3as feiras | 12h30 | 18h30
De Janeiro a Dezembro de 2019
Um programa de Lídia Jorge
Vai para treze anos que Thomas Friedman publicou um livro com o título de O Mundo é plano, considerado por muitos uma obra popular irrelevante, e no entanto o equívoco de que parte deveria merecer o melhor da nossa atenção. Nessas páginas, o desenho que o colunista do New Yook Times faz do mundo contemporâneo, em função da actual redução das distâncias, da simultaneidade dos actos em sequência, e da homogeneização das culturas, tomando por base a revolução tecnológica em curso, corresponde a uma fantasia vivida como utopia mobilizadora um pouco por toda a parte. Mesmo quando não nos apercebemos, ela caminha a nosso lado e conduz-nos para um lugar que, de tanta abrangência e simplificação, é incapaz de desenhar um horizonte que se compagine com o humano.
Felizmente que para combater semelhante utopia e torná-la insignificante, milhares de vozes, dia após dia, se encarregam de falar do outro mundo, o paralelo, aquele que permanece fiel ao reconhecimento de que a Natureza é coisa extensa, que o tempo do espírito não tem cronómetro, que a realidade sempre será múltipla e sempre será relatada com o pressuposto de que é inapreensível e inenarrável, e por isso devemos tentar descrevê-la a partir de infinitos pontos de vista. Na altura, eu imaginei juntar-me aos demais, escrevendo crónicas que tivessem por base a metáfora dos planetas esféricos, para dizer que a realidade é infinitamente complexa em todos os sentidos. Fui alimentando essa ideia, mas só agora quis o acaso que tivesse encontrado forma de passar da intenção à prática.
Por isso mesmo este programa acabará por ter um sub-título escondido – E no entanto o Mundo continuará redondo.
Lídia Jorge