Temporada de Concertos Antena 2
Ciclo PortugalSom
em parceria com a Direção Geral das Artes e a ESML
17 junho | 19h00
Auditório Vianna da Motta da
Escola Superior de Música de Lisboa | PortugalSom
Entrada gratuita
Quarteto Tágide | Laboratório de Música Mista José Luís Ferreira da ESML
Quarteto Tágide
Vicente Sobral, primeiro violino
Ana Sofia Faria, segundo violino
Raquel Agostinho, viola d’arco
Inérzio Macome, violoncelo
Laboratório de Música Mista José Luís Ferreira da ESML
Bruna Pinto, flauta
Henrique Fialho, clarinete
Ana Sofia Faria, violino
Maria Francisca Marques, violoncelo
António Narciso, piano
Mattia Giusteto, eletrónica
Luís Vieira, direção
Programa
Quarteto Tágide
Joly Braga Santos (1924-1988) – Quarteto de Cordas n.º 2, opus 27 em lá menor I. Largo – Allegro moderato
Laboratório de Música Mista José Luís Ferreira da ESML
Marta Domingues (2000) – Instantes para electrónica com difusão espacial
Mariana Vieira (1997) – O Encontro Inesperado do diverso para electrónica com difusão espacial
António Sousa Dias (1959) – Mise en page #2 para quinteto e electrónica
Notas ao programa
Não me considero compositor, mas sim inventor de música.
Joly Braga Santos
Foi há cem anos, em 1924, que nasceu Joly Braga Santos. É um dos mais incontornáveis compositores portugueses do século XX, tendo sido marcado pela influência dos mestres Luís de Freitas Branco e Virgílio Mortari, em Lisboa e em Roma, respetivamente.
Reconhecido pela monumentalidade e lirismo ímpar das suas obras orquestrais, a sua obra divide-se, sensivelmente, em dois grandes períodos. O primeiro, marcado por uma linguagem modal, lírica e mais tradicional, apresenta influências do canto gregoriano e música renascentista, bem como da música tradicional portuguesa. A riqueza do modalismo português, nomeadamente do folclore alentejano, é paradigmática na sua obra. A partir dos anos 60, a sua linguagem expandiu-se, em resposta às correntes predominantes europeias, tornando-se mais cromática, densa e menos melódica.
É neste panorama que surge o Quarteto de Cordas n.º 2 em Lá menor, op. 27, composto em 1957. Enquanto obra de música de câmara, revela um carácter mais intimista de um compositor por excelência orquestral, que procura transportar essa sonoridade para a formação de câmara. Apesar do ano de composição, a obra apresenta maioritariamente elementos modais e líricos, sendo evidente a sua predileção pela melodia e harmonias de quartas e quintas. É constituído por três andamentos, dos quais serão apresentados neste concerto os dois primeiros.
No primeiro andamento, o violoncelo inicia o quarteto, sozinho, com entradas sucessivas dos restantes instrumentos, construindo um ambiente frio e misterioso que, após se dissipar, dá lugar ao fluido e cantabile Allegro moderato, com estrutura ABAB’. Este é marcado por um tema lírico e modal sobre um ostinato de semicolcheias que se mantém omnipresente durante toda a secção A e é transferido sucessivamente entre os outros instrumentos. A secção B, marcadamente mais rítmica e com muitas intervenções em pizzicato, apresenta um tempo mais vivo. Esta dissolve-se novamente no tema já reconhecível da secção A. O andamento conclui, depois, numa breve reiteração do carácter da secção B.
O segundo andamento (ABCDE) inicia com um Adagio molto, novamente com o violoncelo solo, que os violinos e a viola complementam numa textura horizontal e estática de harmonias paralelas. A conversa entre violoncelo e os outros instrumentos dá lugar a um Andante com moto marcado por um ostinato rítmico na viola e pizzicatos no violoncelo, sobre os quais o violino desenvolve um tema marcadamente modal muito cantabile. Após um Adagio mais cromático e menos transparente harmonicamente, o andamento apresenta novamente a textura inicial (Tempo Primo) numa secção com invocações cromáticas, em que os violinos são acompanhados por pizzicatos dos instrumentos graves. Conclui, finalmente, com um Andante com moto mais rítmico e vivo.
Instantes procura ser um leque de momentos de introspeção. Perceção do corpo, do mundo, do tempo. “Ouve-me com o teu corpo inteiro.”, pede a Clarice. O texto de Clarice Lispector, retirado de Água Viva (adaptado), é lido por Tiago Boto, Nuno Veiga, Juliana Campos, Sara Marita e também por mim. O material sonoro que dá vida à peça provém maioritariamente destas vozes, sendo que toda a narrativa construída tem o propósito de servir em absoluto o texto, sendo em episódios em que a própria palavra é som, ou em episódios em que o som serve a palavra de um modo quase madrigalesco.
