O Doclisboa regressa para a sua 22ª edição, com o habitual olhar reflexivo e testemunhal sobre o nosso tempo, documentando e questionando cinematograficamente “a beleza e a tragédia, a poesia e a paixão, o pensamento e o vazio”, incitando-nos ao despertar dos sentidos e da imaginação, à consciencialização da diversidade da humanidade.
Doclisboa – XXII Festival Internacional de Cinema
De 17 a 27 de outubro de 2024, o Doclisboa está presente um pouco por toda a capital, com sessões a decorrer nas salas da Culturgest, do Cinema São Jorge, da Cinemateca Portuguesa, do Cinema Ideal e este ano também na Casa do Comum do Bairro Alto. Ao longo de 11 dias, o festival apresenta mais de 180 filmes de 55 países, entre eles 28 estreias mundiais, 19 estreias internacionais e 30 filmes portugueses, num retrato de contemporaneidade cinematográfica e cultural. Além das sessões de cinema, que contam com a presença de realizadores, o Doclisboa promove conferências, master classes, mesas redondas, atividades paralelas que dialogam com as artes audiovisuais, seminários especializados para profissionais, oficinas para crianças e uma série de outros encontros que permitem reunir um público variado. O festival acolhe desde os cineastas mais comprometidos a jovens universitários que procuram uma experiência única; são mais de 160 convidados a visitar Lisboa em Outubro.
O Doclisboa é hoje mais do que um festival de cinema – é um farol que fomenta a criação e a reflexão; um espaço plural e vibrante que anualmente reúne o melhor do cinema de todo o mundo.
Ouça a entrevista da diretora do Doclisboa, Paula Astorga e do programador Tomás Baltazar,
no programa Império dos Sentidos, 5ª feira, 17 de outubro [a partir de 01h29m]
No ano em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril de 1974, os ecos do Dia da Liberdade estão por todo o Festival: do filme de abertura Sempre, de Luciana Fina, obra estreada recentemente no Festival de Veneza e que revisita e traz para o presente os filmes, as imagens, os rostos e os ideais esquecidos ou por cumprir da revolução (dia 17, Cinema São Jorge), à sessão de encerramento com o filme, O Dia Que Te Conheci, do cineasta brasileiro André Novais Oliveira, cronista do quotidiano por excelência que aqui se aventura pela comédia romântica como nunca antes a víramos (dia 26, Culturgest) e de quem se mostra também o filme Quando Aqui, uma viagem à sua casa de família, num jogo entre memória e desejo.
Sugestão Doclisboa:
A Competição Internacional, em que são apresentados filmes em estreia, com poéticas, formas e durações distintas, mapeando e afirmando o cinema contemporâneo do último ano, conta com 12 filmes do mesmo número de países e inclui cinco estreias mundiais, seis estreias internacionais, uma estreia europeia e uma primeira obra.
Na Competição Portuguesa há 10 obras a concurso, a maioria em coprodução com outros países, com quatro estreias mundiais, uma estreia europeia, cinco estreias portuguesas e três primeiras obras.
A seção competitiva Verdes Anos que ocupa um lugar especial na programação por apresentar realizadores emergentes e revelar novos talentos, apresenta 18 filmes, dos quais doze estreias mundiais e cinco internacionais. Este ano, os Verdes Anos juntam-se à ECAM – Escola de Cinema e Audiovisual de Madrid, apresentando trabalhos dos estudantes.
Esta 22ª edição, a primeira sob a direção da mexicana Paula Astorga, presta especial homenagem a Augusto M. Seabra (1955-2024), crítico de cinema, fundador do jornal Público e, em vários momentos, programador e director do Doclisboa. Ao criador da seção Riscos em 2007, decisiva na imagem do festival como um agente inovador e interveniente no debate público e cultural, o Doclisboa 2024 dedica-lhe a sessão Exórdio, e exibe um dos primeiros filmes por si programados para esta seção: Compilations, 12 instants d’amour non partagé, de Frank Beauvais, obra onde convivem pequenos gestos de amor e música (20 de Outubro, Culturgest).
Esta seção Riscos, um lugar onde filmes, formas e cineastas singulares entram num diálogo simultaneamente composto por e para além do tempo, tem este ano como realizador convidado o francês Pierre Creton (Go, Toto!, 7 Walks with Mark Brown).
Apresentam-se também os últimos filmes de grandes inventores de cinema como Andrei Ujică (com a viagem dos Beatles a Nova Iorque em 1965 e a perplexidade perante a paisagem social americana, passada e presente, em TWST — Things We Said Today), Hans-Jürgen Syberberg (em estreia internacional o novo filme do incontornável cineasta europeu, Demmin Cantos, um filme sobre a sua cidade natal e que foi palco de um dos maiores suicídios em massa no pós-Segunda Guerra Mundial), Radu Jude (com Eight Postcards From Utopia, filme-montagem que colige material de anúncios publicitários pós-socialistas na Roménia) e Harmony Korine (com Aggro Dr1ft e o submundo de Miami) e Phil Solomon (com os mundos virtuais e distópicos em Still Raining, Still Dreaming e Rehearsals from Retirement).
