No próximo sábado, dia 8, pelas 18h00, a Antena 2 apresenta a ópera em 4 atos Œdipe de George Enescu, gravada no Festival de Bregenz de 2025, no programa Mezza-Voce de André Cunha Leal.
Œdipe, de George Enescu
Mais do que uma ópera, Édipo é uma meditação sobre a condição humana: o confronto entre livre-arbítrio e destino, entre o saber e o sofrimento. Através de uma escrita orquestral luminosa e de um profundo sentido teatral, Enescu oferece uma visão quase filosófica da tragédia grega — reimaginando-a como um rito de passagem para o autoconhecimento.
No dia 16 de julho de 2025, o Festival de Bregenz apresentou uma das produções mais ambiciosas e intelectualmente estimulantes desta temporada: a monumental ópera Édipo de George Enescu. Embora o compositor romeno seja mais conhecido pelas suas obras orquestrais e instrumentais, como as Rapsódias Romenas, Édipo permanece como o seu projeto mais ambicioso — uma síntese do mito, da filosofia e da psicologia moderna.
Composta ao longo de mais de duas décadas e estreada em 1936 na Ópera de Paris, Édipo percorre toda a vida do herói de Tebas, desde o nascimento e a profecia fatal até à revelação do parricídio e incesto – culminando numa espécie de redenção e aceitação do destino. Enescu constrói uma partitura de linguagem rica e subtil, nas fronteiras entre o romantismo tardio e o modernismo, onde ressoam influências de Debussy, Fauré e Bartók, mas também uma sonoridade de raízes romenas, quase arcaicas, que confere à música uma identidade inconfundível.
Ao contrário de muitas óperas baseadas em mitos gregos, Édipo não se limita ao trágico inevitável: é um percurso espiritual de conhecimento, de confronto com o destino e, finalmente, de transcendência. A música alterna entre a densidade coral e o lirismo íntimo, com uma escrita orquestral de uma complexidade e transparência notáveis.
Paul Gay é o protagonista, especialista em repertório francês e contemporâneo, enfrenta aqui um dos papéis mais exigentes alguma vez escritos para barítono. Édipo está em cena quase toda a ópera, num arco emocional que vai da inocência infantil à cegueira iluminada da velhice — uma jornada que requer tanto resistência vocal como profunda inteligência interpretativa. A seu lado, destaca-se Marina Prudenskaya como Jocasta, num papel de grande intensidade dramática e maturidade psicológica. Ante Jerkunica dá voz ao enigmático Tirésias, enquanto Tuomas Pursio interpreta Creonte, o político frio e calculista. Anna Danik assume o papel da misteriosa Esfinge, cuja intervenção marca um dos momentos mais impactantes da obra, e Iris Candelaria, como Antígona, simboliza o lado puro e compassivo da narrativa, representando a redenção final do herói.
A Orquestra Sinfónica de Viena é dirigida por Hannu Lintu, maestro finlandês conhecido pela sua clareza textual e por um domínio minucioso da modernidade orquestral. O Coro Filarmónico de Praga assume um papel preponderante, tanto enquanto voz coletiva do destino como nas cenas religiosas e de confrontação pública.
A produção insere-se no espírito desafiante do Festival de Bregenz, que há décadas ultrapassa a simples ideia de entretenimento estival para se afirmar como plataforma de redescoberta do repertório operático e sinfónico do século XX. Programar Édipo é uma aposta ousada e intelectual, que confirma o papel do festival como espaço de risco artístico e reflexão estética.
André Cunha Leal

© Bregenzer Festspiele / Daniel Ammann
Ficha técnica
Gravação no Festspielhaus, em Bregenz, na Áustria,
a 16 de julho de 2025
Édipo: Paul Gay (BBT)
Tirésias: Ante Jerkunica (BBT)
Creonte: Tuomas Pursio (BT)
O Sumo Sacerdote: Nika Guliashvili (B)
Forbas / O Vigia: Vazgen Gazaryan (B)
Teseu: Nikita Ivasechko (BT)
Laio: Michael Heim (T)
Jocasta: Marina Prudenskaya (MS)
A Esfinge: Anna Danik (MS)
Antígona: Iris Candelaria (S)
Mérope: Tone Kummervold (MS)
Coro Filarmónico de Praga
Orquestra Sinfónica de Viena
Direção de Hannu Lintu

© Bregenzer Festspiele / Daniel Ammann