Esta peça é ainda o resultado de um leque de influências de diversos compositores que inspiram o meu trabalho. Particularmente Annette Vande Gorne, na forma como compõe a voz e o texto, e a sua investigação sobre o espaço como parâmetro musical expressivo na música acusmática; Jaime Reis, na sua procura de polifonia de gestos e movimentos espaciais; Elizabeth Anderson cujas texturas complexas das peças Les Forges de l’Invisible, Solar Winds e …and Beyond surgem na minha peça como um sustento da narrativa de Lispector. E ainda Luciano Berio, que em “Visage” nos dá a conhecer a voz com uma verdadeira musicalidade.
O Encontro Inesperado do diverso é uma peça livremente inspirada nos escritos de Maria Gabriela Llansol, onde convergem personagens de diferentes épocas e realidades. Interessou-me explorar a interação entre gravações de campo e samples recolhidos numa improvisação feita com um sintetizador modular, modificada através de processos como micromontagem. Formalmente, a peça está organizada em quatro momentos de texturas contrastantes.
Mise-en-page #2 resulta do desejo de expandir para uma obra para ensemble e eletrónica, os materiais eletrónicos da obra do mesmo nome, composta em 1990. Este projeto, que ficou ‘na gaveta’ durante mais de trinta anos, foi possível concretizar graças ao desafio do Ensemble DME, através de Jaime Reis.
A expansão dos materiais, originalmente realizados nos estúdios dos Ateliers UPIC, foi alargada à inclusão de outros materiais e uso de técnicas que fui elaborando ao longo dos anos, mantendo, contudo, ligação com a proposta inicial, um estudo de momentos, de justaposição de páginas – assim se chamavam as diferentes visualizações no UPIC -, onde acontecimentos dialogam e cedem o lugar a outros acontecimentos, ilhas nos oceanos dos sons, como um contraponto em forma de nevoeiro.
Transmissão direta
Apresentação: Pedro Ramos
Produção: Anabela Luís, Zulmira Holstein
Marta Domingues (n. 2000) é licenciada em Composição na Escola Superior de Música de Lisboa. Atualmente encontra-se na mesma instituição a terminar o Mestrado em Composição sob a orientação dos compositores Jaime Reis e Annette Vande Gorne, com quem estuda regularmente em Bruxelas, e a frequentar em simultâneo o Mestrado em Ensino da Música com o compositor Carlos Caires. Colabora na organização do Projeto DME e Lisboa Incomum desde 2020. A sua música tem sido apresentada em contextos como: DME / Lisboa Incomum, Música Viva/ Oculto d’Ajuda, Aveiro Síntese, BoCA – Biennal of Contemporary Arts/ Teatro São Carlos, Teatro do Bairro Alto e Fundação Calouste Gulbenkian, Sonorities Belfast (Belfast, Irlanda do Norte), L’Espace du Son (Bruxelas, Bélgica), International Confederation of Electroacoustic Music CIME/ICEM (Bourges, França), Monaco Electroacoustic, Young Euro Classic (Berlim, Alemanha), Echoes Around Me (Viena, Áustria) Soundspaces (Malmö, Suécia), Supersonique (Marselha, França) e Teatro Municipal de Nicosia (Chipre). Recebeu uma menção honrosa no concurso Métamorphoses 2020 (Bélgica), foi premiada no concurso Young Lion*ess of Acousmatic Music (Áustria) e a sua peça “Aspen Tree” para acordeão e eletrónica foi recomendada na categoria Sub-30 no âmbito 69ª edição da Tribuna Internacional de Compositores (Holanda). A sua música está publicada pela Influx/ Musiques et Recherches (Bélgica) e edições DME/Lisboa Incomum.
Mariana Vieira (Sintra, 1997) completou a licenciatura em composição e o mestrado em ensino de música na Escola Superior de Música de Lisboa (ESML), sob orientação de Jaime Reis. O seu catálogo inclui música acusmática, mista e instrumental, para formações de música de câmara, ensemble, orquestra e a solo, bem como obras didáticas. A sua música foi apresentada em festivais como Young Euro Classic e BachFest (Alemanha), L’Espace du Son (Bélgica), Crossroads e Echoes Around Me (Áustria), Monaco Electroacoustique (Mónaco), Aveiro_Síntese e Música Viva (Portugal). Foi premiada com o “European Composer Award” (Alemanha) em 2017 com a sua peça “Raiz”, escrita para a Jovem Orquestra Portuguesa (JOP), o “Electronic Music Composition Contest” da revista Musicworks (Canadá) em 2021 e o concurso “Young Lion*ess of Acousmatic Music” promovido pelo “The Acousmatic Project” (Áustria) em 2022. Além da sua produção composicional, interessa-se por desenvolver projectos artísticos que combinem música e tecnologia, trabalho que concretiza enquanto membro da equipa do Projecto DME, do espaço Lisboa Incomum e da associação EMSCAN. É Professora Assistente Convidada na Escola Superior de Artes Aplicadas (Castelo Branco, Portugal) desde 2021. Atualmente, encontra-se a frequentar o Doutoramento em Artes Performativas e Imagem em Movimento (especialização em Composição) na FBAUL (Universidade de Lisboa), em colaboração com o IPL/ESML, sob a orientação de Carlos Caires e António Sousa Dias.
