7º FESTIVAL ANTENA 2
15 a 18 de maio
sábado | 18 maio | 14h00
Sala Ensaio 1, Casa da Música, Porto
Entrada livre
Maiores 6 anos
Transmissão direta em antena e em vídeo streaming na RTP Palco
Conferência
Longevidade e Envelhecimento Ativo: Planos para o Futuro
Convidados
Amílcar Moreira, Ana João Sepúlveda, Joana Moreira, Joaquim Ferreira, José João Lucas, Nuno Marques, Stella Bettencourt da Câmara
Moderação de João Paulo Baltazar
Os portugueses vivem cada vez mais anos, embora nem sempre com muita saúde depois dos 65. Ainda assim, a longevidade é uma realidade positiva, fruto de uma melhoria da generalidade das condições de vida. Por outro lado, a população portuguesa está a envelhecer no seu conjunto – há cada vez mais pessoas com idades superiores a 65 anos e cada vez menos crianças e jovens, como resultado da quebra da natalidade. Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo e é mesmo aquele que está a envelhecer mais rapidamente no conjunto dos 27 parceiros europeus, de acordo com os últimos dados do Eurostat, o gabinete de estatística da União Europeia. O envelhecimento demográfico coloca um conjunto de desafios que reclamam respostas dos decisores políticos e do conjunto da sociedade.
Para a conferência do Festival Antena 2 deste ano, juntamos sete vozes de diferentes áreas de especialidade e diferentes percursos, procurando responder a várias questões.
Será possível inverter a tendência de envelhecimento no médio prazo?
Qual o verdadeiro impacto na sustentabilidade da segurança social?
Estamos preparados para o aumento da procura de cuidados de saúde especializados?
Que espaço existe para um verdadeiro diálogo entre gerações e que lições podemos tirar para o futuro da experiência daqueles que vivem, neste momento, os desafios da longevidade?
Que oportunidades são criadas com esta profunda alteração demográfica?
Este país vai ter de ser para velhos (e novos)
Texto de João Paulo Baltazar
Portugal vai ter de preparar-se bem para o envelhecimento inevitável, alertou o neurologista Joaquim Ferreira na Conferência do Festival Antena 2, realizada na Casa da Música no dia 18 de maio com o mote Longevidade e Envelhecimento: Planos para o Futuro. Este especialista em doenças neurodegenerativas lembrou que “hoje existem cerca de 200 mil pessoas com algum tipo de demência, um número que deverá duplicar nas próximas duas ou três décadas”. Se pensarmos que cada doente terá de ter pelo menos um cuidador dedicado, “estas doenças vão ter impacto direto em perto de 10 por cento da população ou talvez mais” em meados deste século.
Joaquim Ferreira entende que “como os progressos científicos nas doenças associadas ao envelhecimento não são tão expressivos como noutras áreas, nomeadamente na oncologia, torna-se muito importante trabalhar para retardar o aparecimento de patologias como o Alzheimer”. O professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa deu como exemplo a perda de audição, como um fator de risco para a demência e considerou “impressionante como aceitamos a perda de audição como uma inevitabilidade do processo de envelhecimento”. Joaquim Ferreira e outros participantes na conferência lembraram ainda a importância da socialização e da atividade física para garantirem um suplemento de vida saudável depois dos 65 anos.
“Não somos iogurtes para termos prazo de validade”
Foi há cerca de 7 anos que a D. Luísa, 76 de idade, foi bater à porta da associação Transformers, no Porto, dizendo que queria aprender a andar de bicicleta, mas não encontrava aulas para seniores. Nascia assim a Reformers, organização não-governamental através da qual voluntários de diferentes idades partilham os seus talentos com grupos de pessoas seniores que vivem em lares ou moram isoladas, com o objetivo de aumentar a sua autonomia e autoestima, criando uma rede de suporte e promovendo a intergeracionalidade. Na conferência da Antena 2, a psicóloga Joana Moreira, coordenadora da ONG, explicou que o aquilo que diferencia este projeto é o facto das respostas surgirem em função dos desejos expressos pelas pessoas: “o que é que eu quero aprender antes de morrer, o que é que me faria sair de casa?”.
