LibretoNunziano Porta baseado em Le pazzie d’Orlando, de Carlo Francesco Badini
EstreiaEszterháza em 6 de dezembro de 1782
AntecedentesHaydn e a Ópera
Quando se pensa em Haydn, pensa-se logo nas sinfonias, nos quartetos de cordas, nas missas e oratórios e até nas suas obras para piano. Raramente se pensa em Haydn como compositor de ópera e se fizermos uma breve pesquisa pelas várias edições dedicadas à ópera, são raras aquelas que dedicam um espaço relevante a Joseph Haydn. Mas a verdade é que a produção operática em Haydn ocupou-lhe uma parte importante da sua vida, em particular no período entre 1776 e 1790. O primeiro trabalho de Haydn neste campo leva-nos até aos anos 50 do século XVIII quando ainda vivia em Viena auferindo rendimentos de diversas fontes. Compôs dois singspiels, cujas partituras se perderam, para uma companhia residente no Kärntnertortheater. Uma série de Árias, presentes na colecção da Biblioteca Nacional de Viena, sugerem que Haydn tenha também composto números individuais a pedido das companhias residentes em Viena. Contudo, parece que, nessa altura, Haydn ainda não tinha tido nenhum contacto com Burgtheater, o mais importante teatro de ópera de Viena desse tempo, pois este dedicava grande parte da sua temporada à Ópera Cómica Francesa.
O primeiro emprego "a tempo inteiro" de Haydn surge então em 1759 quando é convidado para o lugar de Kapellmeister do Conde Morzin. Durante o ano em que esteve neste lugar Haydn só comporia musica instrumental deixando a ópera de lado. Assim, Haydn só volta a este género quando é convidado para trabalhar com os Esterházy de quem se torna Vizekapellmeister em 1761, assumindo em pleno a responsabilidade pela música desta família em 1766. A partir daí e até à sua morte, Haydn vai compor para quatro príncipes desta casa e todas as suas óperas, com excepção de uma, serão dedicadas a esta família. As primeiras óperas que compôs foram apresentados num teatro montado numa das alas do Castelo de Eisenstadt, a residência principal daquela família a sudeste de Viena, mas a partir de 1768 estas apresentação passam a ter lugar no Palácio de Esterháza construído com intuito de servir de residência de verão aos príncipes. Aí, o segundo e mais extravagante dos patrões de Haydn, o Príncipe Nicolau, mandou construir dois teatros: o maior tinha capacidade para 400 pessoas e contava com todos os requisitos necessários para se fazer ópera italiana; o segundo, mais pequeno, foi inaugurado em 1773 e dedicava-se sobretudo à apresentação de ópera com marionetas. Como Kapellmeister, Haydn era responsável pela direcção artística de ambos os espaços, e em 1775 consegue instalar em Esterháza uma companhia de ópera que passava a garantir uma temporada regular como companhia residente, cujas apresentações alternavam com peças de teatro apresentadas por grupos em digressão. Assim Haydn levava à corte dos Esterházy as obras dos principais compositores do seu tempo: Pasquale Afossi, Alessandro Guglielmi, Giuseppe Sarti, Cimarosa, Gluck, Paisiello, e Piccinni, entre outros.
Por toda esta actividade compreende-se bem a ligação de Haydn com a ópera, quer como compositor, quer como maestro. Só no ano de 1786 Haydn assegurou 125 récitas de 17 óperas diferentes, oito das quais estreadas pela primeira vez em Esterháza. Com a morte do Príncipe Nicolau, em 1790, a temporada era abruptamente interrompida, precisamente no momento em que se preparava uma apresentação das Bodas de Fígaro de Wolfgang Amadeus Mozart. Nenhum dos sucessores de Niicolau demonstrou um especial interesse por ópera e os dois teatros de Esterháza acabaram por ser abandonados.
