Libreto Louis Gallet
Estreia Ópera de Paris, no dia 16 de Março de 1894
AntecedentesA ópera Thaïs, de Jules Massenet, tem como base a novela com o mesmo nome publicada em 1890 por Anatole France, um dos escritores mais importantes da transição do século XIX para o século XX em França. Céptico em relação à religião organizada e um apaixonado pela sensualidade do amor, Anatole France serve-se de um assunto à partida religioso para nos mostrar o confronto entre o amor carnal e o amor espiritual, o que causou um verdadeiro furor entre os circuitos intelectuais franceses do final do século XIX. A base desta novela é a história de Santa Thaïs do Egipto, resgatada da prostituição pelo monge Paphnutius (na ópera, Athanaël) que a converte a uma vida de santidade, acabando ele por se tornar numa vitima da carnalidade.
Massenet não hesitou em entregar o papel principal de Thaïs à sua soprano de eleição Sybil Sanderson que, para além dos seus dotes vocais, era conhecida pela sua sensualidade, ideal para representar Thaïs. O libertista responsável por adaptar o texto de Anatole France foi Louis Gallet e a ópera seria estreada na Ópera de Paris, no dia 16 de Março de 1894.
ResumoI Acto
A ópera inicia-se no mosteiro de Athanaël situado no deserto do Egipto. Athanaël regressa de uma viagem à sua terra natal, Alexandria. Está triste com o facto da sua cidade se ter tornado tão imoral. Para ele, Thaïs é o símbolo de toda a depravação – de modo que quer voltar e salvar a sua alma. Palémon, um monge mais velho, diz-lhe que ele não se deve meter nos assuntos mundanos. Mas Athanaël tem um sonho muito perturbador com Thaïs, sonho esse que ele considera ser um sinal de Deus para a converter. Assim, a cena acaba com Athananël a deixar o mosteiro.
O sonho de Athanaël é descrito muito graficamente pela música: as cordas tocam uma melodia que parece sensual e pura. Depois torna-se apenas sensual e um pouco espalhafatosa. Claro que Athanaël não consegue lidar com o facto de estar a ter uma fantasia sexual onde vê Thaïs rodeada de homens. Acorda e anuncia a sua missão aos outros monges: vai salvar Thaïs! – Deve-se acrescentar que quando era novo, Athanaël vivia em Alexandria e costumava frequentar ao bordel onde Thaïs trabalhava. Só depois se dedicou à vida monástica.
Na próxima cena, Athanaël chega a Alexandria. Vai para casa de um amigo rico de juventude que se chama Nicias. Acontece que Nicias é o actual amante de Thaïs – pagou pela sua companhia por uma semana. A cena passa-se no último dia em que estão juntos, de modo que Nicias oferece um banquete em sua homenagem. Desta maneira Athanaël vai ter oportunidade encontrar Thaïs. As criadas de Nicias arranjam as suas roupas para festa.
Finalmente chega Thaïs. Athanaël tenta convertê-la mas ela troça dele. Canta "Atreve-te a vir, tu que desafias Vénus!". Neste momento é como se houvesse uma paragem no tempo, como se o mundo paralisasse para a ouvir – as suas linhas tornam-se livres e sinuosas, flutuam de acordo com os seus caprichos. Já a música de Athanaël é muito apaixonada. Ele está convencido de que se trata de uma paixão religiosa, mas parece mais do que isso. Há muito zelo na ária do início desta cena. Saúda Alexandria, a cidade onde costumava viver. Está intimidado e desgostoso com a cidade – a sua riqueza, o seu conhecimento, a sua beleza… Na verdade, os seus sentimentos são uma versão de repulsa, porque costumava fazer parte desta cidade. Acabamos por descobrir que ele era rico quando ali viveu na sua juventude.
II Acto
O segundo acto passa-se já depois da festa. Thaïs está sozinha. Canta a ária mais famosa da ópera, onde Thaïs pede ao espelho que lhe dê a beleza eterna. Mas ela sabe que não pode ser – Thaïs vê-se a envelhecer, tem medo de perder tudo.
Depois aparece Athanaël que lhe diz ter para lhe oferecer um género de amor que ela desconhece… Thaïs responde: "Vieste demasiado tarde. Já conheço todos os géneros de amor."