Também do octogenário Syberberg que marca presença em Lisboa, o festival mostra Ludwig. Requiem for a Virgin King (1972), integrado na retrospetiva Back to the Future, com curadoria de Jean-Pierre Rehm. Num olhar para o futuro partindo do passado, dos filmes propostos destacam-se vários títulos até agora inéditos em Portugal, como Traité de bave et d’éternité (1951), do romeno Isidore Isou, onde a forma convencional de fazer cinema é posta em causa e se oferece, em alternativa, uma película riscada e som que não corresponde à imagem – uma história desconstruída; o filme Per Speculum (2006), de Adrian Paci, onde um grupo de crianças entra num diálogo com a luz do sol através de fragmentos de um espelho, que resulta numa experiência visual livre e dinâmica; da Albânia vem If and If Only (2005), do artista Anri Sala, em que um caracol se passeia ao longo de um arco de viola, afetando uma execução da peça Elegia para viola solo, de Stravinsky, perturbação essa que leva o maestro a adaptar o concerto às condições impostas pela nova relação física que ali se gera; e ainda Phantoms of Nabua (2009), do tailandês Apichatpong Weerasethakul, um filme que tem a luz como personagem principal e onde se explora o conforto de casa, por um lado, e a sua destruição, por outro. Esta seção apresenta aventuras cinematográficas que articulam a medida desta utopia do modernismo, o movimento de projeção do passado em direção ao futuro, ao nosso contemporâneo – de Dziga Vertov a Manoel de Oliveira, de Apichatpong Weerasethakul a Mohamed Zinet, de Duras a Beckett.
A outra retrospectiva desta edição é Uma Dança para a Música do Tempo, dedicada à obra de Paul Leduc (1942-2020), figura de destaque do cinema independente mexicano, e que cobre quatro décadas de cinema militante, espelhando a realidade e a história da América Latina, dos estudantes em protesto ou das populações indígenas em luta aos participantes na Guerra Civil de El Salvador. Leduc procurou uma linguagem apropriada para retratar a cultura latino-americana, pondo de lado as palavras e confiando mais na música. Precisão matemática, coreografia de olhares humanos, dança e incompatibilidade política tornaram-se elementos essenciais da sua cinematografia.
A seção Heart Beat regressa com uma seleção vibrante de expressões artísticas diversas: a música e o palco, o cinema e os seus mestres, a poesia, a fotografia, a moda, a animação e a cultura popular. Peaches Goes Bananas, de Marie Losier, inaugura a secção no dia 18. Entre os títulos dedicados ao mundo do cinema, Miyazaki, Spirit of Nature, de Léo Favier, explora a profunda ligação entre a natureza e a obra do realizador. Devo, de Chris Smith, revisita a emblemática banda new wave a partir da teoria da “involução” como crítica à sociedade americana. Num registo diferente, Before It’s Too Late, de um velho conhecido do festival, Mathieu Amalric, faz a sua estreia internacional do Doclisboa, seguindo de perto o Emerson String Quartet durante a gravação do seu derradeiro álbum, Infinite Voyage, após 47 anos de carreira. Outras sonoridades tem Luiz Melodia — No Coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, uma obra sobre a vida e o trabalho do cantor e compositor carioca, narrada na primeira pessoa.
Do mundo lusófono vem também Ricardo Aleixo: Afro-Atlântico, de Rodrigo Lopes de Barros; de Boston ao Rio de Janeiro e a Belo Horizonte, o realizador experimenta com diferentes formas de gravação de vídeo e serve-se dos poemas, da voz e do corpo do autor brasileiro para explorar a sua condição periférica e afro-brasileira.
Sugestão Doclisboa:
Na produção portuguesa, destaque para a estreia mundial de O Voo do Crocodilo — O Timor de Ruy Cinatti, de Fernando Vendrell, olhar sobre a relação — afectiva, etnográfica, artística — que Cinatti desenvolveu com esse país distante e que acabou por definir o curso da sua vida. Há também dois filmes, curiosamente feitos por pai e filho: Ressaca Bailada — Filme Concerto, realizado por um dos guitarristas dos Expresso Transatlântico, Sebastião Varela, também em estreia mundial, e O Diabo do Entrudo, de Diogo Varela Silva que nos leva a uma das mais antigas tradições de Carnaval em Portugal, o Entrudo de Lazarim, e a tudo o que envolve os Caretos, desde a elaboração das suas máscaras e trajes às dinâmicas de género geradas pela tradição e passadas entre gerações.
A moda é uma forma de arte e High & Low — John Galliano, de Kevin Macdonald, filme-testemunho reconstitui o tumultuoso percurso do estilista inglês, um dos mais aclamados e controversos designers de moda dos últimos tempos.
Em Heart Beat há um diálogo palpitante entre arte e culturas contemporâneas.
