A Academia Sueca em Estocolmo atribuiu o Prémio Nobel de Literatura de 2025 ao escritor húngaro László Krasznahorkai, pela sua “obra convincente e visionária que, no meio do terror apocalíptico, reafirma o poder da arte”.
Literatura sem concessões que emerge por entre o espanto e o medo, dizendo-nos desde logo que a esperança é um erro. O convite a mergulhar num mundo em apneia, onde não falta uma apurada ironia.
O editor Diogo Madre Deus é o convidado de Luís Caetano para uma conversa sobre o novo Nobel da Literatura, cuja presença é esperada no Folio em Óbidos no próximo domingo, dia 19. Nesta emissão de Última Edição podemos ainda ouvir excertos do livro Herscht 07769, nas livrarias portuguesas nos próximos dias.
László Krasznahorkai é uma das maiores figuras da literatura europeia contemporânea, e tem sido reiterado candidato ao Nobel. A sua singular escrita é testemunha angustiante de tempos sombrios e violentos, e o autor considerado como génio estilístico ou, segundo Susan Sontag “mestre do apocalipse” e um autor cult.
“Artista das sombras” que “tenta manter viva a possibilidade de um sentido para a existência”, como se revela numa antiga entrevista, a escrita de Krasznahorkai é elegante, minuciosa, de leitura lenta, longe de um entretenimento exibicionista. Num estilo épico dentro da tradição centro-europeia, de Kafka a Thomas Bernhard, caracterizado pelo absurdo e pelo excesso grotesco, tem como ‘cenário’ a desgastada história da Hungria do século passado, e a sua própria história de vida. Contudo, vai também buscar inspiração ao Oriente, e a uma tonalidade mais contemplativa e de equilíbrio.
Do humor de Laurence Sterne, à maestria estilística de James Joyce ou à aspiração pelo romance completo de Hermann Broch, o escritor húngaro já foi comparado aos grandes autores da literatura europeia, com os seus romances exigentes, cáusticos e devastadores acerca das sociedades dos nossos dias e das derivas insanas da política.
Nascido em 5 de janeiro de 1954, em Gyula, Hungria, perto da fronteira com a Romênia, László Krasznahorkai estudou direito e língua e literatura húngaras. Na juventude, pelos 19 anos, foi muito influenciado por Dostoiévski, e seus sentimentos pelos mais marginalizados, pelos humilhados e ofendidos; e assim, passou largos tempos vagueando pelo país na companhia de bêbados e marginalizados, o que, confessa anos mais tarde, foi também uma rebelião contra a sua família burguesa, num país comunista ocupado pelo poder soviético, cheio de contradições relativamente aos marginalizados e explorados.
Após vários anos como editor, tornou-se escritor. Deixou a Hungria comunista em 1987, viajando para Berlim Ocidental em busca de uma bolsa de estudos. Dois anos antes tinha publicado o seu primeiro livro O Tango de Satanás (1985), único livro editado em português (com tradução de Ernesto Rodrigues, Antígona, 2018). Segue-se, depois de uma edição de contos, o romance A Melancolia da Resistência (1989), explorando igualmente a fragilidade e o medo dos seres humanos.
No início da década de 1990, passou longos períodos na Mongólia e na China, e posteriormente no Japão, cenários que trouxeram mudanças estéticas e estilísticas à sua escrita. Tem sido colaborador frequente do cineasta Béla Tarr, que adaptou O Tango Satânico em 1994, entre outra filmografia baseada em obras de ficção breve, ensaios e guiões do escritor agora premiado.
Enquanto escrevia o romance Guerra e Guerra (1999), viaja pela Europa e mora no apartamento de Allen Ginsberg em Nova York.
A sua obra visionária está traduzida em quarenta línguas, tendo sido distinguido com inúmeros prémios literários, nos quais se incluem o Prémio Kossuth, concedido pelo governo húngaro e um dos mais prestigiados do país, o America Award in Literature em 2014, o Man Booker International Prize em 2015, o National Book Award for Translated Literature em 2019, o Austrian State Prize em 2022 e o Prix Formentor em 2024.
O seu livro Herscht 07769, de 2021, chega às livrarias portuguesas na próxima segunda-feira dia 13, numa edição da Cavalo de Ferro.
Herscht 07769 é um grande romance sobre a Europa do século XXI, uma “sátira devastadora sobre o mundo e a política de hoje”. É um retrato profético sobre a desintegração social e o colapso ecológico, o nacionalismo e o globalismo, e a linha ténue que separa a civilização da barbárie. Uma imagem que logo no início do livro o escritor anuncia em prólogo: A esperança é um erro.
Quem anda a grafitar os monumentos
dedicados a Johann Sebastian Bach na cidade de Kana,
enfurecendo o líder do grupo neonazi local que o idolatra?
E porque é que Florian, a quem chamam o idiota da aldeia,
escreve cartas sucessivas a Angela Merkel
alertando-a para uma catástrofe iminente?
Toda a sua obra, repleta de tramas imprevisíveis, está profundamente ligada ao seu país, e comprometida com liberdade, com a tristeza, e com a dignidade humana.
Como afirma lucidamente numa entrevista “Antes, havia pobreza, e a pobreza tinha a sua cultura; agora, há miséria, e a miséria não tem cultura, porque é mera desapropriação”.
Atualmente, o escritor de almas entre sombras, que acaba de ganhar o Nobel da Literatura, vive recluso nas colinas húngaras de Szentlászló.