Os mentores ajudam a concretizar sonhos tão diversos e simples como aprender a nadar, a tocar um instrumento musical, a maquilhar-se, a patinar, a praticar kickboxing. Joana Moreira explicou que “80 por cento dos participantes são mulheres” e que todo o projeto assenta no voluntariado, “uma forma de participação social ainda com pouca expressão em Portugal (7,8%), menos de metade da média da União Europeia (19,3%)”. A responsável pela Reformers fez questão de notar que “isto já não é só uma coisa gira, o impacto das nossas iniciativas é medido e comprovado pela Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, através do acompanhamento de cada um dos participantes”. As melhorias “são evidentes, com maior interação social e maior sentido de pertença à comunidade”, garante Joana Moreira, resumindo com humor o sentimento dos seniores com quem trabalha: “não somos iogurtes para termos prazo de validade”.
“Viver mais tem de ser sinónimo de viver melhor”
A demógrafa e gerontóloga Stella Bettencourt da Câmara lembrou os dados essenciais das projeções que vão sendo feitas para a população portuguesa e fez questão de colocar a tónica na questão qualitativa: “queremos mais pessoas ou queremos pessoas que nasçam e vivam numa sociedade inclusiva e onde não existam preconceitos com base na idade?”. Referindo-se ao problema da solidão (em 2023, 575 mil idosos viviam sozinhos, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística), esta professora universitária do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa alertou para “a importância dos afetos” e do diálogo entre gerações porque “a solidão mata”.
O envelhecimento pode ser encarado como processo social ou individual e, nesse sentido, a gerontóloga defendeu que “cada um de nós tem o direito e o dever de se preparar para os anos longos de vida: cuido ou não da minha saúde?, vou ter condições financeiras e posso preparar melhor essas questões?, quero continuar a viver na minha casa, mas a minha casa terá condições quando for mais velha?”. Stella Bettencourt da Câmara defendeu que, dentro do possível, “não devemos delegar nos filhos para que cuidem de mim ou esperar apenas que o governo arranje respostas”. As respostas devem “envolver todos”, na opinião da especialista.
O coordenador do Plano Nacional de Envelhecimento Ativo e Saudável, Nuno Marques, partilha da ideia de que “é preciso atuar ao longo da vida e não apenas junto das pessoas idosas”. Este médico explica que “se queremos mudar o indicador do número de anos com saúde depois dos 65, é preciso agir já e muitas dessas medidas só vão ter impacto dentro de 2 ou 3 décadas”. Este plano (pioneiro a nível europeu) tem 6 pilares essenciais: saúde e bem estar, autonomia e vida independente, desenvolvimento e aprendizagem ao longo da vida, vida laboral saudável ao longo do ciclo de vida, rendimentos e economia do envelhecimento e participação na sociedade. Metade das medidas estão relacionadas com prevenção e a outra metade destina-se a quem já está com uma idade avançada. “Só com a conjugação das várias medidas é que conseguimos abranger toda a população”, explicou Nuno Marques, acrescentando que é imperioso “apostar na integração dos serviços de saúde e de apoio social” e “colocarmos as tecnologias ao serviço das pessoas e não forçarmos as pessoas a adaptarem-se às tecnologias”. Em resumo, “viver mais tem de ser sinónimo de viver melhor”.
“Aquilo que está escondido: a violência sobre os idosos”
Muitos dos portugueses que têm agora 70 e mais anos “trabalharam toda a vida, bastantes só com a quarta classe, descontavam pouco e ganhavam mal”, resumiu José João Lucas, vice-presidente da APRe – Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados. Por isso, fez questão de lembrar este professor do ensino básico aposentado, “muitas destas pessoas vivem no limiar da pobreza, com dificuldades no acesso aos cuidados de saúde, dificuldades de locomoção e, muitas vezes, em casas que estão longe de corresponder às necessidades”. E depois, acrescentou José João Lucas, “há aquilo que está escondido: os frequentes casos de violência sobre idosos, por vezes por parte dos descendentes”. Para ajudar a enfrentar este problema, o dirigente da APRe defende o alargamento a todo o território das comissões de apoio e proteção dos idosos que já existem em algumas dezenas de concelhos e que permitem receber e tratar de queixas, trabalhando em articulação com tribunais e polícia.
Relativamente a este ponto, Nuno Marques lembrou que o Plano Nacional de Envelhecimento Ativo e Saudável tem algumas medidas concretas articuladas com a APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. Destacou a importância do projeto Radar Social que procura identificar e apoiar idosos em risco e que, depois de uma experiência com bons resultados em Lisboa, foi estendido a todo o país.
