Libreto: Illica e Giacosa segundo Murger
Estreia: Turim – Teatro Reggio, 1 de Fevereiro de 1896
Personagens
Mimi
Rodolfo
Marcello
Schaunard
Colline
Musetta
Benoit
Alcindoro
Parpignol
Um sargento
Antecedentes
Entre 1847 e 1849, o “Corsário”, um jornal parisiense, publicou uma série de textos dum escritor, até então desconhecido, chamado Henry Murger – textos que retratavam a vida de artistas e boémios que então povoavam Montmartre e o Quartier Latin, e que surgiram sob o título genérico de Cenas da Vida Bohémia. Esta série de publicações iria trazer notoriedade ao escritor, tendo sido adaptadas para Teatro em 1849, e reunidas num livro dois anos mais tarde. Henry Murger pode ser considerado um percursor da escola realista francesa, e estes seus textos são, de facto, autobiográficos. A vida difícil e aventurosa que neles descreve era a vida que ele próprio conhecia, enquanto escritor e parisiense. Murger intitulava-se “um Poeta da Escola da Tuberculose”, e dizia que a vida boémia era uma antecâmara do hospital e uma academia da morgue. Foi talvez esse realismo, essa autenticidade pouco habitual, que deu tanta força à sua obra, e lhe conquistou uma tão grande popularidade. Mas a sua fama a nível mundial iria ficar a dever-se a um compositor italiano que transformaria as Cenas da Vida Bohémia numa ópera. Estamos a falar de Giacomo Puccini e da sua famosíssima Bohème.
Puccini teve o primeiro contacto com os textos de Murger em 1893 quando Leoncavallo, que com ele colaborara como co-autor do libreto de Manon Lescaut, lhe deu a conhecer um outro seu libreto baseado nos textos de Murger – libreto pelo qual, aliás, Puccini não manifestou então qualquer entusiasmo. Passado um ano, porém, Puccini e Leoncavallo voltam a encontrar-se por acaso num café de Milão, e Puccini declara ter descoberto finalmente o texto ideal para a sua próxima ópera: as “Cenas da Vida Bohémia” de Henry Murger. Por coincidência, era sobre esses mesmos textos que Leoncavallo pretendia escrever uma ópera, declarando mesmo a Puccini ter prioridade sobre os direitos de autor. A polémica vem a público no dia seguinte em dois jornais de Milão: no matutino Il Secolo, com uma declaração de Leoncavallo, e no vespertino Corriere della Sera, com a versão de Puccini. A verdade é que nenhum dos dois iria dar-se por vencido tendo ambos escrito óperas baseadas em textos de Murber. Mas Puccini conseguiu antecipar-se: a sua ópera subiu à cena no dia 1 de Fevereiro de 1896, enquanto que a de Leoncavallo estreou passado mais de um ano.
O libreto da ópera de Puccini foi escrito por Luigi Illica e Giuseppe Giacosa – uma dupla que seria responsável futuramente pelos libretos de Tosca e de Madama Butterfly . Mas Puccini teve também uma importante intervenção no trabalho do texto, já que pretendia que o libreto fosse lógico, conciso, interessante e equilibrado – não dando, para tal, qualquer descanso aos libretistas.
A estreia da Bohème teve lugar em Fevereiro de 1896, mas foi mal recebida pela Crítica que esperava uma obra na linha trágica e vigorosa de Manon Lescaut, e que se surpreendeu com uma escrita musical à maneira de conversa, tendo-se mesmo escandalizado com as audácias no campo da Harmonia, como as célebres sequências de quintas do início do 2º e do 3º atos. Mal recebida pela crítica a Bohème acabaria por obter um sucesso sem precedentes por parte do Público, tornando-se, muito provavelmente, a mais popular ópera de Puccini.
Como curiosidade podemos referir que a direcção desse primeira apresentação da Bohème esteve a cargo dum jovem Maestro de 28 anos chamado Arturo Toscanini.
1º Ato
A ópera começa com um ato que não estava previsto no primeiro rascunho do libreto, mas que foi criado por exigência expressa de Puccini. Esse acto surge de facto como uma forma de apresentação das personagens e traz uma maior consistência à narrativa. Passa-se em Montparnasse, numa águas-furtadas, onde o Pintor Marcello e o Poeta Rudolfo (que também escreve para jornais) trabalham sem grande entusiasmo. É véspera de Natal, está muito frio e não têm lenha, o que os leva a sacrificar alegremente um manuscrito do Poeta. Entretanto chega Colline, um Filósofo, amigo de ambos, e, instantes mais tarde, chega Schaunard, um músico, que traz comida e lenha compradas com dinheiro ganho de forma inesperada. É no meio dos festejos da súbita Fortuna que surge Benoit, o proprietário do prédio, que vem reclamar as rendas em atraso. Os quatro artistas recebem-no com uma cordialidade algo preocupante.
