Libreto: Berlioz segundo "A Eneida" de Virgílio
Estreia: Karslruhe: 6 de Dezembro de 1890
PersonagensAeneas
Dido
Cassandra
Corebus
Anna
Narbal
Espectro de Heitor
Panthus
Ascanius
Iopas
Priamus
Mercúrio
Hecuba
Espectro de Cassandra
Hylas
Espectro de Príamus
Espectro de Heitor
Helenus
AntecedentesAo longo de dois anos, entre Maio de 1856 e Abril de 1858, Berlioz criou aquela que ele próprio consideraria a obra da sua vida, e que tinha raízes na sua infância e adolescência: a ópera "Os Troianos" baseada na "Eneida" de Virgílio. Berlioz criou esta ópera, texto e música, por sua própria iniciativa, sem ter recebido qualquer encomenda para o fazer, e, quando a terminou, não conseguiu nenhum teatro que se dispusesse a levá-la a cena tal como ele a escrevera. Durante 5 anos, entre 1858 e 1863, Berlioz fez tudo o que estava ao seu alcance para que "Os Troianos" fosse apresentada na Ópera de Paris, o único teatro parisiense que convinha a uma produção duma tal monumentalidade, tudo sem quaisquer resultados.
Passados esses 5 anos de luta decidiu aceitar apresentá-la no Teatro Lírico cujos responsáveis, no entanto, exigiram que fosse dividida em duas partes, acabando por apresentar apenas a 2ª, e com alguns cortes.
Foi portanto apenas a 2ª parte, com cortes, que Berlioz pode ver e ouvir – isto alguns meses antes de morrer. essa estreia parcial d’ "Os Troianos" teve lugar no dia 4 de Novembro de 1863. A apresentação integral da ópera aconteceria apenas 35 anos mais tarde, em Colónia, mesmo assim, na versão alemã de Neitzel. A versão de Berlioz, quase completa, viria a público um século depois, em 1957, no Covent Garden sob a direcção de Kubelik.
Para a construção do libreto Berlioz baseou-se nos primeiro, segundo e quarto cantos da "Eneida", aos quais juntou ideias e situações tiradas de outras partes do texto. A principal diferença entre o texto de Berlioz e o poema de Virgílio reside no protagonismo que o compositor dá a Cassandra nos dois primeiros actos, sem para isso lhe retirar as características essencialmente virgilianas.
1ª Parte: "A Tomada de Troia"1º Acto
A ópera divide-se em duas partes: A Tomada de Troia (1º e 2º actos) e Os Troianos em Cartago (3º, 4º e 5º actos).
O 1º acto passa-se em Troia, e é dominado pela presença dum imenso cavalo de madeira deixado às portas da cidade pelos gregos após 10 anos de cerco, e que os habitantes da cidade acreditam ser uma dádiva para a deusa Palas Atena. Apenas a vestal Cassandra pressente nele a desgraça, mas os seus dons divinatórios são interpretados como loucura, e mesmo o seu noivo, Corebus, a tenta convencer de que a cidade já não está ameaçada.
Troia festeja o fim do cerco com cantos e flores, na presença de Andrómaca, viúva de Heitor, e do seu filho Astianax. Andrómaca chora a morte do marido, mas Cassandra aconselha-a a guardar as suas lágrimas para a desgraça que se aproxima. Chega então a notícia da morte dum sacerdote devorado por duas serpentes saídas das águas. Tal como Cassandra, também ele desconfiava da dádiva dos gregos, e tentara ferir com uma lança o imenso cavalo de madeira. Só que a sua morte é interpretada pela população como um castigo por ele ter profanado um objecto destinado à deusa, e, como reparação, decidem trazer o cavalo para a entrada do templo, surdos aos gritos e presságios de Cassandra.
A Sorte está lançada. O Destino já escolheu as suas vítimas.
É com a passagem do imenso cavalo para o interior da cidade que o acto termina.
2º Acto
O 2º acto inicia-se num quarto do palácio de Aeneas que está profundamente adormecido. Ao longe ouvem-se sons de batalha. O jovem Ascanius entra amedrontado, aproxima-se de Aeneas, seu pai, mas não ousa acordá-lo. Quando sai surge o Espectro de Heitor que diz a Aeneas que Troia está perdida, e que ele deve fugir para fundar na Itália um novo império que continue o culto dos seus deuses. O Espectro desaparece e surge Corebus à frente dum grupo de guerreiros. Ele diz que a cidadela ainda resiste, e que será defendida por eles até à morte.
Num outro ponto da cidade em chamas, junto do altar de Vesta, as mulheres imploram a protecção divina. Cassandra anuncia a fuga de Aeneas que levou com ele o tesouro da cidade para fundar uma nova Troia na Itália. Corebus morreu a defender a cidadela, e Cassandra pergunta às mulheres se irão aceitar viver como escravas dos invasores, propondo-lhes decidir os seus próprios Destinos escolhendo antes a morte. Algumas assustam-se e são expulsas; as outras pegam nas liras e cantam a glória da cidade.