O Quarteto Tágide surgiu em 2021 na Escola Superior de Música de Lisboa, sob a orientação de Irene Lima. Enquanto grupo, conta com a participação em masterclasses com mentores como Evan Rothstein, Mihai Cochea, Andrew Atkinson, Oyvor Volle, Meagan Milatz, Varoujan Bartikian, entre outros. Foram, também, orientados pelo Sonoro Quartet, rising stars da European Concert Hall Organisation (ECHO) na temporada 2023/24. Em 2023, apresentaram-se em vários palcos em Lisboa, com destaque para performances no Festival Estoril Lisboa, no MusicEd IPL, e em representação da Orquestra Sem Fronteiras. Tem como missão aproximar o público da performance, procurando explorar a riqueza do repertório nacional e internacional existente para esta formação. Por outro lado, procuram aproximar o trabalho em Música de Câmara em Portugal do público mais jovem, tendo-se apresentado e partilhado o seu testemunho com os alunos do Instituto Gregoriano de Lisboa e da Academia de Música de Santa Cecília. Recentemente, foram premiados no I Concurso Nacional Cidade do Montijo Música de Câmara e foram apurados para as fases presenciais da 37.ª edição do Prémio Jovens Músicos, atualmente a decorrer.
Vicente Sobral iniciou os estudos de violino aos 4 anos de idade, na classe do professor Rui Fernandes, da Academia de Música de Lisboa. Encontra-se a frequentar o último ano da Licenciatura em Violino na Escola Superior de Música de Lisboa sob a mentoria de Tiago Neto, tendo também estudado nesta instituição com Ana Beatriz Manzanilla. Ao longo deste percurso, foi orientado por Roberto Valdés, Vítor Vieira e Pedro Meireles, tendo frequentado masterclasses com Levon Chilingirian, Vadim Tsibulevsky, Evan Rothstein, Gerardo Ribeiro, Julia Pusker, Francisco Lima Santos, entre outros. Durante os seus estudos, foi galardoado com o primeiro prémio na categoria de violino em vários concursos, nomeadamente no Concurso do Festival Internacional Cidade do Fundão (em duas categorias etárias), no Concurso Capela, Concurso Paços Premium e Concurso Internacional Santa Cecília/Silva Monteiro. Foi também finalista no Concurso Internacional Violines por la Paz, em Espanha. Paralelamente, colabora regularmente com várias orquestras, nas quais se incluem a Orquestra Gulbenkian e a Orquestra de Câmara Portuguesa. Frequentou a Jovem Orquestra Portuguesa, com a qual se apresentou na Konzerthaus Berlin. Enquanto bolseiro Santander, tocou a solo no Centro Cultural de Belém e no Centro de Congressos de Lisboa.
Ana Sofia Ribeiro de Faria iniciou os estudos de violino com a professora Ana Rita Gonçalves na Academia de Música de Lisboa, tendo terminado o 8.º grau sob a orientação do professor Vasco Broco na Academia de Música de Santa Cecília (AMSC). Concluiu, em 2023, a licenciatura em Violino na classe do Professor Tiago Neto na Escola Superior de Música de Lisboa e frequenta, atualmente, o 1.º ano do Mestrado em Ensino da Música na mesma instituição. Estudou, ainda, piano com a professora Carla Seixas e foi membro do Ensemble Vocal da AMSC. Integrou a orquestra “Os Violinhos” e a Camerata da Academia de Música de Lisboa, com as quais fez tournées aos Açores, Itália, Alemanha, França, Noruega e Suíça. Pertenceu e foi concertino da Orquestra Nacional de Jovens e foi membro da Orquestra Sinfónica Ensemble. Com a AMSC, foi concertino da orquestra de cordas desde 2015 até 2019 e apresentou-se a solo no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém em 2017 e 2019. Ao longo do seu percurso, frequentou masterclasses com Camilla Kjoll, Vadim Tsibulevsky, Levon Chilingirian, Oyvor Volle, Vítor Vieira, Pedro Meireles, Roberto Valdes, Evan Rothstein, Julia Pusker e Andrew Watkinson, entre outros. Colabora, enquanto violinista, com várias orquestras, nas quais se incluem a Orquestra Gulbenkian e a Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras e desempenha as funções de concertino na Orquestra Médica Ibérica, com a qual já se apresentou em Madrid, Braga e Barcelona. Na ESML, integrou várias formações de câmara, como quarteto de cordas, quinteto com piano e duo de violino e contrabaixo e pertence ao Laboratório de Música Mista, orientado pelo professor Jaime Reis.
