>Carmen Dolores (1924-2021)
A atriz Carmen Dolores faleceu hoje aos 96 anos. Uma vida dedicada aos palcos e à representação, desde os seus 14 anos quando se estreou na rádio.
A Antena 2 presta-lhe homenagem transmitindo a entrevista dada por Carmen Dolores ao programa Quinta Essência, aquando dos seus 90 anos, em Novembro de 2014:
Para ouvir a entrevista, clicar aqui.
Carmen Dolores nasceu em Lisboa, a 22 de Abril de 1924. Filha do jornalista José Sarmento, com grandes ligações ao teatro e de Maria del Pilar, mãe espanhola, e irmã do ator António Sarmento.
Estreou-se na rádio aos 14 anos, na Rádio Sonora, uma das primeiras emissoras portuguesas, num programa organizado por seu irmão, onde começou a dizer poesia e a interpretar teatro radiofónico.
Desde então, manteve uma atividade ininterrupta na rádio, primeiro na Rádio Renascença, depois no Rádio Club Português, na Emissora Nacional e na Rádiodifusão Portuguesa (RDP).
Na Rádio Renascença, colaborou em emissões infantis dirigidas por José Castelo. No Rádio Club Português protagonizou os episódios de teatro radiofónicos das Emissões Recreativas, de José de Oliveira Cosme.
Na Emissora Nacional, foi presença frequente nas emissões infantis, de Madalena Patacho, no Teatro Radiofónico dirigido por Virgínia Vitorino e no programa Tempo de Poesia, de Carlos Queiróz. Nos anos 50, inicia uma colaboração de 22 anos em Teatro das Comédias, programa de teatro radiofónico dirigido por Álvaro Benamor.
Em 1962 Carmen Dolores recebeu o Prémio de Popularidade como actriz de teatro radiofónico.
Estreou-se no cinema no papel de Teresa de Albuquerque, do Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, com realização de António Lopes Ribeiro; filme com estreia no Teatro da Trindade em Outubro de 1943, e que foi, na altura, um dos maiores êxitos do cinema português.
Logo de seguida foi convidada para participar simultaneamente nos filmes A vizinha do lado com texto original de André Brun, também realizado por Lopes Ribeiro e Um homem às direitas dirigido por Jorge Brum do Canto, com o qual ganhou o seu primeiro prémio, o de melhor actriz de cinema do ano (1944). Pouco depois participou em Camões de Leitão Barros.
Com estes filmes, teve oportunidade de contracenar com muitos dos mais destacados atores da época: Nascimento Fernandes, Lucília Simões, António Silva, Assis Pacheco, Maria Mattos, Ribeirinho, Barreto Poeira, António Vilar, Madalena Sotto, Eunice Munoz, Virgílio Teixeira, Igrejas Caeiro e muitos outros.
Estreou-se no teatro, na Companhia Comediantes de Lisboa, no Teatro da Trindade, a 27 de Setembro de 1945, com a peça Electra, a mensageira dos deuses de Jean Giraudoux.
Nos Comediantes de Lisboa, interpretou vários papeis importantes nas peças O fim do caminho de Jean Giono, Petrus de Marcel Achard, Cinco judeus alemães de Karl Roeszber e Cadáver vivo, de Leon Tolstoi.Casou-se em 30 de Abril de 1947 com o Eng° Victor Veres, teve o seu primeiro e único filho; Rui Manuel Sarmento Veres, em 1948, regressando ao cinema e ao teatro em 1951-52.
Em 1952 rodou o filme A garça e a serpente adaptado do romance de Francisco Costa e realizado por Artur Duarte e passou a integrar a Companhia Amélia Rey Colaço – Robles Monteiro, no Teatro Nacional D. Maria II, tendo-se estreado em Janeiro de 1952, na protagonista de O vestido de noiva de João Gaspar Simões, com encenação de Robles Monteiro.