A verdade é que não têm qualquer intenção de pagar a renda. Levam-no, para tal, a confessar algumas fraquezas contra as quais manifestam uma enorme indignação, acabando por expulsá-lo da mansarda. Marcello, Colline e Schaunard decidem ir festejar o Natal para a rua. Rudolfo promete ir ter com eles mais tarde, mal acabe de escrever o artigo que tem em mãos. Os três partem e Rudolfo fica sozinho. Passados instantes batem à porta. É uma vizinha que vem pedir lume para a sua vela que se apagara. Rudolfo dá-lhe lume e acompanha-a até à porta. Aí a jovem descobre que perdeu a chave do seu quarto, e os dois regressam ao interior para a procurar. As velas apagam-se e é na obscuridade que falam de si, das suas vidas. A jovem diz chamar-se Mimi, aliás Lucia, e diz trabalhar como bordadeira. Rudolfo diz que é Poeta e declara-lhe o seu amor. Ouvem-se as vozes dos outros na rua. Rudolfo quer ficar mas Mimi mostra vontade de festejar o Natal com os amigos do Poeta. Acabam por sair juntos.
Assim termina o 1º ato.
2º Ato
O 2º ato passa-se nas ruas do Quartier Latin na mesma noite, noite de Natal e nele assistimos à agitação da vida boémia parisiense tal como é retratada nos textos de Murger. A Marcello, Colline e Schaunard junta-se Rudolfo que lhes apresenta a sua nova conquista, a sua vizinha Mimi. Depois, com grande espalhafato, chega Musetta, antigo amor de Marcello, que vem acompanhada pelo velho Saint-Phar, seu atual protector. Musetta canta e fala alto, tudo fazendo para chamar a atenção de Marcello – o que acaba por conseguir. A conta da ceia é sub-repticiamente entregue ao velho enquanto o quarteto de artistas sai de cena na companhia das duas jovens, Musetta e Mimi.
3º Ato
O 3º ato passa-se nas ruas dum bairro limítrofe da capital parisiense, junto da entrada dum cabaret, “O Porto de Marselha”, onde o Pintor Marcello está hospedado com Musetta e que paga em troca de alguns quadros, e onde naquela noite, também lá ficaram Rudolfo e Mimi. É Janeiro e as ruas estão cobertas de neve. Mimi procura Marcello queixando-se de Rudolfo que manifesta constantes crises de ciúme. Rudolfo aproxima-se e Mimi esconde-se. Então Marcello tenta saber, por Rudolfo, o que se passa, e o Poeta diz ter medo daquilo que possa acontecer com Mimi. Ela está muito doente, tuberculosa, e ele não tem meios para lhe proporcionar a vida de que ela necessitaria para se tratar. Escondida, Mimi escuta toda a conversa, e um súbito ataque de tosse chama a atenção de Rudolfo para a sua presença. Então Mimi diz que o vai deixar, e o ato termina entre as juras de amor de Rudolfo e Mimi, e uma discussão acalorada de Musetta e Marcello.
4º Ato
O 4º ato passa-se no mesmo cenário do 1º: uma águas-furtadas em Montparnasse. Marcello e Rudolfo conversam. Rudolfo viu recentemente Musetta; Marcello esteve com Mimi. Falam de ambas com aparente desprendimento que acaba por se transformar em manifestações de profunda tristeza pela separação. Chegam Colline e Schaunard que confirmam a habitual e calamitosa situação económica do pequeno grupo de amigos – situação que é, aliás, festejada alegremente por todos. Mas os festejos são interrompidos pela chegada de Musetta que traz consigo Mimi, moribunda. Ela foi abandonada pelo protector, e quer partilhar as suas últimas horas com Rudolfo. Todos quereriam poder dar-lhe calor e conforto, mas não têm nada, nem comida nem sequer lenha para o fogão. Musetta decide sacrificar os seus brincos e Colline o seu precioso casacão, já verde de tanto uso. Saem todos deixando sós Rudolfo e Mimi para uma última troca de juras de amor. Quando regressam, Musetta entrega a Mimi o pequeno regalo de peles com que tanto sonhara. Instantes depois a jovem morre.
Os outros sussurram sem saber como contar a Rudolfo que acaba por compreender caindo junto de Mimi a soluçar.
RDP – Transmissões em “Noite de Ópera” desde 1996
1996 – 27 de Junho
1999 – 9 de Setembro
Enredo resumido da autoria de Margarida Lisboa.