Por fim, uma das mais estimulantes seções deste Festival, a de um cinema que observa, questiona, procura articular temporalidades e narrativas aparentemente deslaçadas, permitindo encontrarmo-nos com a nossa própria amplitude humana. Em Da Terra à Lua há olhares sobre a memória e os paradoxos do mundo no cinema contemporâneo.
De figuras que incorporam as contradições dos nossos espaços políticos e contam a história do nosso presente como Soldier Monika, protagonista do novo filme de Paul Poet, incorpora as incongruências do mundo contemporâneo em particular as vagas populistas,
Sugestão Doclisboa:
ou Henry Fonda for President, de Alexander Horwarth, em que a vida do actor e as suas personagens comportam as contradições e paradoxos de um retrato dos Estados Unidos da América de ontem e de hoje, que, a partir de uma potente investigação, abrem chaves de leitura para o momento actual, à porta de eleições.
Sugestão Doclisboa:
Mas também filmes que oferecem espaços e vozes coletivas no testemunho e rearticulação da história como Dahomey de Mati Diop, vencedor do Urso de Ouro da 74ª edição do Festival de Cinema de Berlim, Voices of the Silenced, de Park Soo-nam e Park Maeui, que retrata a história da forte presença coreana no Japão (Zainichi), A Queda do Céu, de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, baseado no livro homónimo de Davi Kopenawa e Bruce Albert, dos conflitos domésticos ao confronto com a vertigem capitalista. Com olhares vários sobre a sociedade e a militarização, Night Has Come de Paolo Tizón, situa-se num Perú confrontado com a “guerra às drogas”, em Por ti, Portugal, eu juro!, de Sofia da Palma Rodrigues e Diogo Cardoso, a Guerra Colonial é reinterpretada com testemunhos de antigos soldados guineenses, recrutados para combater ao lado das Forças Armadas portuguesas e posteriormente traídos e abandonados pelos dois países.
Sugestão Doclisboa:
Do universo feminino, Kora, de Cláudia Varejão, oferece o retrato fotográfico como porta de entrada à memória, com cinco mulheres refugiadas no nosso país, entre aquilo de que fugiram e um futuro de incertezas, The Words Women Spoke One Day, de Raphaël Pillosio, uma busca pelas mulheres ativistas argelinas em 1962, às paisagens do Médio Oriente, onde a relação entre cinema e violência nunca foi neutra, com Under a Blue Sun de Daniel Mann, revelando a relação entre a ficção cinematográfica e os mecanismos de ocupação e controlo territorial.
Sugestão Doclisboa:
Para reflexão e enquadramento, Da Terra à Lua apresenta uma sessão dedicada à guerra no Médio Oriente e ao massacre em curso do povo palestino, com Here and Elsewhere (1976), de Jean-Luc Godard, Jean-Pierre Gorin e Anne-Marie Miéville, e The Palestinians (1975), de Johan van der Keuken.
Também a guerra na Ucrânia é refletida no programa através de filmes que apontam além de perspetivas generalizadoras, seja através da dimensão traumática da guerra no coração da intimidade, em Dad’s Lullaby, de Lesia Diak, ou através da inteligente forma de paciência de uma família em tempo de guerra, em In Limbo, de Alina Maksimenko. Noutras articulações histórico-políticas em paisagens atravessadas por sistemas de violência, ressoa uma guerra ainda latente na paisagem bósnia em Landscape and the Fury, de Nicole Vögele.
Exergue – on documenta 14, realizado por Dimitris Athridis, é um rocambolesco behind-the-scenes de uma das maiores exposições de arte do mundo; nas 24 horas que compõem este documentário mostra-se a relação entre arte e poder dentro de uma das mais importantes exposições de arte do mundo. A par da apresentação desta obra realiza-se uma mesa-redonda no CAM – Centro de Arte Moderna Gulbenkian, com a presença do director artístico da documenta 14, Adam Szymczyk, e do realizador.
Como habitualmente, Da Terra à Lua apresenta os últimos filmes de realizadores fundamentais no mapa do cinema contemporâneo, como Lula, de Oliver Stone e Rob Wilson; The Invasion, de Sergei Loznitsa; Favoriten, de Ruth Beckermann; e Subject: Filmmaking, de Edgar Reitze Jörg Adolph.
São ainda apresentadas cópias restauradas de Um é Bom, Dois é Pouco (1970), de Odilon Lopez, pioneiro do cinema negro brasileiro, e de El Castillo de la Pureza, do mexicano Arturo Ripstein, que assinalando o Dia Internacional do Património Audiovisual, a 27 de Outubro.
Sugestão Doclisboa:
Tendo esta edição do Doclisboa, Espanha como país convidado, a Mostra Espanha, a propósito da comemoração do 40º aniversário da
Constituição Espanhola e da urgência de cuidar dos filmes caseiros que estão no arquivo da Filmoteca Española apresenta velhos álbuns
de família, dando-lhe nova importância, recuperando a história de quem fomos e enquanto património histórico.
Todas as informações, de programação e bilheteira, em Doclisboa