Aí, trabalhando com alguns dos maiores atores de gerações anteriores, como Amélia Rey Colaço, Palmira Bastos, Robles Monteiro, Pedro Lemos, Aura Abranches, Álvaro Benamor, José Gambôa, Raul de Carvalho, Erico Braga, Augusto de Figueiredo, interpretou inúmeras peças, como Sonho de Uma Noite de Verão, de Shakespeare, Meia Noite, de D. João da Câmara, O Senhor Roubado, de Chagas Roquette, Casaco de Fogo, de Romeu Correia, Breve Sumário da Historia de Deus e o Auto de Mofina Mendes, de Gil Vicente, Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, Para cada Um Sua Verdade, de Luigi Pirandello, As Velhacarias de Scapin de Moliére, Alguém Terá de Morrer, de Luís Francisco Rebello Castro, de António Ferreira, A Floresta Encantada, de Elvira de Freitas.
Em 1959 deixou, a seu pedido, o Teatro Nacional, para integrar com Rogério Paulo o elenco da Companhia do Teatro de Sempre, de Gino Saviotti, no Teatro Avenida, onde se estreou em Outubro de 1958, na peça O mentiroso de Goldini. Nessa companhia interpretou ainda O Gebo e a Sombra de Raul Brandão, o Fim do caminho de Langdon Martin, Um marido em rodagem de Henrique Santos, Seis Personagens em Busca de Autor, de Pirandello e A Fachada de Laura Chaves, todas com encenação de Saviotti.
Durante esta temporada foi reconhecida pela crítica como uma das melhores atrizes da sua geração, o que lhe valeu o seu primeiro prémio nacional de melhor actriz de teatro, e uma condecoração como Cavaleiro da Ordem de Santiago da Espada.
Em 1959 ingressou a convite de Francisco Ribeiro no Teatro Nacional Popular (TNP), na sua última temporada, representando Irwing Shaw, Garcia Lorca, entre outros.
Em finais de 1961, funda, com Armando Cortez, Fernando Gusmão, Rogeiro Paulo, Ruy de Carvalho, Costa Ferreira, Tomaz de Macedo, Maria Schulze, Armando Caldas, Morais e Castro, Clara Joana, Carlos Cabral e Nicolau Breyner, o Teatro Moderno de Lisboa, um marco na história do teatro português, entre 1961 e 1965.
A partir de 1965, deu sobretudo continuidade ao teatro na televisão (que iniciara em 1 963) interpretando várias peças. Continuou a ser presença frequente na Emissora Nacional, em programas como Noite de Teatro, de Eurico Lisboa, emissões de teatro radiofónico dirigidas por Pedro Lemos, e inúmeros folhetins, para além de protagonizar, com Manuel Lereno, ao longo de vários anos, o popular programa de Miguel Trigueiros Poesia, Música e Sonho e Teatro das Comédias de Álvaro Benamor.Em 1969 voltou ao teatro, a convite de J. Listopad para interpretar na Casa da Comédia, Dança da Morte de August Strindberg e no Teatro Laura Alves A forja de Alves Redol; pela primeira, recebe o Prémio Nacional de Teatro e o Prémio da Imprensa.
Entretanto, participou no curso de aperfeiçoamento para actores profissionais da Fundação Calouste Gulbenkian, dirigido por Adolfo Gutkin.
Em 1973 participou no Teatro Maria Matos em Platonov de Tchekov, com encenação de Listopad. Este espectáculo foi também gravado para a televisão.
Após a revolução de Abril, filmou ainda para o teatro da televisão Play- Strindberg de Durrenmatt (1974) e João Palmieri de António Larreta (1975), realizado por Bento Pinto da França. Esta peça foi distinguida no Festival Internacional de Televisão de Praga.
No mesmo ano de 1975, protagonizou o filme de António Macedo, Princípio da Sabedoria.
Durante este período interpretou na Casa da Comédia, As espingardas da mãe Carrar de Bertold Brecht, encenação de João Lourenço e participou em Circulo de giz caucasiano, de Brecht, com que se inaugurou o primeiro Teatro Aberto.
