LibretoLuigi Balocchi
EstreiaTeatro alla Scala, 5 novembro de 1938, dirigida por Richard Strauss
AntecedentesCom apenas 32 anos, Rossini era já um compositor consagrado tanto pelos amantes da ópera como pelos seus pares. É assim que no ano de 1824, depois de uma série de sucessos apresentados um pouco por toda a Itália e que rapidamente passaram além-fronteiras, Rossini recebe um convite para assumir a direcção do Teatro Italiano de Paris. Um vez chegado à capital francesa, é-lhe proposto trabalhar numa nova ópera para fazer parte das comemorações em torno da coroação de Carlos X na Catedral de Reims durante a primavera daquele ano. Essa ópera viria a ser "Il Viaggio a Reims", estreada no Teatro Italiano no dia 19 de Junho de 1825, pouco tempo depois da coroação, mas ainda a tempo de fazer parte das comemorações da efeméride. Para a estreia, tal como era exigido pela ocasião, foi reunido um elenco absolutamente extraordinário que incluía: Ester Mombelli, Giuditta Pasta, Domenico Donzelli, Nicolas Levasseur e Marco Bordogni. Nunca ninguém tinha composto uma ópera para um tal conjunto de grandes cantores, verdadeiro fogo-de-artifício vocal e autentica apoteose do bel-canto.
Esta ultima ópera italiana e primeira ópera parisiense de Rossini foi originalmente pensada como algo meramente circunstancial, pelo que o compositor quis retirá-la logo após a terceira récita. No entanto a estreia foi um verdadeiro sucesso: o teatro estava cheio e o público entusiasmado. Meses depois, em Setembro, Rossini acedia relutantemente em repô-la para uma causa de beneficência (apenas uma récita) e esta seria a ultima vez que se ouviria aquela música em Paris como parte do Dramma Giocoso "Il Viaggio a Reims". Apesar de tudo a sua música não seria desperdiçada uma vez que grande parte seria utilizada em "Le Comte d’ Ory", de 1828.
A partitura de "Il Viaggio" sobreviveu por acaso. Herdada após a morte do autor pela sua segunda mulher, Olympe Pelissier, foi dada por ela ao médico de Rossini, Vio Bonato, pelo que a ópera não constou de nenhum catálogo das suas obras até 1977.
Contudo, em 1848 montou-se uma versão alterada e mutilada intitulada "Andremo a Parigi?" e em 1854, quando Viena celebrou o casamento de Francisco José e Elisabete de Baviera foi encenada como "Viaggio a Vienna" completamente transformada e quase irreconhecível. – Uma récita apenas.
Depois desapareceu. Contudo, os estudiosos da obra de Rossini que sabiam da existência desta obra, acabaram por ver as suas pesquisas recompensadas. A pouco e pouco foram aparecendo aqui e ali algumas partes: como na biblioteca do Conservatório de Paris e num depósito da Academia de Santa Cecília em Roma, manuscritos de números não aproveitados por Rossini no "Comte d’ Ory" e ainda, uma cópia da partitura utilizada em Viena em 1854 descoberta na Biblioteca Nacional da Áustria.
Foi a partir deste material que o musicólogo americano Philip Gossett conseguiu, aparentemente, reconstituir a partitura de "Il Viaggio a Reims", tendo sido finalmente encenada no Festival de Pesaro, (Auditorium Pedrotti), quase 160 anos após sua estreia e posterior desaparecimento, no dia 18 de Agosto de 1984, com a direcção de Claudio Abbado e, tal como no tempo de Rossini, com uma verdadeira constelação de estrelas: Cecília Gasdia, Lucia Valentini-Terrani, Katia Ricciarelli, Lella Cuberli, Ruggero Raimondi, Dalmacio Gonzalez, Francisco Araiza, Samuel Ramey, Enzo Dara, Leo Nucci; Giorgio Surjan; William Mateuzzi, Bernadette Manca di Nissa, Raquel Pierotti e Antonella Bandelli entre outros.
Pelo que se sabe, a ópera original de Rossini tinha uma duração de 3 horas. Uma ópera de apenas um acto com uma duração de três horas! A versão de 1984, baseada na partitura publicada em 1983, dura, aproximadamente, duas horas e pouco.
Não se deve esperar desta ópera, como da maioria das óperas menos conhecidas de Rossini, um enredo importante, nem muito menos um grande aprofundamento psicológico e dramático. É uma ópera feita à medida para os amantes do bel canto. Uma ópera de números como se usava então: árias, duetos, conjuntos, separados por recitativos. Existem grandes árias para todos os registos. É um esplêndido espectáculo de pirotecnia vocal, de passagens desafiantes, e incríveis conjuntos, que desde a sua redescoberta tem corrido o mundo inteiro.