Contudo, Thaïs fica fascinada com a descrição do amor espiritual – que segundo Athanaël durará para sempre. E Athanaël sente-se tentado pela sua beleza física. Há uma batalha de vontades a vários níveis. Ouvimos Athanaël a rezar a Deus para que lhe dê forças para resistir a Thaïs, enquanto ela canta um sedutor encantamento a Vénus. Depois Athanaël parte para o ataque e Thaïs fica aterrorizada, agitada. Defende-se dizendo que não tem culpa de ser bonita. Quando pensamos que Athanaël a está a convencer, ouvimos Nicias ao longe – está a chegar para a sua última noite com Thaïs. Isto faz com que Thaïs entre em histeria. Thaïs termina em ataques de gargalhadas e depois desmaia.
Segue-se a "Meditação" para violino, talvez a peça mais famosa de Massenet, ultrapassando em fama a própria ópera. Mas quando a ouvimos no seu contexto, ganha outro sentido, tornando-se muito comovente. Representa a transformação espiritual de Thaïs.
Assim, na cena seguinte, Thaïs decide partir com Athanaël e entrar para um convento. Athanaël obriga-a a incendiar a sua casa e tudo o que lá se encontre. Thaïs pergunta se pode ficar com uma pequena estátua do Deus do Amor… Mas Athanaël descobre que é um presente de Nicias e como tal não pode ser.
Nicias chega – está na farra com uns amigos e uma dançarina e um cantora que executam uma dança exótica para eles… Mas depois os homens da cidade descobrem que Thaïs vai partir e ficam furiosos. Acusam Athanaël e preparam-se para o matar. É Nicias quem o salva atirando dinheiro à multidão. Todos se distraem e Thaïs e Athanaël conseguem escapar. O pano cai.
III Acto
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Thaïs e Athanaël vão a caminho do convento. Athanaël obriga-a a caminhar pelo deserto para atenuar os seus pecados. Thaïs está exausta e Athanaël começa a sentir pena dela. Param para descansar num oásis perto do convento – Esta cena foi acrescentada em 1897, numa reposição três anos após a estreia – ficamos com a sensação de que o amor de Athanaël por Thaïs é demasiado terno para ser puro. O dueto quase que parece uma dueto de amor. Dizem coisas como "Eu pertenço-te. A minha vida é tua." Não é nada claro estarem a falar de um amor religioso. É também aqui que os dois caminhos se cruzam – Thaïs está a deixar a sua vida passada e a compaixão de Athanaël está a transformar-se numa paixão real.
Quando chegam ao convento, Thaïs é recebida pelas freiras. Quando parte, Athanaël apercebe-se de que nunca mais a irá ver…
Athanaël regressa à sua casa no mosteiro. Mas não é o mesmo. Confessa ao monge mais velho que deseja Thaïs, fisicamente. O monge diz-lhe que ele nunca deveria ter ido ter com ela. Desde que regressou que Athanaël não come nada. Durante o sono tem visões de Thaïs. O primeiro, erótico. No segundo fica a saber que Thaïs está a morrer. Corre ao convento para a ver de novo. Aqui há um interlúdio na orquestra.
Athanaël encontra de novo Thaïs e ela está quase a morrer. Diz-lhe que estava completamente enganado: o amor humano é a única coisa verdadeira na vida e que a ama. Mas Thaïs não o ouve. A sua alma já está a caminho do Céu e morre feliz. Esta cena final é ao mesmo tempo comovente e perturbadora. Thaïs transcendeu o seu passado. Vê o céu à frente dela e conseguimos ouvir isto na sua música. Mas Athanaël é deixado com a verdade de que a sua devoção foi uma mentira.
Somos deixados com uma mistura de sentimentos. Ouvem-se muitos temas musicais que se juntam: o sensual, o santo, o estático, as naturezas conflituosas das duas personagens principais… Mais uma vez ouvimos excertos da "meditação" que reaparece neste acto várias vezes para fazer efeito e não apenas na orquestra. No dueto final, Thaïs canta por duas vezes um Ré agudo, reflectindo notas presentes na "meditação". Quando ouvimos a versão instrumental no segundo acto é um reflexo do despertar espiritual de Thaïs, mas agora é o seu êxtase religioso.