No seu auge, Esterháza chegou a empregar cerca de 45 pessoas durante as temporadas de ópera (cantores, cenógrafos, administradores, copistas, artistas plásticos e uma orquestra com cerca de 25 instrumentistas). Como centro de Ópera Italiana, a norte dos Alpes, pode-se dizer de alguma maneira que nesse auge Estarháza chegava a competir com grandes centros como Londres e São Petersburgo. No entanto, algo fazia de Estarháza um centro peculiar: em primeiro lugar está o seu isolamento. Estarháza ficava a cerca de 45 Km de distância da grande cidade mais próxima, Viena e, consequentemente, a companhia via-se privada duma vida operática mais agressiva, característica das grandes cidades europeias; em segundo lugar, o compositor residente, Haydn, não era italiano, nem tão pouco dominava a ópera italiana quando começou a trabalhar para os Esterházy – o seu conhecimento da ópera italiana provém precisamente do trabalho em Estarháza; por fim, a corte nunca empregou um poeta residente com quem Haydn pudesse trabalhar em parceria como aconteceu com Galuppi, Gluck ou Mozart. Assim, os libretos das óperas de Haydn tinham muitas vezes mais 20 anos e eram já libretos testados com sucesso por outros compositores. Não se sabendo ao certo sobre quem escolhia os temas das óperas de Haydn, pode-se afirmar com alguma certeza de que a aprovação final era do príncipe. No entanto, Haydn contou sempre com a ajuda de dois elementos da companhia de Estarháza para fazer a adaptação dos libretos: o tenor Carl Friberth e o encenador Nunziato Porta.
Um dos melhores exemplos de ópera apresentada em Esterháza, e até da importante ajuda que Porta dava a Haydn na revisão dos libretos é Orlando Paladino, ópera em três actos estreada a 6 de Dezembro de 1782, baseada no libreto de Carlo Francesco Badini, Le pazzie d’Orlando, escrito para uma ópera levada à cena em 1771 e inspirado no poema épico de Ludovico Ariosto, Orlando furioso. Orlando Paladino é-nos apresentado como um dramma eroicomico em três e o enredo beneficia de elementos tanto heróicos como cómicos tendo resultado no maior sucesso operático de Haydn durante a sua vida.
Orlando Furioso
A obra de Ariosto, Orlando furioso, começou a ser escrita em 1502, foi editada pela primeira vez em 1516 e mais tarde revista e reeditada em 1521, tendo sido a sua versão definitiva, com 42 cantos, publicada em 1532. A obra demonstra o domínio da arte literária, sobretudo nas descrições de batalhas e paisagens, no estudo psicológico dos personagens. Com humor, Ariosto demonstra que a razão e a loucura são inseparáveis, verso e reverso de uma mesma possibilidade, mesmo em figuras exemplares da tradição. Pode-se dizer que as novas concepções artísticas e filosóficas do Renascimento italiano se consubstanciaram em Orlando furioso, que se torna a sua expressão literária mais perfeita.
Orlando furioso, embora contemple elementos da chamada "novela de cavalaria", não poderá ser enquadrada no género, por excedê-lo. Tragicómica, a obra é uma narrativa repleta de elementos fantásticos, reunindo o idealismo, típico do mundo medieval cavalheiresco, ao cómico. Mas a meta será, sem dúvida, a busca da beleza.
Ao inserir-se no género tradicional de Ferrara – este poema de cavalaria, fez com que a obra caísse nas preferências culturais e da mentalidade da corte setentrional, pela crítica ao mundo fantasioso e incrível da cavalaria. O foco central reside na figura de Carlos Magno e a luta entre cristãos e mouros, desenvolvendo três acções principais: a narrativa da princesa moura Angélica; a paixão de Orlando por Angélica, que fica enlouquecido de amor; e a história de Ruggero, um herói sarraceno que se cristianiza por amor a Bradamante e o casamento, que dará origem à família d’Este.
O poema começa com os preparativos da guerra pela posse de Paris, entre os cristãos e os pagãos que venceram Carlos Magno diante de Montalbano. Continua com o ataque declarado pelo chefe dos sarracenos Agramante – um ataque facilitado pela partida de numerosos paladinos, inclusive Orlando, que saem no encalço da linda pagã Angélica, princesa oriental possuidora de uma beleza rara.
As incertezas, por conta das peripécias, atrasam o ataque definitivo do exército hostil a Carlos Magno. Assim, a volta de Orlando e a derrota que ele inflige aos infiéis acabam por libertar a capital e preparam a vitória definitiva dos cristãos sobre Rodomonte, derradeiro sobrevivente dos inimigos de Carlos Magno.
A sua trama inicial (a guerra entre sarracenos e cristãos, no "Cerco de Paris") liga-se directamente com o Orlando apaixonado, de Mateo Boiardo, e mesmo em seu predecessor Luigi Pulci: Pulci, acompanhando a trama de Orlando, criação anónima, compôs uma obra de grande engenho verbal. No seu Morgante (1481), os elementos do enredo cavalheiresco são pretexto para ridicularizar a credulidade nas façanhas da gesta medieval.
