14 e 15 junho | 00h00
Raízes
Realização e Apresentação: Inês Almeida
Gravação pela RTP / Antena 2
no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, em Lisboa
a 13 de abril de 2024
Vardan Hovanissian & Emre Gültekin
Vardan Hovanissian, duduk
Emre Gültekin, saz (baglama), voz
Convidada: Malabika Brahma, voz
Programa
Arménia e Turquia: Reconciliação musical entre dois povos
Grikor Narekatsi – Havun Havun (séc.X)
E. Gültekin / Tradicional – Improvisatie Op Sas + Mamiki
Anónimo – Vard Siretsi (canção) + Dzun Giker
Komitas – Krounk
Anónimo – Hampere Hoqis (canção e dança)
Anónimo – Trabizon
E. Gültekin / Tradicional – Hu Dost
Anónimo – Karin [com Malabika Brahma]
E. Gültekin – Dil Ki Doya
M. Brahma, E. Gültekin / E. Gültekin, Lutfu Gültekin – Daglar Kanai + Tamzara
(Extra: Instrumental [título não anunciado])
A música que Vardan Hovanissian e Emre Gültekin fazem em conjunto soa à reconciliação entre dois povos. Juntando a tradição do duduk arménio e do saz turco, um instrumento de sopro e um cordofone, os dois músicos criam música tão bela quanto misteriosa e um espaço de harmonia indiferente a fronteiras e à forçada separação entre as suas culturas. Chamaram Karin ao segundo álbum que assinaram os dois – um dos preferidos nas listas de melhores do ano entre as músicas do mundo de 2019. Karin é a antiga designação arménia da cidade de Erzurum, hoje em território turco.
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Acontece entre culturas e povos desavindos, separados por décadas ou séculos de conflito e de discórdia, que a música surja como ponte capaz de criar um diálogo onde a diplomacia e a política falham. O músico catalão Jordi Savall é um firme defensor deste caminho em contexto artístico, tendo juntado músicos árabes, israelitas, turcos, gregos, arménios, afegãos, mexicanos e norte-americanos e aproximado povos e culturas em cima de um palco. Sobretudo, oferecendo-lhes um lugar onde possam escutar-se e existir juntos. Também o académico palestiniano Edward Said e o maestro israelita Daniel Barenboim puseram em prática semelhante convicção quando criaram a West-Eastern Divan Orchestra, juntando músicos de ambos os territórios, tocando lado a lado e ligando-se numa humanização recíproca.
O projeto desenvolvido por Vardan Hovanissian e Emre Gültekin parte deste conceito de reconciliação entre dois povos através da música. O encontro que escutamos entre o duduk arménio e o saz turco, um instrumento de sopro e um cordofone, emerge dessa abertura à escuta do outro e de construir, em consequência, um diálogo conjunto. Contrariando a separação entre as suas duas culturas de origem, Hovanissian e Gültekin entregam-se à curiosidade musical e erguem um espaço sonoro de profunda harmonia, em composições belas que não tentam disfarçar ou ignorar as suas diferenças; em vez disso, é nessa relação que radica o mistério pacífico e deslumbrante deste movimento em que “invadem” o espaço um do outro.
Sem deixarem de nomear os episódios traumáticos que existem nas suas respetivas histórias, os dois músicos batizaram o seu notável segundo álbum com o título Karin, designação da antiga cidade arménia que hoje se encontra em território turco e é agora conhecida como Erzurum. Foi lá que nasceu o avô de Vardan Hovanissian, um dos 200 sobreviventes da deportação de 40 mil pessoas durante o genocídio arménio que decorreu entre 1915 e 1923, quando o Império Otomano ruiu e o nacionalismo turco subiu em flecha.
Karin corresponde também ao nome de uma cidade que era símbolo de cosmopolitismo, lugar de encontro de diferentes culturas no caminho da chamada Rota da Seda. A ideia de reconciliação pela música, que os dois colocam em palco, parece traduzir uma cicatrização pelos sons que não pretende esquecer o passado, mas sim ser capaz de construir novas relações de empatia e harmonia. É música com uma profunda carga emocional, que tanto recupera temas antigos de ambas as tradições, quanto propõe novas composições. Seguindo essa ideia de abertura ao outro, Hovanissian e Gültekin alimentam-se ainda de elementos musicais vizinhos (georgianos, iranianos e curdos), descartando quaisquer fronteiras, em prol de uma linguagem comum feita de troca e partilha. Aqui, a música é a tradução bela e milagrosa dessa busca por uma só humanidade.
Fotos Jorge Carmona / Antena 2