No centenário de Richard Burton, que se assinala a 10 de novembro, a Antena 2 celebra a memória e a vida cheia do maior ator galês, com Inês N. Lourenço a seguir as pistas da sua arte do monólogo e o talento esculpido entre o teatro e o cinema, sem esquecer o romance ardente com Elizabeth Taylor e o orgulho da terra natal.
10 Novembro | 22h00
Richard Burton, 100 anos – um galês em Hollywood
Por Inês N. Lourenço
Richard Burton era um herói galês. Considerava ser essa a sua maior bênção: ter nascido numa terra de heróis de glória austera, que tanto se encontravam nas minas como nos campos de râguebi, nos pubs ou na poesia – de Dylan Thomas a R. S. Thomas.
Ator de origens humildes, ao longo da carreira seria nomeado para 7 Óscares e admirado pelos seus pares, tanto no teatro como no cinema. Por duas vezes casou com a mesma mulher, Elizabeth Taylor (ao seu tempo, a estrela de cinema mais bem paga do mundo), e a mitologia de ambos oscilou entre a grandeza do ecrã e a vida mediática, feita de paixão, joias, álcool e papparazzi; no caso de Burton, sempre com a literatura e o País de Gales no coração.
Nasceu Richard Walter Jenkins Jr., a 10 de novembro de 1925, em Pontrhydyfen, filho de um mineiro com uma vasta prole – eram treze descendentes, Richard o 12º -, e nem chegou a ter lembranças da mãe, que morreu quando tinha apenas 2 anos. Com essa idade, foi levado para a casa da irmã mais velha, em Port Talbot, onde cresceu aos seus cuidados. A formação que o transformou numa das maiores vozes do teatro e cinema veio, porém, não só dos livros que lia espontaneamente, mas sobretudo da figura de um professor, Philip Burton, que lhe deu o apelido como forma de o ajudar a obter uma bolsa de estudo para a Universidade de Oxford.
Tendo prestado serviço na RAF entre 1944-47, pouco depois da estreia no palco aos 18 anos, Richard Burton voltaria a Londres e às adaptações teatrais de Shakespeare, que vieram a defini-lo como um ator de essência shakespeariana, em qualquer ocasião. Mesmo no contexto do cinema, que não tardou a entrar na sua vida: deu os primeiros passos em terras galesas num filme de Emlyn Williams, The Last Days of Dolwyn (1949), e em 1952 já estava em Hollywood, contracenando com Olivia de Havilland em A Minha Prima Raquel, uma adaptação de Daphne du Maurier, por Henry Koster. O mesmo realizador que voltou a chamá-lo para ser protagonista de A Túnica (1953), esse primeiro filme rodado em CinemaScope, numa altura em que o público começava a trocar a sala de cinema pela televisão – já era assim.
O único senão é que a década de 1950 iria limitar Burton à imagem dos dramas históricos, onde se incluem, por exemplo, o filme biográfico O Príncipe dos Atores (1955), de Philip Dunne, sobre Edwin Booth, o ator irmão do homem que matou o Presidente Lincoln, e Alexandre, O Grande (1956), de Robert Rossen, onde é também a personagem titular. Entre as produções teatrais na Grã-Bretanha, filmes enriquecedores do seu registo fatalista, como Cruel Vitória (1957), de Nicholas Ray, experiências no cinema inglês, como o título de Tony Richardson baseado na peça de John Osborne, Look Back in Anger (1959), ou um sucesso na Broadway, Camelot (1960), Richard Burton entrava na década de 60 com um misto de convicção e desconfiança em relação à câmara, como se estivesse à espera do tipo de personagem que lhe permitisse viver no ecrã a vertigem de si próprio.
Emoções fortes chegariam, pois, com Marco António em Cleópatra (1963), a megaprodução que quase levou a 20th Century Fox à falência, não sem antes gerar um dos romances mais ardentes e escandalosos da história mediática de Hollywood: Burton e Elizabeth Taylor, a Cleópatra do filme, tinham então cada um o seu casamento, mas nenhuma aliança resistiu ao impulso desta paixão instantânea. Reza a lenda que, no primeiro dia em que trabalharam juntos, Richard estava de ressaca, e Elizabeth, vendo que ele tentava beber café com as mãos a tremer, lhe levou a chávena à boca, enquanto os seus olhares se cruzavam…
O encontro proporcionado por Cleópatra marcou o resto da carreira de Richard Burton, que passou a centrar as suas escolhas em produções com Liz Taylor – fizeram 11 filmes juntos –, destacando-se nessa dupla cinematográfica Quem Tem Medo de Virginia Woolf?, de Mike Nichols, que no ano de 1965 parecia transpor para o grande ecrã o jogo perigoso que era a relação dos dois, aqui nos papéis de um professor e a sua frustrada esposa, um casal de meia-idade entre discussões e álcool. Valeu-lhe a quinta nomeação para o Óscar.
Só nesses anos 1960, obteve outras duas: uma por Becket, mais um épico histórico, de Peter Glenville, outra por O Espião que Saiu do Frio, de Martin Ritt, adaptação do romance homónimo de John le Carré. Sem nomeação, mas dirigido por um dos realizadores notáveis de Hollywood, John Huston, Burton tem também uma interpretação inesquecível em A Noite de Iguana, de 1964, a fazer de sacerdote no México, na companhia de Ava Gardner, Deborah Kerr e Sue Lyon.
Nos últimos anos da sua filmografia, salta à vista o papel de um psiquiatra em Equus, filme de Sidney Lumet, que não perdeu a oportunidade de ter Richard Burton a exercitar a arte do monólogo como só ele. Ainda deu corpo a Wagner, numa minissérie dos anos 1980, regressou aos palcos da Broadway com Camelot (o sucesso dos anos 60) e com a peça Private Lives, de Noël Coward, onde voltou a contracenar com Liz Taylor, de quem já estava separado.
Richard Burton morreu a 5 de agosto de 1984, em Genebra, contava 58 anos. Teve uma vida de ação, copos, cigarros, e dores escondidas, que, nas horas vagas, foi também repleta de literatura. Dizia que a “única coisa que importa na vida é a linguagem. Não o amor, nada mais”.
Inês N. Lourenço