Libreto Henrique Lopes de Mendonça baseado na novela de Camilo Castelo Branco, "Como ela o amava"
Estreia Teatro Nacional de São Carlos em 13 de março de 1899
AntecedentesÀ semelhança das óperas suas congéneres, escritas por compositores portugueses oitocentistas, e que subiram à cena no São Carlos, Serrana foi cantada em italiano, apesar de ter sido originalmente concebida em português. Semelhante prática reflecte claramente a supremacia que a ópera italiana teve em Portugal, e até mesmo no resto da Europa, durante o século XIX.
No entanto, esta obra de Keil, de forma ainda mais pronunciada que as anteriores, apresenta um forte carácter nacionalista, pelo qual Keil sempre pugnou, tendo sido nessa época o principal ideólogo em favor da criação de uma companhia nacional de ópera.
Testemunho da importância de Serrana é seguramente a popularidade que obteve, tendo sido seguramente uma das óperas portuguesas que mais récitas teve ao longo de todo o século vinte.
À semelhança de outras obras dramáticas escritas em finais do século dezanove, encontramos em Serrana vários dos traços comuns ao melodrama romântico.
ResumoO primeiro ato passa-se nos arredores da aldeia da Malhada, na Serra da Estrela onde havia, por volta de 1820, uma pequena ermida de S. Silvestre e, perto dela, uma tasca com a sua parreira e mesas fora da porta. Mais além, uma estreita ponte ligava as duas margens de caudalosa e profunda ribeira.
No dia da festa do padroeiro havia procissão e arraial. Já antes de nascer do sol, era na tasca que os serranos se reuniam e discutiam as eternas rivalidades entre aldeias. Naquele momento toda a Malhada estava contra Alfatema. Corria que Pedro, da aldeia de Alfatema e primeiro namorado de Zabel, ameaçava varrer o arraial. Marcelo, da Malhada e actual companheiro da rapariga, roía-se de ciúmes ao pensar no outro, e, por essa razão, decidiu emigrar com Zabel para o Brasil.
Marcelo convencera um grupo de rapazes a impedir pela força que Pedro e os seus conterrâneos passassem a ponte. Porém, Nabor, o velho maioral, aconselhava moderação: ele já fora jovem e tivera então um coração ardente – podia medir tudo aquilo no seu justo valor. O caso não passava de uma questão entre dois rivais, não passava de história de mulheres. Era preciso que acabassem aquelas lutas entre as aldeias.
Mas, mesmo com aplauso geral, Marcelo não aceita o argumento. No entanto, Nabor tenta ainda persuadi-lo, convidando-o a beber vinho. Marcelo aceita o convite. Entretanto aproxima-se na estrada um coro de raparigas. A alegria aumenta, brilha a boa disposição em todos os rostos excepto no de Marcelo, que está de má catadura. Zabel aproxima-se dele e faz-lhe notar que ainda nem sequer sorrira para ela.
Alguém propõe um descante ao desafio. Logo nas primeiras quadras, porém, Marcelo proíbe Zabel de continuar a cantiga. Nos versos fala-se de um primeiro amor e imediatamente desperta o torvo do ciúme. Todos pedem a Marcelo que permita a Zabel continuar o descante.
No entanto, Zabel pensa no seu futuro. Que fundas saudades vai ter daquelas serras e céus. Que triste vida com Marcelo, se é a Pedro que ainda tem amor!
A descer a encosta, aproxima-se então a companhia de Alfatema. Logo os da Malhada se prepararam para defender a ponte. À frente dos seus, Pedro desafia o rival. Marcelo responde. Os guardas intervêm, mas os de Alfatema desarmam-nos. Frente a frente, Pedro e Marcelo apontam as clavinas um ao outro. Zabel coloca-se entre os dois. Se algum disparar, será ela a primeira a morrer. Os homens hesitam e baixam as armas. Zabel dá o braço a Marcelo. Consegue afastá-lo com palavras meigas, acalmando por momentos o terrível ciúme. No entanto Zabel faz questão com que Pedro perceba que é a ele que ela ama e marca-lhe um encontro para a noite do dia seguinte. Satisfeito e conciliador, Pedro dirige-se para a sua companhia.
Reacende-se a briga e trava-se uma enchida luta entre os dois partidos. Repicam os sinos. É a procissão que se forma. Homens e mulheres ajoelham e entoam em coro um hino ao santo padroeiro.
O segundo ato de Serrana passa-se na casa de Zabel. Esta ficou só depois das fiandeiras se terem ido embora, assustadas com a tempestade. Devora-a o remorso. A tempestade aumenta, o vento assobia.
A porta abre-se e Pedro entra. Ao vê-lo, Zabel corre para ele e pede-lhe perdão por se ter deixado seduzir pela miragem da fortuna, quando só a ele tinha amor. Pedro beija-a. Poucas palavras mais e decidem fugir. Zabel abre a arca onde guarda os ouros, dos quais não se quer separar.
Demasiado tarde. Marcelo, cantando, aproxima-se. Zabel fica aterrada. Pela porta já não podem saír. Zabel irá ter com Pedro de madrugada junto á fonte. Marcelo bate à porta com violência e Zabel abre a janela para Pedro saltar.
Ouve-se um grito rasgar a escuridão. Zabel fica como petrificada. Marcelo força a porta. Vem embriagado e procura dispor da rapariga. Zabel arma-se de uma faca para se defender e consegue libertar-se. Sai em busca de Pedro.
No início do terceiro ato, Pedro é encontrado morto. No silêncio da tarde, Nabor não consegue afastar os olhos da sepultura que abriu com suas mãos, para enterrar o corpo que encontrou na levada. Tem o pensamento preso naquele triste caso, interrogando-se sobre o autor do crime.
Aproxima-se Zabel. Os cabelos estão desgrenhados e o olhar alucinado. Nabor ampara-a.
Cai a tarde, os pastores assobiam aos cães para recolherem o gado e afastam-se. Sem reconhecer o maioral, Zabel delira. Febrilmente, passam-lhe pelo pensamento sempre as mesmas cenas: É o arraial, o encontro com Pedro, as fiandeiras, o terror que Marcelo lhe inspira.
Marcelo aparece e ao reconhecer Zabel aponta-lhe a clavina decidido a matá-la. Nabor consegue sustê-lo. Cheio de despeito e ira, Marcelo acusa Zabel de infidelidade e roubo. Com o pavor, a serrana recobra o raciocínio e atira-lhe aos pés o cordão de ouro. Marcelo aponta a arma e dispara.
Mortalmente ferida, Zabel lamenta não morrer junto de Pedro. Perante esta cena e cheio de comiseração, Nabor aponta-lhe a cruz, sob a qual se encontra enterrado o corpo de Pedro. Zabel beija a terra da sepultura e morre.