O libreto de Luigi Balocchi tem como fundo a personagem principal da obra de Mme. de Staël, "Corinne", afasta-se contudo do original conservando apenas a sua característica romântica.
ResumoNo hotel Lys d’Or, na pequena estação termal de Plombières, encontra-se um grupo cosmopolita de viajantes foliões, personagens importantes na sua grande maioria, a caminho de Reims onde esperam assistir à coroação de Carlos X. sob o olhar vigilante de Mme. Cortèse, a proprietária do estabelecimento, atenta em manter a boa reputação ao lisonjear as manias de cada um, estes hóspedes excepcionais tentam estabelecer intrigas amorosas e são os actores ou as vítimas de uma série de incidentes trágico-cómicos.
Cena 1 – Numa sala espaçosa do hotel Lys d’Or, com várias portas, Maddalena, a governanta do hotel, exorta os criados a cumprirem com mais ligeireza e eficiência suas obrigações uma vez que os hóspedes se preparam para partirem para Reims.
Cena 2 – Entra Don Prudencio, o médico. Comenta que os hóspedes, graças aos seus cuidados estão muito melhor do que quando chegaram. Os empregados não vêem a hora da partida deste grupo para finalmente poderem descançar.
Cena 3 – Entra a Sra. Cortese a dona tirolesa do estabelecimento. Recomenda aos criados que atendam sempre cada hóspede de acordo com seu capricho para que, felizes, levem boas recordações do hotel. Numa única frase consegue retratar cada hóspede, cada qual com suas características.
Cena 4 – A Sra. Cortese suspira. Gostaria também de ir a Reims mas deve esperar o regresso do marido. Entra a Contessa di Folleville, elegantíssima francesa. Ela vem à procura da sua criada Modestina. Quando a Sra. Cortese se prepara para ir buscá-la a criada da Condessa di Folleville entra. Trocam algumas palavras e a criada sai.
Cena 5 – Chega Luigino, primo de Folleville. Ele anuncia que a diligência que trazia a bagagem da condessa teve um acidente e todo o seu conteúdo se perdeu. Folleville desmaia e Luigino pede socorro.
Cena 6 – Acode o Barão de Trombonok – alemão louco por música – ele e Luigino tentam reanimar Folleville. Chega o médico Don Prudêncio que toma as rédeas da situação. Folleville acorda destroçada.
Cena 7 – Estão todos em volta de Folleville quando chega Modestina com uma grande caixa contendo um chapéu magnifico, última moda. A Contessa rejubila. Agradece a Deus o chapéu que se salvou.
Cena 8 – O Barão Trombonok dá ordens a Antonio, o mordomo, para que prepare as carruagens para a viagem nocturna do grupo. Trombonok parece ter sido nomeado pelo grupo de viajantes para seu tesoureiro e encarregado dos preparativos da viagem.
Cena 9 – Entram Don Profondo, suíço – apaixonado por antiguidades – e Don Álvaro, – oficial de marinha espanhol -Don Profondo entrega a Trombonok a sua parte do dinheiro para a viagem e comenta ter encontrado, ali por perto, uma valiosa colecção de antiguidades. Don Álvaro apresenta Malibea, uma jovem viúva polaca pela qual está apaixonado. Malibea agradece e diz que será um prazer viajar com eles.
Cena 10 – Aparece o Conte de Libenskof – general russo também apaixonado por Malibea. Quando ouve as suas últimas palavras fica louco de ciúmes.Os dois homens olham-se com ódio. Finalmente, tudo parece estar pronto para a partida, só falta a volta do mensageiro que deverá trazer os cavalos para as carruagens.
Cena 11 – A Sra. Cortese entra. Está preocupada com a demora do mensageiro que não chega com os cavalos. Do outro lado da sala Libenskof discute com Melibea acusando-a de traição e provoca Don Álvaro para um duelo. Eis que são interrompidos pelo som da harpa e o canto de Corina, a improvisadora, invisível, atrás da porta de um dos quartos. No final todos saem menos a Sra. Cortese.
Cena 12 – A Sra. Cortese está só e vê entrar Lord Sidney – Coronel inglês – muito pensativo. Nervosa, comenta para si que o mensageiro não voltou ainda e observa também o amor de Sidney por Corina que ela intui retribuído. Enquanto isto, Sidney lamenta sua paixão não correspondida. Entram criados. Eles carregam flores que colocam em frente à porta do quarto de Corina.
Cena 13 – Os criados saem e entra Don Profondo que pergunta a Sidney sobre objectos de arte ingleses. Sidney responde que não sabe e melhor seria que se dirigisse a um museu.
Cena 14 – Corina sai do quarto seguida pela sua harpista grega, Delia. Corina e Profondo são amigos e cumprimentam-se. Ele entrega-lhe uma carta que ela lê e depois sai para verificar os preparativos da viagem. Delia também sai e Corina admira as flores à sua porta, colhe uma e a prende ao peito.
