Johann Sebastian Bach | Paixão segundo São Mateus, BWV 244
Coro Infantil da Academia de Música de Santa Cecília
Andreas Spering, Maestro
Carlos Mena, Contratenor
Hans Jörg Mammel, Tenor (Evangelista)
Christophe Einhorn, Tenor
Christian Immler, Barítono
André Baleiro, Baixo (Cristo)
Realização e apresentação: João Almeida
Produção: Alexandra Louro de Almeida
Desde logo, a Paixão segundo São Mateus tem uma tripla dimensão litúrgico-dramática. A narrativa das últimas horas de Cristo, seguindo os capítulos 26 e 27 do Evangelho de São Mateus, corre, paralela, à resposta do crente perante este drama, os comentários de Picander, sempre na primeira pessoa (culpa “Buβ und Reu”, revolta “Sind Blitze”, compaixão por Jesus “Können Tränen”, o desejo de o salvar “Komm, süβes Kreuz”). Verdadeiro ato de contrição, “Erbarme dich”, com o seu pungente solo de violino, a inquietante “Aus Libe will” ou a esperançosa “Mache dich” são um convite direto a cada um dos ouvintes para se envolverem no drama, para lidarem, a um nível introspetivo, com as palavras cantadas.
A terceira dimensão é a comunitária. Os corais surgem ao longo da Paixão como resposta da assembleia aos eventos narrados e, musicalmente, como pontos unificadores de toda a obra. Os corais “Herzliebster Jesu” e “O Haupt voll Blut” desempenham um papel fundamental neste contexto. O primeiro é ouvido três vezes e está associado à inocência de Jesus e à sua morte como condição essencial para a salvação das almas. O segundo é ouvido cinco vezes, numa gradação harmónica dramática que termina com a invocação de Cristo na hora da morte de cada um de nós.
Ainda neste contexto, os coros “Kommt, ihr Töchter” e “O Mensch, bewein”, na abertura e conclusão da Parte I, e o derradeiro “Wir setzen uns”, no final da Parte II, assumem-se como três lamentos universais que englobam as três dimensões desta Paixão, a bíblica, a pessoal e a comunitária.
O discurso musical do Evangelista é declamado, salvo momentos de maior tensão dramática, como o arrependimento de Pedro, “Und ging heraus”, em que ganha uma dimensão rítmica e harmónica de grande expressividade emocional. O mesmo se aplica aos soliloquentes, os apóstolos Judas e Pedro, o Sumo-Sacerdote Caifás, as duas testemunhas chamadas ao Sinédrio para prestar falsas declarações, os Sumo-Sacerdotes do Templo, duas criadas de Caifás que acusam Pedro, o governador Pilatos e sua mulher.
O extremo cuidado de Bach com as palavras de Cristo é apenas percetível numa leitura atenta da partitura. Ainda que musicalmente próximas das do Evangelista, são acompanhadas pela secção de cordas da orquestra I, um halo musical que diferencia as intervenções de Cristo dos restantes personagens. O sentido apurado de dramaticidade de Bach revela-se no momento em que profere as suas últimas palavras “Eli, Eli”. O momento derradeiro de Jesus, abandonado por Deus, surge também abandonado pelo halo musical. É extraordinário constatar que esta passagem tem 22 notas, alusão ao salmo 22 “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste”, assim como o momento simbólico da instituição da Eucaristia na Última Ceia, os ariosos “Nehmet, esset” e “Trinket alle daraus” têm, respetivamente, 34 e 116 notas na linha do contínuo, referência direta aos salmos 34 “Provai e vede” e 116 “Receberei o Cálice”.
O coro assume diversas formas e papéis. Na narrativa de São Mateus, incorpora os discípulos, no inquisitivo “Herr, bin ichs”, da multidão irada “Laß ihn kreuzigen”, repetido um tom acima para ilustrar as palavras do Evangelista “Mas eles gritaram mais”, ou os presentes no Calvário reconhecendo a verdadeira dimensão de Cristo, no indiscritível “Wahrlich”.
Andreas Spering é regularmente convidado a dirigir produções de ópera, incluindo as principais obras de Mozart e Händel, bem como Fidelio de Beethoven, ou Der Freischütz de Weber, em Gotemburgo, Copenhaga, Antuérpia, Luxemburgo, Nantes, Rouen, Estrasburgo, Hanôver, Essen, Nuremberga ou Sevilha. Dirigiu também nos Festivais Händel de Halle e Karlsruhe e no Festival d’Aix-en-Provence. Em concerto dirigiu, entre outras orquestras, a Sinfónica de Bamberg, a Staatskapelle Weimar, a Orquestra do Gewandhaus de Leipzig, a Orquestra Beethoven de Bona, a Nova Filarmónica do Japão, a Sinfónica de Gotemburgo, a Orquestra e o Coro Nacionais de Espanha e as Orquestras das Rádios de Hanôver, Leipzig, Saarbrücken e Munique. Mais recentemente, foi de novo convidado a dirigir a WDR Funkhausorchester Köln, bem como a Dresdner Philharmonie.
No domínio discográfico, Andreas Spering gravou as óperas Siroe (Harmonia Mundi) e Imeneo (cpo) de Händel, Erwin und Elmire de J. F. Reichardt (cpo), a oratória A Criação (Naxos) e a cantata Applausus de Haydn (Capriccio).
A gravação de cantatas de Haydn (Harmonia Mundi) recebeu vários prémios, incluindo Choc da revista Le Monde de la Musique. Igualmente, a gravação da oratória de Haydn, Il ritorno di Tobia(Naxos), recebeu o Prémio Anual da Crítica
Discográfica Alemã.