Libreto: Janacek segundo Ostrovsky
Estreia: 23 de Novembro de 1921
PersonagensSavël Prokofjevic Dikoj um comerciante – baixo
Boris Grigorjevic Dikoj seu filho – tenor
Marfa Ignatevna Kabanova – contralto
Tickhone Ivanyc Kabanov seu filho – tenor
Katerina mulher de Tichon – soprano
Varvara filha adoptiva dos Kabanov – meio-soprano
Vania Kudrias professor, empregado de Dokoj – tenor
Glasha criada dos Kabanov – meio-soprano
Feklusa outra criada – meio-soprano
Kuligin amigo de Kudrias – barítono
AntecedentesO início do trabalho em "Katia Kabanova", que data de 1919, coincide com o início duma fase na vida de Leos Janacek marcada por um entusiasmo quase adolescente. Esse entusiasmo, essa renovada alegria de viver num homem de 65 anos tinha origem em 3 acontecimentos recentes: o sucesso obtido por "Jenufa" em Praga e em Viena, a ligação de amor e amizade com a jovem Kamila Stösslova, e, finalmente, o acesso à soberania dos Países Checos surgida depois da primeira guerra mundial.
Poderíamos ser levados a pensar que foi o amor por Kamila que marcou as 3 obras que formam uma verdadeira trilogia da condição feminina: "Diário dum Desaparecido", "Katia Kabanova" e o Primeiro Quarteto para Cordas, inspirado na "Sonata a Kreutzer" de Tolstoi. Só que o sentimento nelas retratado não era uma novidade na obra de Janacek. Ele já surgira claramente na cantata "Aramus", em "Jenufa" e em "Osud". Já então o compositor considerava o casamento como a peça essencial da organização moral, social e económica da sociedade, funcionando como um freio para o florescimento pleno dos seres, especialmente das mulheres. Leitor quase obsessivo dos romances de Tolstoi, o seu posicionamento neste campo foi sempre claramente assumido.
Mas nunca essa crítica à instituição do matrimónio foi tão directa e exemplar como em "Katia Kabanova".
Esta ópera baseia-se numa peça de Ostrovski em cena nos teatros checos desde 1870. Janacek tentou mandar vir de Moscovo todas as obras deste dramaturgo, mas "Katia Kabanova" apenas lhe chegou às mãos em 1919 através dum teatro de Brno, numa tradução de Vinvenv Cervinka. Foi sobre esta tradução que o compositor construiu o seu libreto. Fê-lo desmontando, com clareza e realismo, os alicerces deste drama comum, acrescentando-lhe a visão do pedagogo e do moralista.
A ópera fala-nos de Katia, uma piedosa rebelde que, ao não conseguir resolver essa contradição existencial, se auto-condena ao suicídio. Ela casara com Tikhone Kabanov, e, ao fazê-lo, passara a fazer parte duma família dominada por um matriarcado terrível baseado no comércio, no dinheiro e nos preconceitos, tudo encoberto pelo diáfano véu da religião e da caridade. Katia é, de facto, refém da sogra, uma mulher feroz e ciumenta, dominadora, e duma violência repleta de hipocrisia. O marido de Katia é um fraco que se verga diante da mãe, e que é incapaz de oferecer à jovem esposa a alegria de viver – aquilo que ela, de forma inconsciente, realmente deseja. Torturada entre a paixão e o remorso, durante uma ausência do marido, Katia sucumbe à tentação do adultério, cujas consequências ela própria antevê.
1.º ActoA acção situa-se na pequena aldeia de Kalinovo, na Rússia, por volta dos anos 60 do século XIX. É um universo fechado onde reina o despótico comerciante Dikoï, e onde a viúva Marfa Kabanova mantém a família sob terror.
O seu filho, Tikhone Kabanov, é incapaz de lhe fazer frente no que quer que seja, muito menos para defender a mulher, Katia, das suas agressões absurdas. Tikhone prefere fugir, sempre que pode, da atmosfera irrespirável da casa.
Varvara, filha adoptiva dos Kabanov, está apaixonada pelo professor Koudriach, e adapta-se aquela inquietante maneira de viver.
Apenas a doce Katia sofre escondida nas memórias da infância. Naquele mundo aterrador todos os seus sonhos se desfizeram, e mesmo os beijos do marido são meticulosamente contados pela sogra. Ninguém se espantará que Katia tenha perdido qualquer forma de afeição pelo marido, e que suspire por um outro amor. É assim que se apaixona por Boris, um jovem moscovita, desinteressante e taciturno, que sofre sob o jugo do tio Dikoï.
Ao saber que Tikhone deve ir ao mercado de Kazane, Katia compreende o prenúncio duma desgraça terrível. Suplica ao marido que não parta, ou que se tiver de partir, a leve com ele. Mas naquela casa quem decide é a mãe: Tikhone parte, e Katia fica sozinha.
2.º ActoNo 2º acto vemos a despreocupada Varvara entregar a Katia a chave do portão do jardim que conseguiu tirar secretamente à mãe, já que pretende facilitar o encontro de Katia com Boris.
Aquela chave parece queimar as mãos de Katia. Quer deitá-la fora, mas o desejo de se encontrar, ao menos uma vez, com o homem que ama é mais forte.
E é atrás dos jardins dos Kabanov que os dois pares se encontram: Varvara com o professor, e Katia com Boris.
3.º ActoDurante a ausência do marido Katia encontrou-se com Boris.
Agora Tikhone regressou e a consciência da jovem grita mais alto.
Katia não sabe mentir, ela não aceita aquele mundo de hipocrisia e dissimulação onde reinam soberanamente a sogra e o velho Dikoï.
É por isso que revela a Tikhone, diante de todos, a sua infidelidade.
A revelação estoira como uma bomba provocando uma série de reacções em cadeia: Varvara e o professor fogem para Moscovo, "mãe de todas as cidades"; Boris é incapaz de assumir a defesa de Katia, e é enviado pelo tio para a Sibéria. Quanto a Katia não consegue continuar a suportar o sofrimento. Prefere morrer lançando-se nas águas do Volga.
RDP – Transmissões em "Noite de Ópera" desde 1996
2001 – 10 de Novembro
Enredo resumido da autoria de Margarida Lisboa.