A Criação do Teatro de Bayreuth
“Deveria escolher uma das mais pequenas cidades da Alemanha, bem situada e capaz de alojar um número invulgarmente elevado de visitantes, uma cidade que não corresse o perigo de ficar esmagada pelo peso da concorrência de teatros de grandes cidades vizinhas. Nessa pequena cidade construiria um teatro, o mais simples possível, talvez até todo de madeira, cujo único critério de construção fosse o da conveniência artística do seu interior. Já tive algumas conversas com um arquitecto inteligente e conhecedor do ofício, com o qual imaginei um auditório em forma de anfiteatro onde a orquestra ficasse escondida do olhar do público. Nesse teatro, cantores de teatros de ópera alemães, escolhidos pelo seu talento de actores, seriam convidados, provavelmente na Primavera, para estudar os diversos papéis das minhas obras sem serem interrompidos por qualquer outra actividade.”
Com este texto, Wagner precedia o Poema do “Anel do Niebelungo”.
O teatro referido viria a tornar-se realidade na pequena cidade de Bayreuth, e a sua inauguração aconteceria em Agosto de 1876, precisamente com o ciclo do “Anel”. Seguiu-se uma interrupção de 6 anos, reabrindo o teatro apenas em 1882 com “Parsifal”, o último espectáculo dirigido por Richard Wagner.
O Ciclo do Anel
“Terminado em Wahnfried no dia 21 de Novembro de 1874.
E não digo mais nada.”
Foi com estas duas frases, seguidas da sua assinatura, que Richard Wagner deu por concluído o trabalho na Tetralogia, iniciado havia mais de 26 anos. Tudo começara em 1848 com a primeira revolta liberal na Alemanha. Wagner era então Mestre da Capela da Corte de Saxe – facto que não o impediu de aderir com entusiasmo às novas Ideias. Escreveu manifestos, programas políticos, distribuiu propaganda. Foi no meio desta actividade intensíssima que pensou escrever uma obra teatral inspirada em Barba Roxa. Seguiu-se um outro herói: Jesus de Nazareth. Até que, finalmente, acabou por se fixar na lenda dos Nibelungos. Começou por escrever uma versão em prosa, depois em verso, duma ópera heróica à qual chamou “A Morte de Siegfried” . Isto passava-se em 1848. Em 1849 Wagner inscreve-se no partido dos insurrectos que irão acabar por ser neutralizados. A derrota obriga-o a fugir, procurando asilo na Suíça, mais precisamente em Zurique. E é em Zurique, em 1851, 3 anos depois de ter escrito o primeiro texto inspirado na lenda dos Nibelungos, que Wagner decide acrescentar um preâmbulo à “Morte de Siegfried” – preâmbulo a que dá o nome de “O Jovem Siegfried”. “A Morte de Siegfried” e “O Jovem Siegfried” iriam transformar-se, mais tarde, em “O Crepúsculo dos Deuses” e “Siegfried” – as duas últimas óperas do ciclo do “Anel”.
A verdade é que o texto da Tetralogia foi escrito a partir do fim – já que, um ano depois de “Siegfried”, Wagner escreve “A Valquíria” e, finalmente, “O Ouro do Reno”.
O texto estava terminado.
Em 1853 Wagner inicia a escrita da música, agora pela ordem cronológica.
A música do “Ouro do Reno” foi terminada em Setembro de 1854, altura em que Wagner iniciara já a escrita da música da “Valquíria”, trabalho a que dedica cerca de 2 anos. Segue-se “Siegfried” – que interrompe no 2º acto.
O reinicio do trabalho acontecerá apenas passados 12 anos, numa altura em que o compositor encontrara uma certa estabilidade emocional e económica originada pela proximidade de Cosima e do jovem Rei Luís II da Baviera. Entre 1871 e 1874 Wagner termina a música do ciclo do “Anel”.
E é precisamente com ciclo do “Anel” que inaugura o Teatro de Ópera de Bayreuth, construído especialmente para o efeito.
Essa estreia histórica teve lugar em Agosto de 1876 durante quatro noites seguidas.
No Prólogo desta obra monumental, “Ouro do Reno”, Wagner apresenta o tema que irá despoletar toda a acção: a escolha entre o Poder (simbolizado pelo Ouro) e o Amor.
Poder – Amor. Imortalidade – Morte.
Na mitologia wagneriana os Deuses não são senhores absolutos e invulneráveis – eles sofrem e amam, e são confrontados com a Escolha, tal como as outras Criaturas.
