A Fome, Todos os Dias
Quase 120 milhões – ou seja, mais de metade da população – vive com algum grau de insegurança alimentar.
As estatísticas são da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, uma organização independente que junta investigadores e universidades de todo o país.Os números são, no entanto, contestados pelo presidente do Brasil e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, que nega a existência de fome no país: “fome no Brasil? Fome para valer? Não existe da forma como é falada”, afirma Bolsonaro, argumentando que “se for a qualquer padaria não tem ninguém pedindo para você comprar um pão para ele, isso não existe”.
Na semana em que o Brasil vai a votos, os índices de fome e pobreza podem ditar quem será o próximo presidente.
O país voltou ao mapa da fome das Nações Unidas e mais de 180 mil pessoas moram na rua.
Só na cidade de São Paulo, são mais de 40 mil pessoas, de acordo com os dados mais recentes do Observatório brasileiro que acompanha a população em situação de sem-abrigo.
É um dos grupos mais atingidos pelo aumento da fome no país, tal como as mães solteiras negras que vivem na periferia das cidades ou as comunidades indígenas.
Em São Paulo, a maior cidade brasileira e a mais populosa da América do Sul, a repórter Isabel Meira acompanhou o trabalho do padre Júlio Lancelotti, que já foi elogiado pelo Papa Francisco, e que criou o Observatório de Aporofobia, para lutar contra o medo, a aversão ou o ódio aos pobres.
A realidade em São Paulo cruza-se com o diário escrito na década de 50 do século passado por Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras e mais importantes escritoras negras do Brasil, autora de Quarto de Despejo – diário de uma favelada.
A repórter Isabel Meira visitou em casa um dos mais importantes escritores vivos do Brasil, Raduan Nassar, 86 anos. Numa rara entrevista, o autor de Lavoura Arcaica, vencedor do Prémio Camões em 2016, manifesta-se optimista em relação ao futuro do país, apesar de observar que “o Brasil está vivendo um momento de muita destruição”.
Com versos de Carlos Drummond de Andrade e música de Gilberto Gil na cabeça, o filósofo indígena Ailton Krenak caminha pelo centro de São Paulo: “você anda pelas cidades e você vê as pessoas apodrecendo nas calçadas, misturadas com lixo”.