Se a partida de Paris nada tem de novo, o grande mérito da obra de Boiardo que explica as várias vezes que esta história foi recontada, reside na loucura de Orlando – apaixonado por Angélica, o paladino deixa Paris para se lançar no encalço da jovem. Percorre a França em vão, embarca, cruza os mares, atravessa vários territórios e passa por inúmeras aventuras (como a estada no palácio encantado da maga Atlante, ou os combates com numerosos sarracenos, ou, ainda, a chacina de bandidos). Após todas essas peripécias, Orlando chega a um lugar onde descobre que não é, nem será nunca amado, soçobrando numa loucura grandiosa, tornando-se um animal furioso que devasta tudo na sua passagem: França, Espanha e mesmo a África, até ao dia em que o cavaleiro inglês Astolfo, montado num hipógrifo, o cura, indo recuperar na lua o juízo que perdera em terra.
Na obra, desfilam centenas de personagens, múltiplos incidentes, mas nem por isso o leitor se perde na trama do poema, pois a sua atenção é retida pelos três temas principais e, ainda, é fixada por uma visão unitária da humanidade e do universo, construída através da psicologia das personagens e da hierarquia das paixões, mas, acima de tudo, pela interpretação coerente das relações existentes entre o homem e o mundo, próprias do fim do Renascimento.
Quanto ao aspecto psicológico, os sentimentos são variados: ódio, amor, orgulho, ciúme, valentia, cortesia, covardia, coragem, traição, luxúria, amizade, dedicação, entre outros. Nesse aspecto, todos eles são provocadas pela força dominante do amor, entendido como um poder natural, instintivo, próprio do ser humano. Assim Angélica, que primeiro revela o amor, é o centro do poema até o momento decisivo em que, tendo sucumbido ao desejo físico, tendo-se entregue humildemente ao sarraceno Medoro, sai de cena.
As personagens de Ariosto estão em constante movimento, sem parar de agir e lutam com afinco, vivem suas experiências sem jamais serem atormentadas por qualquer sentimento transcendente: não há lugar para divindades, no universo de "Orlando furioso". Assim, os heróis ariostescos são capazes de auxiliar os outros, mas não se podem ajudar a si mesmos, sendo que geralmente transpõem os limites da razão, perdem toda a inteligência e colocam a força física e a valentia a serviço de irracionalidades.
A visão geral que a obra traduz é a de uma perda de crença; não é à toa que Ariosto demonstra não ter confiança no mundo, no poder, chegando mesmo a tecer apelos para a luta contra os bárbaros e, polemizando, empreende um combate contra a arma de fogo, pelo seu aspecto destrutivo. Ariosto, igualmente, com um distanciamento crítico e um humor fino, vê o mundo dominado pela magia e pelo fantástico, que dissimulam a realidade cruel. Nele aparece a sensação de que, com a sua geração, termina uma era feliz e começa o tempo de ruínas e decadência.
A escrita de Ariosto, ao que tudo indica, estaria voltada para o entretenimento, não se envolvendo em considerações políticas ou religiosas, não avalia as instituições ou mesmo os fundamentos e métodos do poder. De 1516 a 1532, o poema é impresso 17 vezes, além de ter recebido algumas "edições económicas", demonstrando o quanto a obra caiu nas graças do público e das cortes da Europa. Para o seu público, eminentemente cortesão, ele canta a sociedade neo-feudal, embeleza a aristocracia e polemiza contra a omnipotência do dinheiro (em outras palavras, contra a burguesia). Não sem razão, esta obra-prima da literatura italiana tornou-se a preferida tanto de homens como Cervantes, Galileu e Voltaire.
ResumoI. Acto
1ª Cena – Uma paisagem montanhosa
A pastora Eurilla e o seu pai Licone estão alarmados com a aparição de um cavaleiro de ar suspeito que diz estar á procura da princesa Angélica e de Medoro. Eurilla responde ao cavaleiro que ambos estão alojados num castelo das redondezas. O cavaleiro revela ser Rodomonte, um rei apaixonado por Angélica que pretende protegê-la dos ciúmes loucos do paladino Orlando, loucamente apaixonado por Angélica.
2ª Cena – Na torre de Angélica
Angélica lamenta a sua vida. Ela está farta de ter que se esconder dos acessos furiosos de Orlando. Decide procurar ajuda junto da feiticeira Alcina que lhe oferece ajuda e protecção. Chega Medoro que trás más noticias: Orlando e o seu escudeiro, Pasquale, foram vistos nas imediações do castelo. Angélica e Medoro não sabem se devem ficar ou fugir.
3ª Cena – Na Floresta
Pasquale é descoberto por Rodomonte que o desafia para um duelo, mas distrai-se com a presença de Eurilla que lhe diz que Orlando se encontra ali à procura de Rodomonte. Pasquale fica a sós com Eurilla e desabafa dizendo que a sua vida repleta de aventura é desprovida de alimento e de amor.
