Ler é transformarmo-nos, de um em muitos, de singular a plural.
Eugénio Lisboa, em Indícios de Oiro
Morreu Eugénio Lisboa. Poeta, ensaísta, crítico literário, memorialista, professor de literatura.
Amante de gatos, personalidade lúcida da cultura portuguesa, grande estudioso dos modernismos literários da primeira metade do século XX – Do «Orpheu» ao Neo-Realismo -, focou amiúde a sua investigação em José Régio, do qual era um dos maiores especialista, publicando variados livros sobre este escritor presencista: de José Régio – antologia, bibliografia, introdução e notas (1957) a José Régio. A Obra e o Homem (1976) ou a direção nos últimos anos, para a Imprensa Nacional – Casa da Moeda, da edição das Obras Completas de José Régio.
Luís Caetano, no programa A Ronda da Noite, presta-lhe homenagem, evocando a sua obra, nomeadamente com excertos de Uma conversa silenciosa (2019) e de Indícios de Oiro (2009).Na 1ª emissão, recupera a Conversa com o poeta, em 2010, aquando da edição do volume de ensaios Indícios de Oiro, compilação de décadas da sua intervenção crítica assinalando os seus 80 anos. Os livros e a leitura, as obras e outros escritores, as memórias dos lugares desde a infância, e olhares lúcidos sobre as letras e o mundo.
Na 2ª emissão, a conversa vem a propósito do regresso de Eugénio Lisboa à Poesia 20 anos depois, com o livro Poemas em Tempo de Peste (2020), escrito durante a pandemia, um livro de intervenção política, entre a sátira e a melancolia. Pode escutar-se o poeta a ler alguns versos deste livro.
No programa A Vida Breve, podemos escutar a poesia pela voz do autor:
Poema As mães
Poema Nuno Melo campeador
Poema Os olhos do gato em versos de cinco sílabas
Poema No tempo em que, Fernando
(dedicado a José Craveirinha)
Poema Convite aos poetas da República
Poema Versinhos de um poeta com algumas dificuldades de conjugação
Poema Outro Soneto à Língua Portuguesa
Poema Versinhos mais ou menos decassilábicos em tempo de peste
Eugénio Lisboa nasceu em Lourenço Marques (atual Maputo), em 25 de Maio de 1930. Após o curso dos liceus nesta cidade, partiu para Lisboa com 17 anos; aí se licenciou-se em engenharia eletrotécnica, no Instituto Superior Técnico.
Regressou à capital de Moçambique em 1955, onde desenvolveu intensa atividade cultural, na imprensa, no Cineclube e no Rádio Clube, tendo codirigido com o amigo Rui Knopfli, suplementos literários de jornais desafetos do regime colonial, casos de A Tribuna e A Voz de Moçambique, usando por vezes, e devido à censura do Estado Novo, os pseudónimos literários de Armando Vieira de Sá, John Land e Lapiro da Fonseca.
Foi professor do ensino técnico e calculou a rede de iluminação pública da cidade (1955/1956). Entre 1956 e 1958 esteve na cidade da Beira, como chefe de exploração da rede elétrica da cidade. Em 1958 entra para a Total Oil Products, primeiro, como gerente técnico das instalações da Matola, depois, como gerente geral, até 1976, ano em que sai de Moçambique. Foi, em acumulação, diretor geral da Sonap Moçambique e da SONAREP (refinaria).
Em 1977 foi Leitor de Português na Universidade de Estocolmo e coordenador do ensino de Português na Suécia.
Entre 1978 e 1995, foi Conselheiro Cultural na Embaixada de Portugal em Londres, sendo condecorado como tenente da Royal Victorian Order; nos três anos seguintes foi Presidente da Comissão Nacional da UNESCO.
A partir de 1996 até 2002, foi Professor Catedrático Visitante, de Literatura Portuguesa, na Universidade de Aveiro. Foi ainda, durante um período, “senior lecturer” de Literatura Portuguesa, na University of South Africa (UNISA), em Pretoria, da qual se tornou examinador externo. Em 1975 foi, durante um ano, professor convidado da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo (Análise da Narrativa). Foi também Professor Catedrático Especial de Estudos Portugueses da Universidade de Nottingham. Recebeu os títulos de Doutor Honoris Causa pelas Universidades de Nottingham e de Aveiro.
Colaborou em jornais e revistas de Moçambique, Angola, Portugal (Jornal de Letras, Ler, A Capital, Diário Popular, O Tempo e o Modo, Colóquio-Letras, Nova Renascença, Oceanos entre outros), Inglaterra, Estados Unidos, França, etc.; assinou dezenas de introduções, prefácios, posfácios e recensões críticas. Fez conferências e dirigiu seminários nas universidades de Londres, Oxford, Cambridge, Leeds, Manchester, Newcastle, Birmingham, Sheffield, Nottingham, Cardiff, Nápoles, Santa Barbara (Califórnia), Providence, Coimbra Lisboa, Porto, João Pessoa, Rio, Hamburgo, Colónia, Aix en-Provence, Estocolmo, Zurique, e fora de universidades, Genebra, Madrid, Roma, Dublin, etc.
Foi galardoado com o Prémio da Cidade de Lisboa, pelo livro A Matéria Intensa (1985), e com o Prémio da Associação Internacional dos Críticos Literários, para o livro Portugaliae Monumenta Frivola (2000).
Era membro da Academia das Ciências de Lisboa, na Classe de Letras e foi agraciado com os graus de Oficial da Ordem do Infante D. Henrique (1980), Comendador da Ordem do Mérito (1993) e Comendador da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada (2019).
O poeta Eugénio Lisboa morreu na manhã de dia 9 de Abril, em Lisboa, aos 93 anos.
Fotos Jorge Carmona / Antena 2