Os gregos chegam dispostos à pilhagem, e ficam estupefactos perante aquilo que vêem. Cassandra enfrenta-os, apunhala-se, e passa o punhal ensanguentado a Policena que a imita. Por entre as chamas continuam a chegar as tropas invasoras. Cassandra cai morta ao tentar alcançar a varanda onde estão as outras mulheres. Com gritos de "Itália! Itália!", as mulheres lançam-se da janela ou apunhalam-se perante a surpresa e o respeito dos invasores. O acto termina com as chamas acabando por cobrir toda a cena.
2ª Parte: "Os Troianos em Cartago"3º Acto
O 3º acto passa-se em Cartago onde, no seu palácio, a rainha Dido fala dos 7 anos que se passaram desde o dia em que teve de deixar a cidade de Tiro para fugir do seu irmão, Pigmalião, que assassinara o marido e a obrigara a refugiar-se ali, onde fundara uma nova cidade. Dido agradece ao povo o seu apoio, e pede para defender com ela Cartago ameaçada pelas tropas de Iarbos, rei númida. Depois de terem sido grandes na Paz, devem agora dar de novo o exemplo ao mundo sendo grandes na Guerra.
A sós com Anna, sua irmã, Dido confessa que a sua aparente alegria esconde uma tristeza que não consegue explicar. Anna diz-lhe então que deve esquecer os votos de fidelidade ao esposo morto, e procurar um novo amor. Dido começa por resistir aos conselhos da irmã, mas acaba por reconhecer neles um certo fascínio, um fascínio perigoso. Chega o bardo Iopas com a notícia de que uma frota desconhecida fora lançada para a costa por uma tempestade. Recordando as suas próprias desventuras no mar, Dido aceita receber os náufragos estrangeiros, e o grupo dos chefes troianos é trazido à sua presença. Eles dizem que se dirigiam para a Itália onde Aeneas deveria fundar uma nova cidade. Chega então a notícia de que as tropas númidas iniciaram o ataque. Aeneas revela a sua verdadeira identidade, e oferece ajuda à rainha que lhe confia o comando das tropas.
4º Acto
O 4º acto inicia-se numa floresta nos arredores de Cartago onde as Naidas se banham num riacho perto duma gruta. Ouvem-se trompas de caça. As Naidas escondem-se instantes antes da chegada dum grupo de caçadores – que também acabam por partir quando se desencadeia uma tempestade.
Lutando contra os Elementos, Dido e Aeneas escondem-se na gruta onde, a sós, confessam o amor que sentem um pelo outro. A fúria dos Elementos aumenta de intensidade parecendo pronunciar palavras incompreensíveis. Mas uma surge claramente perceptível: Itália!
As Ninfas e os Sátiros dançam sobre um rochedo, um raio incendeia uma árvore, e os seres fantásticos empunham os ramos em chamas, e partem para o interior da floresta.
Nos jardins do palácio de Dido, Anna e Narbal, o ministro da rainha, conversam animadamente. Anna está feliz: a derrota dos númidas deixou-a optimista, Dido e Aeneas amam-se… Existirá melhor rei para Cartago? Mas Narbal está inquieto: ele acha que Aeneas deve cumprir o seu Destino, deve partir e fundar um novo império na Itália, a sua demora em Cartago pode ser desastrosa.
A conversa é interrompida com a chegada de Dido e de Aeneas acompanhados pela corte. Iniciam-se os festejos da vitória.
Dido pede a Aeneas que lhe fale de Troia. Aeneas diz que Andrómaca casou com Pirrus, o assassino de Heitor, seu esposo. Dido fica pensativa.
Os outros convivas saem para contemplar a noite e a serenidade do mar. Dido e Aeneas ficam sós, e cantam o seu amor. É então que Mercúrio se manifesta na forma dum raio de luar que ilumina as armas de Aeneas, e faz vibrar o seu escudo, ouvindo-se nitidamente por três vezes o grito: Itália! Itália! Itália!
5º Acto
O último acto inicia-se no porto de Cartago onde a frota troiana está atracada. Os homens estão divididos: alguns dizem que os deuses se têm manifestado, e que chegou a hora de partir; outros dizem que estão felizes em Cartago, e que não existem motivos para deixar a cidade.
Aeneas chega. Decidiu partir. A isso o obriga a sua consciência que deverá prevalecer sobre o seu amor por Dido. Ainda hesita, ainda pensa rever uma última vez a rainha. Mas a visão do Espectro de Priamus, o chefe troiano morto em combate, fá-lo afastar esse último desejo. É sim Dido quem o vem procurar, desesperada, implorando-lhe que fique. Mas Aeneas resiste, diz que tem de partir, que a frota está pronta. Aeneas embarca. A frota parte.
Então a rainha ordena que se acenda uma fogueira: nela irá queimar as memórias de Aeneas.
Num imenso terraço sobre o mar, os sacerdotes evocam os Espíritos Infernais. Dido avança coberta por um véu. Anna solta-lhe os cabelos, e junta-se a Narbal para lançar um anátema sobre Aeneas, enquanto Dido sobe à pira transportando as relíquias do seu amor. É aí que profetiza o nascimento do seu vingador: Aníbal. Depois, perante o olhar do povo horrorizado, fere-se mortalmente com a espada de Aeneas. No último instante de vida tem ainda a visão daquela que um dia será a Roma eterna.
RDP – Transmissões em "Noite de Ópera" desde 1996
1996 – 8 de Agosto
2001 – 2 de Agosto
Enredo resumido da autoria de Margarida Lisboa.