Estreia 7 de fevereiro de 1786 em Viena
AntecedentesNo dia 8 de Fevereiro de 1786 lia-se o seguinte no famoso "Wiener Zeitung": "Esta terça-feira, o Imperador deu uma grande festa em honra do Governador Geral dos Países Baixos para a qual convidou a mais alta nobreza austríaca. Foram ainda convidados cerca de quarenta cavaleiros entre os quais se encontrava o Príncipe Poniatowsky, que depois de terem escolhido os seus pares para os acompanharem – damas da mais elevada estirpe – seguiram como que numa grande procissão em alguns dos coches mais sumptuosos que Viena já havia visto."
"Assim, às três da tarde, liderados pelo Imperador que se fazia acompanhar por sua alteza real, a Arquiduqueza Cristina, partiram da residência real e foram para Schönbrunn tendo descido na Orangerie que estava especialmente preparada para a ocasião. A mesa que se encontrava sob as laranjeiras estava decorada com as mais belas flores exóticas e cheia daquilo que seriam frutos vindos dos trópicos."
"Enquanto Sua Majestade e os seus distintos convidados estavam a jantar, a secção de sopros da Orquestra de Câmara Real e Imperial actuava."
"No final do jantar, entram em cena, num palco erigido no final da Orangerie, os actores da Companhia Real e Imperial de Teatro para representarem "O Empresário", uma peça com árias, especialmente composta para a ocasião por Mozart."
"Assim que esta peça acabou, noutro palco, edificado exactamente no lado oposto da Orangerie, entra em acção a Companhia de Ópera da Corte com a ópera buffa, também especialmente escrita para este acontecimento, "Prima la Musica e Poi Le Parole" de António Salieri. Nesta altura já a Oragenrie se encontrava esplendorosamente iluminada…"
Esta descrição feita pelo famoso "Wiener Zeitung" dá-nos ideia da importância que todo este acontecimento teve para a Viena de 1786 e de como a música desempenhava um papel fundamental neste tipo de eventos.
No que diz respeito à música, importa aqui questionar se todo este acontecimento não terá sido também um excelente pretexto para o Imperador José II pôr à prova os dois grandes músicos, que segundo as crónicas eram também dois grandes rivais.
Estaria o Imperador a aproveitar-se de uma ocasião com aquela envergadura para testar e alimentar o boato que corria sobre a rivalidade de Mozart e Salieri?
É sabido que Salieri tinha sido o favorito de Gassman, o "Kapellmeister" da corte até 1774, e que com a ajuda deste ficou responsável pela Companhia de Ópera da Corte de Viena conquistando assim um lugar de destaque na vida musical vienense e a preferência entre algumas elites. Já Mozart partia para este encontro contando sobretudo com a simpatia do Imperador que admirava o jovem compositor e, particularmente, a ideia de se consolidar a ópera em alemão.
O encontro dos dois compositores é assim muito mais do que um confronto de génios. Este é o encontro entre um género tipicamente germânico que é o Singspiel e que se encontra em fase de consolidação com Mozart, e o género vigente, mas importado da Itália, que é a ópera buffa. Este é o encontro entre a emancipação de uma identidade germânica na música e o conservadorismo de uma classe de compositores que desde o barroco que importam da Itália as leis do que deve ser esteticamente aceite ou reprovado.
Assim, a aposta foi lançada e na noite de 7 de Fevereiro de 1786 estrearam uma após a outra "O Empresário" e "Prima La Musica e Poi Le Parole".
O tema de ambas as obras é comum. Tratam da competição entre cantores rivais, sendo que com isto, as próprias obras, já em si uma competição, abordam o tema da concorrência que existe dentro dos teatros de ópera.
ResumoDepois da abertura, o empresário, Frank, e o comediante, Buff, estão radiantes porque conseguiram uma licença para actuar em Salzburgo. Começam por discutir repertórios e chegam à conclusão de que vão precisar de contratar actores versáteis que saibam também cantar e dançar.