4ª Cena – Num jardim com uma fonte
Medoro jura fidelidade a Angélica e apesar dos protestos da jovem, sugere que para sua própria protecção, ele tem que deixá-la por uns tempos. Eles abandonam o local e chega Orlando que maldiz a sua obsessão. Orlando está convencido que o único obstáculo que impede se juntar à mulher que ama é Medoro. Quando olha para as árvores apercebe-se que Medoro cravou em cada uma delas o amor que o une a Angélica e, num acesso de fúria, Orlando destrói todo o jardim não ficando uma única árvore de pé.
5ª Cena – Um bosque
Rodomonte continua à procura de Orlando e é por pouco que não o apanha a falar com Eurilla sobre Medoro.
6ª Cena – Um Jardim gracioso
Angélica está a pensar no que lhe pode acontecer quando é interrompida por Pasquale e Eurilla. Eles avisam-na da proximidade de Orlando. Nesse momento chega Rodomonte, ansioso por lutar com Orlando, seguido pelo pacífico Medoro que apenas quer ver Orlando bem longe. Eis que chega também Alcina. Ela vem para proteger Angélica e Medoro e avisa Rodomonte que ele não conseguirá vencer Orlando sozinho. A acção precipita-se com a chegada de Orlando que só é detido pelos poderes mágicos de Alcina que o imobiliza e aprisiona numa jaula de ferro.
II. Acto
1ª Cena – No bosque
Orlando foi libertado da jaula, mas não da sua loucura. Rodomonte continua ansioso por defrontar o paladino e quando está quase a fazê-lo é mais uma vez interrompido por Eurilla que trás a noticia de que Medoro e Angélica voaram para longe. Orlando parte mais uma vez em perseguição de Angélica.
2ª Cena – Uma vasta planície junto ao mar
Por sugestão de Eurilla, Medoro decide esconder-se numa gruta junto ao mar. Ele pede à pastora que explique a sua ausência a Angélica. Entretanto Eurilla e Pasquale descobrem que o sentimento que os une é o amor. Angélica, por sua vez, lamenta mais uma vez o seu destino. Alcina tenta encontrar uma forma de resolver os problemas de Angélica e Medoro. Quando Angélica está prestes a atirar-se ao mar, Alcina usa a sua magia para levar a princesa até Medoro. Os dois reafirmam o seu amor. Quando ambos decidem procurar outro refugio, aparece mais uma vez Orlando. Através de magia, Alcina invoca dois monstros marinhos que atrasam Orlando, permitido aos amantes fugirem dali.
3ª Cena – Uma sala num castelo
Eurilla levou Pasquale para um castelo onde trocam juras de amor. São interrompidos pela chegada de Rodomonte e de Alcina que os convidam para uma festa na gruta da feiticeira.
4ª Cena – A Caverna encantada de Alcina
Orlando e Pasquale chegam à procura de Alcina. Ambos discutem e Orlando acusa a feiticeira de estar a proteger Medoro. Ela farta-se dele e transforma-o numa pedra. É nesse momento que chegam Angélica, Medoro, Eurilla e Rodomonte, todos maravilhados com o sucedido. Alcina decide quebrar o feitiço de Orlando mas ele continua inabalável. Alcina atrai Orlando para o fundo da caverna e faz rolar uma pedra por trás dele.
III. Acto
1ª Cena – No submundo, sobre o rio de Caronte. Atrás vêm-se os Campos Eliseos
Caronte observa Orlando adormecido. Alcina pede a Caronte que lave a loucura de Orlando com a água do rio do esquecimento. Orlando acorda confuso.
2ª Cena – Numa Sala do Castelo
Enquanto discutem os pormenores dos seu casamento, Eurilla e Pasquale são interrompidos por Orlando que vem pedir ajuda ao seu escudeiro.
3ª Cena – Na Floresta
Angélica é perseguida por selvagens e enquanto Medoro corre em seu socorro, Rodomonte e Orlando defrontam-se finalmente em duelo, muito embora Orlando pareça genuinamente confundido.
4ª Cena – No Pátio do Castelo
Angélica está delirante. Ela pensa que Medoro fora morto. Alcina assegura-lhe que ele está bem. Chegam então Rodomonte e Orlando, agora como amigos. As aguas do rio so esquecimento limparam da mente de Orlando o amor que sentia por Angélica e o rancor que sentia por Medoro. Angélica e Medoro podem agora amar-se sem terem que estar sempre a fugir e Pasquale e Eurilla casam-se. No fim Orlando parte em busca da verdadeira glória.