Temporada de Concertos Antena 2
18 março | 19h00
Auditório da Escola Secundária João de Barros
em Corroios, Seixal
Entrada gratuita
João Santos
Recital de Orgue-Célesta Mustel (Paris, 1898)
Programa
Clement Loret (1833-1909) – Les cloches du soir
Girolamo Frescobaldi (1583-1643) – Toccata per l’Elevatione, F 12.31
Johann Sebastian Bach (1685-1750) (transcrições de João Santos)
– Ich ruf’ zu dir, Herr Jesu Christ!, BWV 639
– O Mensch, bewein dein Sünde groß, BWV 622
– Christ lag in Todesbanden, BWV 625
Alphonse Mustel (1873-1936) – Nuit d’Orient, Op. 15
Sigfrid Karg-Elert (1877-1933)
– Salve Regina, Op. 9 Nr. 1
– Näher, mein Gott, Zu dir!, W17
Transmissão direta
Apresentação: Pedro Ramos
Produção: Anabela Luís, Alexandra Louro de Almeida
Notas de programa
Em 1842, Alexandre François Debain (1809-1877) patenteou o harmónio, marcando o apogeu de uma longa busca por um instrumento de teclado que proporcionasse total controlo da expressão musical. Este anseio havia-se iniciado, em definitivo, cerca de cem anos antes com o pianoforte, mas no harmónio, em pleno século romântico, a capacidade de regular a quantidade de ar projetada na palheta livre permitiu ao músico possuir um instrumento de expressão imediata, assemelhando-se, por exemplo, à força aplicada com um arco sobre a corda de um violino ou à quantidade de ar soprada através da boquilha de um clarinete.
Embora tenha havido uma proliferação de construtores de harmónios, Victor Mustel (1815-1890) destacou-se singularmente, expandindo a ideia original de Debain com inovações técnicas e sonoras, dando origem ao conceito de Harmonium d’Art – um instrumento de notáveis capacidades expressivas e tímbricas, destinado exclusivamente à interpretação artística. Posteriormente, em 1886, Auguste Mustel (filho) patenteou a Célesta, um metalofone que surpreendeu Tchaikovsky ao ponto de exigir ao seu editor que a contrabandeasse com urgência para São Petersburgo, em extremo sigilo, para ser utilizada em exclusivo na estreia do seu bailado O Quebra-Nozes. Depois do impacto causado pela sua sonoridade, a Célesta nunca mais abandonou a formação das orquestras sinfónicas.
A primeira obra deste concerto, Les Cloches du Soir, poderá ter sido uma das composições que Tchaikovsky ouviu em Paris, sendo uma das primeiras escritas em absoluto para Célesta, numa época em que, removidas as pernas de apoio, o instrumento era simplesmente posicionado sobre o harmónio, permitindo que ambos fossem tocados pelo mesmo músico. Já em Nuit d’Orient (mais à frente no programa), harmónio e Célesta fundem-se num só, criação de 1888 e ao qual Mustel deu o nome de Orgue-Célesta. Alphonse Mustel (neto) compôs esta peça em 1897, possivelmente executada no instrumento aqui presente.
Se o harmónio Mustel (Orgue Expressif) já era um feito assinalável, a fusão com a Célesta resultou numa verdadeira feitiçaria sonora para a época. Com apenas cerca de 300 unidades construídas, tratava-se de um instrumento de exclusividade notável, acessível apenas à nobreza ou alta burguesia, o que resultou num repertório bastante limitado. Por essa razão, este programa aborda também o fenómeno da transcrição, para o qual o instrumento se revela ideal.
As obras de Frescobaldi e Bach constituem um belo anacronismo, dado que foram escritas séculos antes da invenção do harmónio. A famosa Toccata per l’Elevatione de Frescobaldi assume aqui uma faculdade expressiva de que o compositor não dispunha no seu tempo, mas que resulta num momento que, embora distópico, parece ter sido escrito para este instrumento. Nos corais de Bach, oriundos da tradição do grande órgão, João Santos reveste a partitura de um carácter orquestral, com uma nova roupagem que engrandece ainda mais a genialidade e adaptabilidade do compositor.