Raquel Agostinho iniciou os estudos de viola aos 8 anos de idade, no projeto Orquestra Geração, tendo integrado o Curso Profissional (2017-2020), na classe de viola do prof. André Araújo, na Escola Artística de Música do Conservatório Nacional. Nesta instituição, integrou a Classe de Música Antiga, orientada pela prof. Helena Raposo, e a Classe de Projetos Coletivos e Improvisação, dirigida pela prof. Jorge Sá Machado, onde teve a oportunidade de se apresentar em concerto com o Grupo de Música Contemporânea de Lisboa. Atualmente, frequenta o último ano da Licenciatura em Viola na Escola Superior de Música de Lisboa com o Professor Samuel Barsegian. Realizou, até à data, várias masterclasses, nomeadamente, com António Pereira, Jorge Alves, Gerard Caussé, Aida-Carmen Soanea, Tatjana Masurenko, Marc Sabbah, Ewelina Bielarczyk, Johanna Persson e Mihai Cocea. Já se apresentou em diversas salas de espetáculo, como o Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, Casa da Música, Teatro S. Luiz, Opera Nice Côte d’Azur. Colabora como viola tutti com a Orquestra Gulbenkian. Apresentou-se como solista no Festival de Cordas da ESML, em 2022.
Inérzio José Macome nasceu em 2001, na província de Maputo, e iniciou seus estudos musicais em 2016, no projeto Xiquitsi, onde teve o primeiro contacto com o violoncelo sob a orientação de Kristine Hirvonen, Juan Rivas, Maria Quevedo e Peter Martens. Enquanto aluno no projeto Xiquitsi, participou no Festival de Música de Primavera, em Viseu, no Festival de Música de Santa Catarina, no Brasil, e no Festival Internacional de Música de Câmara de Stellenbosch, na Cidade do Cabo, recebendo orientação de Boris Brovtzyn, David Cohen, Gareth Lubbe, Nicolas Dautricourt e Peter Martens, entre outros. Tornou-se monitor no projeto e tocou como solista nas Quatro Estações de António Vivaldi para violino, em Maputo. Nos anos de 2018 e 2019 recebeu, respetivamente, os prémios de segundo melhor e melhor aluno no projeto Xiquitsi. Em 2020, e venceu o concurso para atribuição de bolsas de estudo no âmbito do projeto PROCULTURA, financiado pela União Europeia, co-financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e gerido pelo Instituto Camões. Desde então, estuda em Lisboa, frequentando o último ano da Licenciatura sob a orientação do Professor Levon Mouradian, e tem estado ativamente envolvido em vários projetos, incluindo música eletroacústica, masterclasses, festivais, concertos e concursos de música de câmara com o Quarteto Tágide, e estágios de orquestra. Em 2023, foi artista residente em Seia, onde estreou a peça “Barro Branco”, escrita para violoncelo e eletrónica pelo compositor português Luís Salgueiro. Colabora como reforço na Orquestra Municipal de Sintra e na Orquestra Sinfónica Portuguesa.
O Laboratório de Música Mista José Luís Ferreira destina-se a desenvolver competências no domínio da performance da música mista (de reportório ou composta por estudantes de composição especificamente para o grupo), improvisação e experimentação. A música mista pode ser definida como a junção do meio acústico com o meio eletroacústico, mais concretamente: a combinação de um ou mais instrumentos acústicos com sons criados, processados ou reproduzidos eletronicamente. O Laboratório de Música Mista foi criado pelos professores José Luís Ferreira e Carlos Caires, sendo atualmente orientado pelo professor Jaime Reis.
A PortugalSom é, há décadas, guardiã de uma parte fundamental da identidade musical portuguesa, constituindo um espólio sonoro inestimável. A sua missão foi sempre a divulgação da música de compositores e intérpretes portugueses, aproximando-a do grande público. Este Ciclo dá continuidade a essa missão, tornando vivo o património da PortugalSom e dando a conhecer novos intérpretes, novos compositores e novas obras.
Ouça o próximo andamento da PortugalSom.
Fotos Jorge Carmona / Antena 2