Cena 15 – Chega o Cavalier Belfiore – oficial francês que corteja todas as mulheres, sobretudo Folleville. Ao ver Corina sozinha pensa que chegou o momento para cortejá-la. Primeiro tenta suscitar sua curiosidade, depois elogia-a, finalmente ajoelha-se aos seus pés declarando-se. Ela repele-o e ameaça chamar por ajuda. Ele sai pensando que ela está apenas a fazer-se difícil.
Don Profondo que assistira à cena escondido, entra na sala seguido de criados que carregam uma mesa, papel e material para escrever. Depois senta-se. A pedido do Barão Trombonok, diz ele, encarregado pelo grupo da organização da viagem, faz a relação dos pertences de cada um dos viajantes.
Cena 16 – Entra Folleville e pergunta a Don Profondo se viu Belfiore e com quem estava. Ele responde de maneira vaga e ela fica furiosa.
Cena 17 – Entra Don Álvaro e depois Libenskof. Todos comentam a iminente partida. Chega também Trombonok anunciando que, finalmente, o mensageiro apareceu e as notícias não são boas. Manda um criado chamar os demais viajantes.
Cena 18 – Todos os hóspedes estão reunidos e também o mensageiro, Zefirino ao qual Trombonok cede a palavra. Resumindo, diz que foi a muitos lugares e, infelizmente, em toda a redondeza não há um só cavalo para comprar ou alugar e eles devem renunciar à viagem.
Cena 19 – Chega a Sra. Cortese com uma carta na mão. É do marido que está em Paris. Solicita a Profondo que a leia em voz alta: "Após a coroação em Reims o Rei irá a Paris onde acontecerão grandes festejos". Imediatamente, Folleville que mora em Paris oferece a todos sua casa. Decidem partir. Mas como? Pela diligência que passa todos os dias em La Plombières caminho de Paris. Sairão no dia seguinte e com o dinheiro arrecado para ir a Reims darão naquela mesma noite uma grande festa na pousada.
Cena 20 – Madama Cortese chama Antonio, o mordomo e Gelsomino, o camareiro, e ordena que preparem tudo para uma festa no jardim.
Cena 21 – Saem todos, ficam só Trombonok, Malibea e Libenskof. O primeiro tenta propiciar um entendimento entre os apaixonados e exorta-os à compreensão e ao perdão.
Cena 22 – Quando Trombonok se retira os dois iniciam um diálogo no qual são solicitadas explicações, que terminam numa série de declarações amorosas.
Cena 23 – No jardim iluminado, criados estão agitados. No centro há uma grande mesa e Antonio e Gelsomino terminam os preparativos para a reunião. Gelsomino vai chamar os convidados.
Cena 24 – Entra Maddalena e comenta com Antonio como será linda a festa. Os habitantes do vilarejo, e os camponeses, foram convidados, haverá cantos e danças. A música estará a cargo de um grupo de músicos ambulantes que está nos arredores.
Cena 25 – Começa então a última parte da ópera. No jardim da pousada brilhantemente iluminado entram os ambulantes: músicos, cantores, bailarinos seguidos de camponeses, trabalhadores, empregados da hospedaria e habitantes de Plombières.
Todos os hóspedes principais, vestidos com suas roupas de gala, são sentados à mesa.
O entretenimento fica a cargo do grupo de ambulantes, há música, uma dança e finalmente um coro. Finalizado o coro, o Barão de Trombonok propõe uma rodada de brindes à família real e à futura harmonia europeia, feitos por cada um dos presentes, cada um ao estilo do seu país.
• É o alemão Trombonok que inicia. Canta sobre uma melodia de Haydn e é ecoado pelo coro. Trombonok encarregado de fazer a chamada, convoca Malibea.
• Malibea, polaca, canta uma polonaise;
• Libenskof, russo, interpreta um hino russo;
• Don Álvaro, espanhol, uma canção espanhola;
• Lord Sidney, inglês, anuncia que não tem jeito para música e só sabe cantar uma coisa "God save the King" do qual oferece uma versão muito particular.
• Belfiore e Folleville, franceses, cantam em uníssono, uma canção francesa;
• A Senhora Cortese e Don Profondo, suíços, entoam um canto tirolês.
Só falta Corina que é convidada a improvisar. Ela pede ao grupo que escolha um tema e depois a chame. Sai. São distribuídos lápis e papeis e cada um escolhe um tema que é entregue a Don Profondo que o lê em voz alta: Clóvis, Joana d´Arc, São Luis, Carlos X etc… Os votos são depositados numa urna e Malibea faz o sorteio. Sai "Carlos X, Rei da França". Corina é informada, concentra-se e começa o belo improviso. Aparecem, iluminados, os retratos da família real e a ópera termina com vivas ao novo soberano ecoados por todos os presentes.