se de sonoridades claramente identificáveis com o hard rock e o rock progressivo, dispensando a presença do baixo para se apoiar numa armada de teclados e percussões, sobre a qual a guitarra de Mollestad e a trompete convidada de Susana Santos Silva descrevem sucessivos voos picados.
Trazendo para um universo jazzístico referências tão inesperadas quanto Black Sabbath, Pink Floyd, Santana ou Iron Maiden, Mollestad não receia mergulhar numa cartografia musical dos anos 70 e 80 para apresentar uma proposta que atualiza esse passado de acordo com uma visão despudorada do que pode ser hoje o jazz.
7 Agosto | 18h00
Auditório 2
Katharina Ernst
Extrametric
Katharina Ernst, Percussão
© Michael Breyer
Música profundamente enigmática e desconcertante, o solo da percussionista austríaca Katharina Ernst é um constante assalto aos sentidos. Com recurso a uma enorme panóplia de sons, autênticos ou transformados pelo uso de distorção e outros efeitos, Ernst desenvolveu para o seu álbum de estreia, Extrametric, um acervo de camadas rítmicas que desenvolve através de uma série de estudos. E isso tanto significa a investida em composições abstratas e liquefeitas, quanto a abordagem de padrões e estruturas reconhecíveis, numa exibição tão extraordinária de possibilidades criativas do que pode ser um solo de bateria e percussão que custa a crer que, em palco ou em disco, Katharina Ernst esteja, de facto, sozinha.
7 Agosto | 21h00
Grande Auditório
Anthropic Neglect
José Lencastre, Saxofones tenor e alto
Jorge Nuno, Guitarra elétrica
Felipe Zenícola, Baixo elétrico
João Valinho, Bateria
© Nuno Martins
Anthropic Neglect é uma estimulante banda de rock na qual foi instalado um saxofone. Quer isto dizer que sobre a eletricidade crepitante da guitarra e do baixo elétricos, e da tensão assegurada pela bateria, há um saxofone que deambula à solta por cima destes elementos, adentrando e abandonando essa linguagem mais rockeira, criando uma música movediça, avessa a qualquer estabilidade.
O entendimento do quarteto foi tão imediato que, após um primeiro encontro na Fábrica do Braço de Prata, estes músicos associados a várias formações de jazz de vanguarda e à banda de rock psicadélico Signs of the Silhouette, passaram logo para estúdio aquilo que então descobriram: um encaixe feito de espontaneidade e de nervo.
8 Agosto | 18h00
Auditório 2
João Lobo
Simorgh
Norberto Lobo, Guitarra elétrica
Soet Kempeneer, Contrabaixo, Baixo elétrico, Teclados
João Lobo, Bateria, Voz
@ Vera Marmelo
Há muito que a bateria de João Lobo e a guitarra de Norberto Lobo (sem qualquer parentesco) vêm encontrando repetidas ocasiões para alimentar e continuar um diálogo que nunca repete as mesmas conversas. De forma mais recorrente, essa parceria tem acontecido no coletivo Oba Loba ou em formações partilhadas com Giovanni Di Domenico, ainda que tenham tocado também em duo e no trio Norman.
Em Simorgh, projeto liderado por João Lobo, juntam-se ao baixista Soet Kempeneer, e aquilo que aqui acontece a três confirma superiormente tudo o que deles conhecemos: a coexistência entre uma noção depurada de beleza (assente em melodias abençoadas) e uma desarmante queda para a abstração. Sempre com uma inventividade que rouba o fôlego.
8 Agosto | 21h00
Grande Auditório
Roots Magic
Take Root Among The Stars
Alberto Popolla, Clarinetes
Errico De Fabritiis, Saxofone alto
Gianfranco Tedeschi, Contrabaixo
Fabrizio Spera, Bateria
Eugenio Colombo, Flauta
Francesco Lo Cascio, Vibrafone
@ Peter Gannushkin
Podem as histórias de encruzilhadas, de hecatombes amorosas, de trabalhos físicos árduos nos campos de algodão e nos caminhos-de-ferro e de relações de opressão estar na essência dos blues e da música popular norte-americana. Mas isso não impede que encontrem um eco universal em músicos do outro lado do Atlântico, como acontece de forma sublime com os italianos Roots Magic – um quarteto editado pela portuguesa Clean Feed – que, em ocasiões especiais como esta, é expandido para sexteto.
Partindo de um cardápio de temas da autoria de Skip James, Charley Patton, Sun Ra ou Ornette Coleman, os blues surgem aqui em toda a sua dimensão espiritual e na sua linhagem africana, reenquadrados, a espaços, por um léxico próprio do free jazz.
Uma música que, em vários sentidos, ignora fronteiras.