O “sustentável” peso da Segurança Social
Numa conferência sobre o envelhecimento da população, seria difícil não abordar o futuro dos cofres que garantem o pagamento das reformas dos portugueses. O professor do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, Amílcar Moreira, que integrou a comissão de peritos que elaborou o Livro Verde sobre a Segurança Social, fez questão de sublinhar que falava a titulo pessoal sobre o tema. “As projeções de sustentabilidade mostram que haverá um saldo negativo do sistema previdencial, com um período mais crítico entre 2035 e 2045.”, detalhou este especialista, acrescentando que as mesmas projeções “também mostram que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social será uma almofada suficiente para acomodar essa flutuação negativa”.
De qualquer modo, existem “algumas incertezas” num sistema que está “excessivamente dependente das contribuições sobre o trabalho”. Amílcar Moreira lembrou que “quando há crises, o sistema ressente-se, e o futuro do trabalho, com maior digitalização, grande peso das plataformas e automação crescente tem potencial para criar uma grande erosão da base contributiva e uma maior prevalência de carreiras contributivas intermitentes”. Este investigador em Sociologia Económica e das Organizações opinou que “um dos grandes desafios para o futuro é conseguir manter pessoas no mercado de trabalho, sobretudo depois dos 50 anos” defendendo que “não tem de ser o sistema de pensões a pagar más políticas de emprego”.
O coordenador do Plano de Ação do Envelhecimento Ativo e Saudável também se pronunciou sobre esta questão alertando que “a formação contínua é essencial porque quando envelhecemos como população, envelhece também a idade média da população ativa.”. Nuno Marques considera que “será necessário adaptar muitos postos de trabalho porque isso vai aumentar a produtividade”. Este médico referiu a propósito uma experiência realizada numa fábrica alemã: “Colocaram numa linha de montagem trabalhadores jovens, mas já com alguma experiência, e noutra linha trabalhadores perto da idade tradicional da reforma. Essa segunda linha teve algumas adaptações, como lupas e assentos adaptados e, no final da experiência, revelou-se mais produtiva”.
Amílcar Moreira alertou para as dificuldades de integrar os mais velhos e promover a aprendizagem ao longo da vida, já que “mais de 95 por cento das empresas portuguesas são micro empresas e as estratégias de gestão de recursos humanos dependem muito da escala”. O neurologista Joaquim Ferreira lançou uma “provocação”, questionando: “e se nas empresas e organizações fosse colocada uma quota para trabalhadores com 60 ou mais anos, como é que reagiam?”. Este neurologista mostrou-se favorável a tal medida, sublinhando que “a ciência diz-nos que a imposição de, no dia x, deixarmos de trabalhar é um deletério”.
A economia da longevidade e a fatura das vidas mais longas
A ideia de que “os mais velhos barram a ascensão nas empresas aos mais novos é um mito porque as pessoas não querem fazer o mesmo aos 20 ou aos 50 anos” defendeu a socióloga Ana João Sepúlveda que há vários anos estuda os impactos das vidas mais longas. Outro “mito”, notou a mesma especialista, é “pensar que as empresas ou os países com mais jovens são mais produtivos” e já começa a falar-se regulamente de “uma segunda idade ativa”. Ana Sepúlveda sublinhou que, de uma forma simples, a chamada economia da longevidade “estuda o impacto económico do consumo e do trabalho das pessoas com mais de 50 anos”, mas na prática, “é muito mais abrangente e complexa”.
A longevidade “é um ativo financeiro” e no futuro “vamos ser avaliados pela nossa idade biológica e não pela idade cronológica”. Por isso, “criar em Portugal um ecossistema para a longevidade é uma oportunidade de crescimento do nosso comércio, da exportação do que fazemos e também para atrair investigadores e investimento”. Ana João Sepúlveda lembrou que “a indústria do bem estar explodiu nos últimos anos e, dentro da própria área da medicina, este é um campo em expansão”.