“Um verdadeiro milagre de instrumento” foi a expressão utilizada por Karg-Elert para definir o harmónio de arte (Kunstharmonium). Fascinado, este compositor produziu uma obra prodigiosa e complexa para harmónio, tornando-o o seu instrumento de eleição. Da sua extensa produção, o Salve Regina é uma bela meditação em que o harmónio oferece sonoridades intimistas. Na última obra deste concerto, o hino Näher, mein Gott, zu dir!, do mesmo compositor, composto em 1912 em homenagem às vítimas do Titanic, baseia-se na melodia que foi tocada pela orquestra do navio enquanto este se afundava. A obra termina com um epílogo “Ad astra” (até às estrelas), com motivos do Veni Creator gregoriano, conduzindo o concerto a um final apoteótico em pianissimo absoluto.
Instrumento autónomo e independente em todas as acepções da palavra, este concerto representa um processo em curso de renascimento do harmónio de arte em Portugal, visando destruir velhos mitos e estigmas que o classificam erroneamente como um sucedâneo pobre e limitado do órgão de tubos.
João Santos | Licenciado em Música Sacra pela Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa – Porto, onde estudou com Luca Antoniotti (Órgão), Eugénio Amorim (Composição e Direção de Coros), Cesário Costa (Direção de Orquestra), Anselm Hartmann (Piano), entre outros.
João Santos tem-se destacado nas áreas de Órgão e Composição, tanto a nível nacional como internacional, contactando com célebres organistas como T. Jellema, W. Zerer, M. Bouvard, J. Janssen, F. Espinasse, O. Latry, D. Roth, L. Scandali, entre outros.
Participou nos prestigiados concursos internacionais de órgão e efectua regularmente concertos por todo o país e estrangeiro, de onde se destacam a Catedral de Westminster (Londres), o Orgelfestival Rhür (Alemanha), a Catedral de Notre Dame de Paris, o St. Christoph Summer Festival (Vilnius), entre outros. Foi solista com a Orquestra Clássica da Madeira durante o Festival Internacional de Órgão da Madeira, 2014, e tem trabalhado com grande parte das orquestras nacionais.
Como compositor, obras suas têm sido reconhecidas internacionalmente, culminando com a publicação de algumas obras. A sua transcrição para seis órgãos do Allegretto da 7ª Sinfonia de L. van Beethoven arrecadou o primeiro prémio no concurso internacional de composição
Órgãos de Mafra, 2017. Em 2019, na edição seguinte deste mesmo concurso, obteve o primeiro prémio na Categoria A com uma obra original intitulada Magnificat, para seis órgãos.
Recentemente, tem recebido diversas encomendas de composição para variadas áreas e efetivos, nomeadamente festivais de música e para a liturgia.
João Santos desenvolve desde 2020 uma pioneira investigação sobre o harmónio em Portugal, com enfoque especial no Harmonium d’Art. Com o intuito de operar o renascimento deste instrumento no nosso país, cria em 2023 o “fort’Expressivo, atelier de música”, cuja coleção conta já com a presença de dois instrumentos da histórica casa V. Mustel: o mítico Orgue-Célesta de 1898 e um Orgue Expressif de 1899.
João Santos é acompanhador do dueto de contratenores Encanto, com quem apresenta regulares concertos por todo o país, bem como em inúmeras digressões no estrangeiro, nomeadamente França, Suíça, Brasil, Estados Unidos, Bélgica, Inglaterra, Alemanha e Eslováquia.
De 2010 a 2018, João Santos foi organista titular do Santuário de Fátima. Desde 2018, é membro permanente da equipa de organistas responsáveis pelos concertos a seis órgãos na Basílica do Palácio Nacional de Mafra.
Dirige o Coro Carlos Seixas (Coimbra) desde a sua fundação e é organista titular da Catedral de Leiria desde 2007.