O Deus Wotan teve 9 filhas da Deusa Erda, as Valquírias.
Mas teve também dois filhos duma Mortal, os gémeos Siegmund e Sieglinde, que, depois da morte da mãe, se perderam um do outro pelos caminhos da Terra.
É com o encontro entre estes dois irmãos que se inicia a acção da “Valquíria”.
Escolha entre o Poder e o Amor, entre a Condição Divina e a Morte – um conflito que acompanha toda a acção, iniciada no Prólogo, que apresenta precisamente o tema do Poder ligado à posse do Ouro e à renúncia do Amor.
O anão Alberich, do Povo dos Niebelungos que habita as entranhas da Terra, soube, por inconfidência das Ninfas, filhas do Reno, que quem conseguisse roubar o Ouro do Rio, e com ele forjasse um Anel, alcançaria o Poder Absoluto. Para que tal acontecesse existia uma condição: a renúncia ao Amor. Esta condição não parece afligir Alberich que rouba o Ouro e forja o Anel, passando a ser Senhor Absoluto do seu povo, e planeando tornar-se Senhor Absoluto de todos os outros povos e criaturas, mesmo dos Deuses. É com esse Poder que Alberich obriga o seu irmão Mime a forjar um Elmo Mágico que poderá torná-lo invisível ou dar-lhe as formas mais bizarras, como a de um Dragão ou de um Sapo.
A ambição levou o anão a alcançar o Poder. A ambição levá-lo-á a perdê-lo.
Wotan, Rei dos Deuses, também é ambicioso: ele quer para si o Ouro e o Anel do anão. E consegue-o, através da astúcia de Loge, Deus do Fogo, que, ao desafiar Alberich a exibir os poderes mágicos do Elmo, o captura quando ele se transforma num Sapo.
A ambição de Alberich.
A ambição de Wotan.
E a astúcia – que pode tornar-se uma armadilha para o astucioso.
Dois gigantes, Fasolt e Fafner, construíram Valhalla, a magnífica morada dos Deuses. Como paga, Wotan prometera uma das suas filhas, Freia. Depois, na altura de pagar… tenta enganar os gigantes prometendo entregar-lhes, em vez de Freia, o Ouro e o Anel que pretende roubar a Alberich – promessa que também não pretende cumprir. Só que, ao ser roubado, o anão lança uma maldição sobre o Anel: ele só trará Desgraça àquele que o possuir. Ao conhecer a maldição, Wotan assusta-se e entrega o Ouro e o Anel aos gigantes. E a maldição cumpre-se de imediato: Fafner mata Fasolt e parte com o Tesouro, deixando para trás a sua Espada, da qual Wotan se apodera. E é essa Espada que Wotan crava numa árvore, lançando sobre ela um Presságio: quem a conseguir arrancar do tronco onde está cravada, tornar-se-á invencível.
E Notung, a Espada Invencível, é arrancada do tronco por um filho de Wotan, Siegmund, ao fugir com a sua irmã gémea, Sieglinde, por quem está apaixonado. E a Espada Invencível irá quebrar-se num duelo por intervenção directa de Wotan, e Siegmund morre às mãos de Hunding, marido traído de Sieglinde.
A luta pelo Poder. A maldição dos Poderosos.
O Amor de Siegmund e Sieglinde. A maldição do Amor.
E a desobediência da Valquíria Brünhilde que tenta salvar Siegmund e que ajuda Sieglinde a fugir e a procurar protecção na Floresta onde nascerá o filho dos dois irmãos gémeos – um Herói de coração puro e sem medo: Siegfried.
A desobediência de Brünhilde. E a sua punição: Wotan condena-a à mortalidade adormecendo-a sobre um rochedo protegido pelo Fogo Mágico – sono de que só poderá acordar pela intervenção dum Herói de coração puro e sem medo. Esse Herói é Siegfried, filho de Siegmund e de Sieglinde, a figura central da Segunda Jornada do Ciclo do Anel.
Sieglinde, mãe de Siegfried, morreu com o nascimento do filho, e foi o anão Mime, do Povo dos Niebelungos, quem o criou – na esperança de que Siegfried conquistasse para ele, Mime, o Tesouro que está na posse do gigante Fafner: o Ouro, o Anel e o Elmo Mágico.
RDP – Transmissões em “Noite de Ópera” desde 1996
Enredo resumido da autoria de Margarida Lisboa.