A longevidade e o envelhecimento da população vão ter impacto nos gastos com cuidados de saúde. Sendo certo que “a maior parte dos gastos é no último ano de vida das pessoas, quando elas têm maior dependência, e isso pode ser aos 70 ou 80 ou 100”, como notou Nuno Marques, importará olhar para o quadro geral. Nesse sentido, “se for melhorada a qualidade desses cuidados”, como defende o coordenador do Plano Nacional de Envelhecimento Ativo e Saudável, “teremos um incremento desses gastos”. De qualquer modo, para este especialista, uma maior aposta nos cuidados ao domicílio e sobretudo na prevenção de doenças pode reduzir o tamanho da “fatura” no futuro. Amílcar Moreira não se mostra tão otimista, lembrando que “a rede de cuidados continuados cobre atualmente 3 por cento da população, cerca de 300 mil pessoas, mas a fatia com mais de 65 anos já corresponde a 24 por cento dos portugueses”.
O neurologista Joaquim Ferreira notou que os custos com cuidados têm muitas variáveis, mas globalmente podem ter um crescimento significativo e deu um exemplo concreto: “Se tivermos a sorte de ter um medicamento que funcione para uma destas doenças associadas ao envelhecimento, por exemplo para o Alzheimer, alguns destes tratamentos virão a valor de custo de meio milhão de euros por doente, por ano”.
Algumas ligações úteis:
Plano Nacional de Envelhecimento Ativo e Saudável
Centro de Competências de Envelhecimento Ativo
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
Convidados
Amílcar Moreira | Doutorado em Política Social pela Universidade de Bath (Reino Unido), é professor no ISEG, Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa e Investigador do SOCIUS, Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações. Anteriormente, exerceu funções enquanto investigador no Trinity College Dublin e na Oslo Metropolitan University. É especialista em políticas sociais, nomeadamente sistemas de pensões e programas de rendimento mínimo. Integrou a equipa de peritos que elaborou o Livro Verde sobre a sustentabilidade da Segurança Social.
Ana João Sepúlveda | É a CEO da 40+ Lab, a primeira consultora estratégica e de negócios a nível ibérico totalmente centrada na longevidade e no seu impacto na economia, aprofundando estudos nesta área há mais de 15 anos. É licenciada em sociologia pela Universidade Nova de Lisboa, com mestrado em Estudos Culturais Norte-Americanos, pela Universidade Aberta e master em inovação e coolhunting pela Escola Superior de Comunicação Social. Atualmente, é Presidente da Associação Age Friendly Portugal, Embaixadora da rede Aging 2.0 e Membro da Rede Portuguesa de Ambientes Seguros, Saudáveis e Amigáveis.
Joana Moreira | Diretora Executiva do Movimento Transformers & Reformers, Organizações Não Governamentais que trabalham com crianças e jovens em risco e seniores isolados, tem 17 anos de experiência em voluntariado e associativismo. Psicóloga Clínica com uma Pós-Graduação em Marketing e a frequentar o MBA da Católica Porto Business School, foi uma das portuguesas a integrar a lista das 100 mulheres mais empreendedoras e inovadoras no campo social da Euclid Network, parceira da Comissão Europeia.
Joaquim Ferreira | Completou a sua formação médica e doutoramento em Neurologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. É subdiretor desta escola onde exerce ainda as funções de professor de Neurologia e Farmacologia Clínica e Diretor do Laboratório de Farmacologia Clínica e Terapêutica. É Líder de Grupo no Instituto de Medicina Molecular – João Lobo Antunes e Diretor Clínico do CNS – Campus Neurológico, em Torres Vedras. As suas principais áreas de interesse são a Farmacologia Clínica, Doenças do Movimento e Doença de Parkinson.
José João Lucas | É vice-presidente da APRe! Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados. Professor do 2º Ciclo do Ensino Básico aposentado, licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tendo completado um Mestrado em Sociologia na Faculdade de Economia da mesma instituição.
Nuno Marques | Médico cardiologista, é coordenador do Plano de Ação de Envelhecimento Ativo e Saudável e diretor do Centro de Competências de Envelhecimento Ativo. É representante de Portugal no Grupo de Envelhecimento Ativo da Organização Mundial de Saúde e em outras organizações internacionais. Foi presidente do Algarve Biomedical Center, do Observatório Nacional do Envelhecimento e da Rede Portuguesa de Envelhecimento Ativo.
Stella Bettencourt da Câmara | Doutorada em Gerontologia pela Universidade da Coruña, Espanha, é docente e investigadora no ISCSP – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Integra a direção da Sociedade Portuguesa de Geriatria e Gerontologia e também a direção da Associação Portuguesa de Demografia. É autora do livro Avós e Netos. Relações Intergeracionais a Matrilinearidade dos Afetos.
Fotos Jorge Carmona / Antena 2