No Radio Clube Português, integrou o elenco de programas de teatro radiofónico, dirigido por Rogério Paulo, agora com textos anteriormente censurados de Aquilino Ribeiro, Alves Redol, Fernando Namora, etc.
De Dezembro de 1976 a Dezembro de 1982 viveu em Paris, enquanto seu marido ali dirigiu o departamento europeu da Organização da Aviação Civil Internacional.
Durante esse período realizou vários recitais de poesia para o Centro Cultural da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris e escreveu o seu primeiro livro de memórias Retrato Inacabado (ed. O Jornal, 1984). Aproveitou ainda as viagens profissionais do seu marido, para se manter em contacto com o teatro de outros países. Durante as férias, sempre que vinha a Portugal, participava em vários programas de rádio.
Em 1983, regressou ao teatro com Comédia à moda antiga de Alexei Arbuzov, encenação de J. Listopad no Teatro Aberto, e obteve o prémio da revista Eles e Elas. No ano seguinte, interpretou o monólogo “A mais forte” de A. Strindberg, integrado no espectáculo Confissões numa esplanada de Verão, primeira encenação de Mário Viegas, também no Teatro Aberto.
Interpretou Virgínia peça de Edna O’Brien, sobre a vida de Virgina Woolf, baseado em textos da escritora, encenada por Carlos Avilez, no Teatro Nacional, em co-produção com o Teatro Experimental de Cascais, ganhando o Prémio da Crítica, em 1985.
Em 1986 fundou com trinta outras individualidades, entre as quais Armando Cortez, Manuela Maria e Octávio Clérigo, a Apoiarte – Associação de Apoio aos Artistas, com vista à construção da Casa do Artista que foi inaugurada em Setembro de 1999.
Em 1986, continuando a sua carreira no teatro, interpretou no Centro de Arte Moderna, em produção do ACARTE da Fundação Gulbenkian, Frei Luís de Sousa e Fim de António Patrício, ambas encenações de Listopad.
Regressa ao cinema, no filme Balada da Praia dos Cães, baseado no romance de José Cardoso Pires e realizado por Fonseca e Costa, pelo qual recebeu troféus das revistas Nova Gente e Sete.
Em 1987, de novo no Teatro Aberto, protagonizou O jardim das cerejas, de Tchekov, com encenação de João Lourenço.
No mesmo ano gravou para a televisão a série Cobardias de Miguel Rovisco, realizada por Herlander Peyroteo. E colaborou no programa Já está de Joaquim Letria.
Em 1988 participou na série francesa Triple Gagnant realizada por Claude Grinberg, com Raymond Pellegrin, no protagonista, e no filme A mulher do próximo, novamente de José Fonseca e Costa.
Em 1989 gravou a sua primeira telenovela Passerelle, para a RTP, realizada por Nuno Teixeira.
Na década de 90, participou em inúmeros filmes e gravações diversas para televisão.
Em 1991 recebeu a medalha de Mérito Cultural, atribuída pela Secretaria de Estado da Cultura e no ano seguinte foi-lhe entregue o Troféu de Prestigio da revista Sete.
Participou no I Congresso de Teatro Português, realizado na Fundação Calouste Gulbenkian, em 1993.
Na rádio, continuou a participar em programas da RDP, de teatro radiofónico e leitura de livros, dirigidos nomeadamente por Fernando Curado Ribeiro, tendo igualmente dirigido alguns deles.
Em 1996 iniciou a sua participação no júri final do Curso de Teatro da Escola Profissional de Teatro de Cascais que se prolongou até 2004. Em 1998 interpretou Jardim Zoológico de Cristal de Tennesse Williams, na sala estúdio Amélia Rey Colaço – Robles Monteiro, do Teatro Nacional, com encenação de Diogo Infante. Pelo seu papel nesta peça recebeu o Prémio Bordalo, da Imprensa.
