Viagem à Casa da Achada / Centro Mário Dionísio
a propósito da exposição "Um grande comício sem palavras"
Mafalda Serrano, nesta sua peça, leva-nos a uma visita à Casa da Achada, guiada por palavras de Mário Dionísio (1916-1993).
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A Casa da Achada, situada na Mouraria, um dos bairros mais antigos de Lisboa, nasceu da vontade de tornar público o espólio literário e artístico de Mário Dionísio e os arquivos pessoais de Mário Dionísio e de sua mulher, a professora Maria Letícia Clemente da Silva, sem os dispersar por diversas instituições, como muitas vezes acontece. Fundada em 2008, por mais de meia centena de familiares, amigos, ex-alunos, ex-assistentes, conhecedores e estudiosos da sua obra, foi aberta ao público no ano seguinte.
Para além de ser sede do Centro Mário Dionísio, onde se pode investigar, estudar e consultar aqueles espólios e aa biblioteca particular do casal, composta por cerca de 6000 exemplares e 300 títulos de edições periódicas, é também um pólo cultural de Lisboa, um lugar de exposições, leituras, cinema, conversas, cursos, oficinas e convívio cultural e artístico.
Atualmente a Casa da Achada – Centro Mário Dionísio apresenta a exposição Um grande comício sem palavras, patente até 16 de Abril de 2018, e que assinala os 70 anos da II Exposição Geral de Artes Plásticas (EGAP), na qual foram apreendidas, pela primeira e única vez, obras de artes plásticas, pela polícia política do Estado Novo, a PIDE (Polícia Internacional e Defesa do Estado).
Esta exposição, a segunda de uma série de 10 exposições que se iniciaram em 1946, e decorreram até 1956, constituiram um ato coletivo de afirmação de modernidade e liberdade artística, mas também de união dos artistas num compromisso ético e ideológico de resistência e de rejeição da política cultural vigente.
Se a 1ª EGAP não provocara grandes reacções por parte do Estado Novo, em clima de aparente abertura pelo final da 2ª Grande Guerra e a vitória dos Aliados, já a segunda edição, em 1947, decorre num ambiente político de maior repressão em que alguns dos artistas se encontram presos, e de iligalização do MUD (Movimento de Unidade Democrática), e sofre diretamente dessas circunstâncias.
A exposição, apresentando obras de várias tendências estéticas e artísticas, é visitada pela PIDE, a dois dias do seu términus, sendo apreendidas 12 obras, entre pinturas e desenhos, e levadas para a sede da polícia política na Rua António Maria Cardoso, e dias depois os seus autores sujeitos a interrogatório policial.
Aspecto da exposição antes da apreensão das obras
As obras apreendidas são algumas das que mostram um maior pendor social e critico, e por isso consideradas «anti-nacionais» e subversivos, e são da autoria de Rui Pimentel (ArCo – acrónimo de Artista Comunista), de Avelino Cunhal, de Mário Dionísio (sob pseudónimo de José Chaves), de José Maria Viana Dionísio, de Júlio Pomar, de Maria Keil do Amaral, duas obras de Nuno Tavares, de Arnaldo Louro de Almeida, de Lima de Freitas, e de Manuel Filipe, e ainda outra sem autoria determinada.
Esta mostra integra seis destas pinturas, acompanhadas por fotografias e documentos existentes no Centro de Documentação do espaço que a recebe.
Mais informação sobre a exposição, aqui.
Fotos da II EGAP de Mário Movais
A peça de Mafalda Serrano contou com depoimentos de Diana Dionísio, presidente da Casa da Achada, e de Eupremio Scarpa, um dos organizadores da exposição.
As palavras de Mário Dionísio, que contextualizam a reportagem, fazem parte do programa "Mário Dionísio: não há morte nem princípio", do arquivo RTP, produzido por Maria do Sameiro Souto, coordenado por Maria Antónia Palla e realizado por Cecília Neto, em 1989.