AntecedentesMessiaen demorou quase dez anos a compor a sua única ópera: São Francisco de Assis, uma ópera em três actos e oito cenas. É uma peça ambiciosa, que junta o "velho Messiaen" das melodias longas e extáticas ao "novo Messiaen" dos cantos dos pássaros. Não tem a carga dramática usual duma ópera e inclui blocos de som quase estáticos. As personagens são todas monges, excepto o Anjo e o Leproso, e o objectivo de Messiaen é "mostrar o percurso da Graça na alma de São Francisco". "São Francisco de Assis" foi estreada no dia 28 de Novembro de 1983 em Paris.
Apesar do muito tempo que dedicou ao estudo das óperas de Mozart e de Wagner, Messiaen nunca pensou em escrever uma ópera, de tal maneira que quando, em 1971, Rolf Liebermann, na altura o director da Ópera de Paris, lhe encomendou uma ópera ele recusou. Mas Liebermann não desistiu e voltou à carga. Desta vez convidou Messiaen para um jantar no Palácio do Eliseu, dado pelo presidente Georges Pompidou. A estratégia de Liebermann era perfeita – no final do jantar o presidente virou-se para Messiaen e disse-lhe: "Você tem que escrever uma ópera para a Ópera de Paris". Messiaen não podia recusar um pedido do presidente. Católico fervoroso como era, pensou imediatamente em temas relacionados com a vida de Cristo, nomeadamente na Paixão e na Ressurreição. No entanto Messiaen não se sentia digno de tal missão e assim optou por dramatizar a vida de São Francisco de Assis, fazendo um paralelo com a castidade, humildade e sofrimento de Cristo.
Ao princípio Messiaen avançou muito rapidamente com a composição ópera, uma vez que esta se tinha tornado no seu único projecto. Em 1977 estava pronto para apresentar a versão não orquestrada de São Francisco na Ópera de Paris. Contudo foi já sobre alguma pressão que Messiaen terminou a orquestração por em 1980. A direcção da Ópera de Paris começava a revelar alguma impaciência e, durante esse ano, alguém fez chegar à rádio a informação de que Messiaen estava a trabalhar naquela ópera, o que ia contra a vontade do compositor em só revelar ao público o seu trabalho depois de finalizado.
Um ano antes, em 1979, Messiaen tinha pedido à Ópera de Paris que lhe prolongasse o prazo para poder terminar a sua ópera. A direcção da ópera acedeu e foi arranjada uma nova data em 1983. No entanto era agora a saúde Messiaen que começava a deteriorar-se. Em 1981 adoeceu por várias vezes, o que o levou a duvidar de ser capaz de terminar o projecto. Quando em Dezembro de 1981 revelava querer desistir da sua ópera, motivado por uma depressão, o seu medico aconselhou-o a dar passeios para recuperar a sua forma. Messiaen passou assim a deslocar-se diariamente à Sacre Coeur para assistir à missa da tarde. Segundo Messiaen, foram estes passeios que o encorajaram a acabar a sua obra.
ResumoCada cena é inspirada em Fioretti e Considerações Sobre os Estigmas, livros escritos por franciscanos anónimos durante o século XIV. Temos assim 7 capítulos: São Francisco; O Leproso; O Anjo; Irmão Elias; e três monges especialmente próximos a São Francisco – Irmão Leo; Irmão Masseo e Irmão Bernard. Ao longo de cada uma das cenas assistimos a o percurso da Graça na alma de São Francisco.
I Acto
Itália. Século XIII
1ª Cena: A Cruz
São Francisco explica ao irmão Leo que para ser digno do amor de Cristo ele deve saber aguentar todas as contradições e todos os sofrimentos. Esta é a "verdadeira alegria".
2ª Cena: Laudes
Depois das primeiras orações da manhã, São Francisco fica só. Ele pede a Deus a capacidade de poder amar os leprosos.
3ª Cena: O Beijo Leproso
Num refugio de leprosos, os monges são confrontados com as consequências horríveis daquela doença. Ali encontra-se um leproso que lhe fala do estigma daquela doença. São Francisco chega e senta-se ao lado dele. Nesse momento aparece um Anjo que diz ao leproso: "o teu coração acusa-te, mas Deus é maior que o teu coração". Perante a bondade de São Francisco, o leproso mostra forte arrependimento pelas suas faltas. São Francisco abraça-o e, miraculosamente, aquele homem fica curado acabando a dançar de alegria. Mais importante que a cura do leproso é o poder da Graça que aumenta em São Francisco que assim venceu os seus receios pondo-se ao serviço de Deus.
II Acto
4ª Cena: O Anjo Viandante
No caminho para La Verna aparece um Anjo, disfarçado de viajante. Quando bate à porta do mosteiro, ouve-se um grande estrondo. Quem abre a porta é o irmão Masseo. O Anjo pergunta ao irmão Elias, o vigário da ordem, uma pergunta sobre predestinação. O irmão Elias recusa-se a responder e expulsa o Anjo do mosteiro. O Anjo volta a bater à porta e faz a mesma pergunta, agora ao irmão Bernard, que lhe responde com grande sabedoria. Quando o Anjo se vai embora, os irmãos Bernard e Masseo olham-se com alguma incredulidade e comentam: "Talvez fosse um Anjo!"
5ª Cena: O Anjo Músico
O Anjo aparece a São Francisco e, para lhe dar um vislumbre da harmonia celeste, toca-lhe a sua viola. O solo é tão glorioso que São Francisco desfalece.
6ª Cena: O Sermão aos Pássaros
São Francisco está em Assis e atrás dele encontra-se um carvalho repleto de pássaros. Seguido do irmão Masseo, São Francisco volta-se para o carvalho e começa a pregar aos pássaros. No final abençoa-os. No final os pássaros respondem-lhe com um grande coro onde se distinguem não só os pássaros da Umbria, como os pássaros vindos de várias regiões, algumas bem distantes.
III Acto
7ª Cena: Stigmata
Em La Verna à noite, São Francisco encontra-se só à entrada de uma gruta, por baixo de uma rocha que ameaça cair. Aparece uma grande cruz. É então que se ouve a voz de Cristo, simbolizada pelo coro. Aparecem cinco feixes de luz em forma de setas que atingem sucessivamente as duas mãos, os pés e o lado direito de São Francisco acompanhados do mesmo som terrífico que acompanhou o bater da porta do Anjo. Estas cinco marcas simbolizam as cinco chagas de Cristo, confirmação da santidade de São Francisco.
8 Cena: Morte e Nova Vida
São Francisco está a morrer. Está rodeado por todos os seus irmãos. Ele despede-se de todos e canta uma canção à morte. O irmãos entoam o salmo 141 e o Anjo e o Leproso aparecem a São Francisco que diz as suas ultimas palavras: "Senhor! A Musica e a Poesia levam-me até Vós…" depois morre. Ouvem-se sinos. Enquanto o coro canta um hino de ressurreição aparece um caminho de luz onde antes estava o corpo de São Francisco. A luz vai crescendo até que se torna ofuscante. A ópera termina.