Nesse ano, foi também distinguida pela Federação Iberolatina Americana de Artistas e Interpretes, pela sua trajectória profissional e humana.Em 2001 foi homenageada pela Câmara Municipal de Cascais, em Fitas à Portuguesa.
Em 2003, no novo Teatro Aberto, foi uma das intérpretes da peça Copenhaga, de Michael Frayn, encenada por João Lourenço, em que ganhou o Globo de Ouro, para melhor atriz de teatro.
Também em 2003 foi editado o seu CD de poesia Poemas da minha vida. Nesse mesmo ano foi homenageada na Semana Cultural, do Grupo de Teatro O Intervalo, dirigido por Armando Caldas, no Auditório Lurdes Norberto, sendo-lhe atribuída também a Medalha de Mérito do Concelho de Oeiras.
Em 2004 interpretou a personagem da cantora Luísa Todi, na Antena 2, num texto da Margarida Lisboa, inspirado no livro de Mário Moreau, e do qual foi gravado um CD, lançado no Museu do Teatro Experimental de Cascais, no dia do seu octogésimo aniversário. Foi-lhe então atribuída a medalha de Mérito Cultural do Município de Cascais.
Em 2005 voltou a representar a peça Copenhaga, com a qual anunciou ter decidido terminar a sua carreira no teatro. No último dia de representação, foi agraciada em cena aberta pelo Presidente da Republica Jorge Sampaio com o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
Em Maio de 2005 foi eleita membro Honorário da Associação Portuguesa de Escritores (APE), presidida por José Manuel Mendes.
Em 2006 recebeu o Prémio de Carreira “Bernardo Santareno”, atribuído pela Fundação Bernardo Santareno, em Santarém.
Em Abril do mesmo ano foi eleita Sócia Honorária do Grémio Literário.
Em 2007 foi homenageada no Famafest, Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Famalicão, e também pelo Círculo dos Amigos da Ópera, com a medalha “Luísa Todi”.
Igualmente em 2007, gravou um CD com poemas de Luís d’Oliveira Nunes.
E nesse mesmo ano foi a figura distinguida no Festival de Teatro de Almada, com uma exposição fotográfica de toda a sua carreira, organizada por Fernando Filipe, com a colaboração do Museu do Teatro. Por essa ocasião recebeu também um troféu da Câmara Municipal de Almada.
Em 2008 ou 2009 participa, juntamente com Eunice Muñoz e Maria Barroso, num grande recital de poesia moderna portuguesa, integrado no Festival de Almada.
Em 2009, colaborou no livro Teatro Moderno de Lisboa – um marco na história do Teatro Português, da autoria de Tito Lívio.
Em 2012 foi-lhe atribuído o prémio Pro-Autor-SPAUTORES pela Sociedade Portuguesa de Autores.
Em 2013 é publicado pela editora Sextante o seu segundo livro No palco da Memória, reunindo memórias e pequenas ficções, tendo a autora participado nas “Correntes d’ Escritas”, na Póvoa do Varzim, e em diversos encontros de autores.
Em 2014, por ocasião do seu nonagésimo aniversário, foi agraciada com a Medalha de Ouro da Câmara Municipal de Lisboa.
Em 2015 recebeu o prémio Envelhecimento Activo Drª Raquel Ribeiro, da Associação Portuguesa de Psicogerontologia, e foi homenageada pela Junta de Freguesia das Avenidas Novas, onde residia.
Em 2016, recebeu o Prémio Sophia de Carreira, da Academia Portuguesa de Cinema, e o Prémio António Quadros de Teatro, atribuído pela Fundação António Quadros.
Em Maio de 2017, é publicado pela Sextante o seu livro Vozes dentro de mim, o qual serve de principal inspiração a Diogo Infante para a criação da peça Carmen, levada à cena em 2018, interpretada por Natália Luísa, no Teatro da Trindade, cuja sala principal passa então a ter o seu nome. Na estreia da peça, é agraciada pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa com o grau de Grande Oficial da Ordem do Mérito.
Fonte: Dados biográficos disponibilizados pelo seu filho Rui Veres