Assim começam a receber recomendações: Surgem entre outros concorrentes o Sr. Vogelsang e a Senhora Herz, propostos pelos seus cônjuges. A Sr. Herz não perde tempo e é a primeira a exibir os seus dotes.
Frank, entusiasmado com a performance contrata-a imediatamente. No entanto, surge outra cantora, a Menina Silberklang, que não perde tempo e demonstra também os seus potenciais.
Frank fica delirante por poder contar com duas tão boas sopranos. Contrata também a Menina Silberklang. Mas quando este pensa que já tem a sua pequena companhia de ópera, as duas começam a discutir pelo lugar de prima-dona. O Sr. Vogelsang intervém tentando por água na fervura.
Frank quase abdica do seu plano, até que, para seu alivio, as duas desistem de lutar e cantam às virtudes da arte. Juntam-se todos num entusiasmante final.
Depois da abertura, o compositor (Maestro) informa o libertista (Poeta) que lhe foi encomendada uma ópera para daí a quatro dias.
O Poeta enfurecido com a precipitação do pedido, declara que lhe é impossível escrever uma peça num tão curto espaço de tempo. Contudo, o Maestro consegue convence-lo, até que rebenta outra discussão. O Poeta recusa-se a aceitar escrever um texto para uma música que já esteja composta, que é o caso. Argumenta que esse procedimento não é artístico. Como resposta o Maestro responde-lhe que as pessoas que vão à ópera são sobretudo melómanos e que não prestam atenção nenhuma ao texto.
Após esta discussão, começam outros problemas. Primeiro a questão do financiamento da produção que é resolvida com a sugestão do Poeta em contratar uma jovem que é a amante de um benfeitor abastado e que está disposto a gastar dinheiro na produção caso ela entre no elenco. Depois surge a questão da divisão das despesas.
Enquanto os dois se debatem para ver quem deve receber o quê e quanto, entra em cena uma prima-dona. Ela vem apresentar-se como amiga do conde que encomendou a ópera. Começa assim a falar do seu repertório chamando a atenção para uma ópera de um tal Salieri.
O Maestro convida-a para cantar a primeira cavatina. O Poeta, finalmente intervém, sugerindo como devem ser feitos os ornamentos. A cantora não lhe liga nenhuma.
A prima-dona propõe então cantar uma grande ária de Sabino que é antecedida por um grande recitativo acompanhado. Começa por pedir ao Poeta para desempenhar o papel de um dos seus acompanhantes e para assumir uma pose digna até ao fim. O Maestro acompanha-a.
Depois da exibição o Poeta queixa-se da leitura completamente distorcida da prima-dona que fica irada com o comentário. Apesar disso promete impressiona-los com um Rondó. Tanto o Poeta como o Maestro são obrigados a participar em papeis secundários.
Assim começa o rondo que é uma ária de despedida mas que é estragada pelas queixas do Poeta e do maestro que têm que estar de joelhos enquanto a diva canta as suas notas. Ela não abdica da sua exibição e quando chega ao fim da performance os dois caem-lhe aos pés.
A prima-dona sai de cena confiante na sua contratação e os dois colegas deitam mãos à obra. O Poeta tenta encontrar as palavras certas para a música já composta.
Por fim e quando o trabalho começa a dar frutos, ambos se lembram da jovem amante do seu abastado benfeitor. Precisam de lhe arranjar um lugar na peça. Começam assim um dueto onde descrevem o processo de criação de uma ópera e de atribuição de papeis. Depois do libreto estar complecto com erros de texto deliberados, o Poeta vai buscar a jovem Tonina, enquanto o Maestro exalta a supremacia da música sobre a palavra.
Tonina, a jovem amante do abastado benfeitor, chega com o Poeta. Ela vem a resmungar por causa daquilo a que ela chama de ópera fora de moda e atira com as partituras para o chão num acto de provocação. Por fim declara que ela é capaz de cantar qualquer papel e que por isso não se contenta com um lugar medíocre na peça.
Começa uma ária de incongruências cantada por Tonina. Ela fica furiosa com o Poeta e com o Maestro por não se comoverem com a sua ária. Assim decide continuar com a sua exibição. De maneira a calar a jovem, o Poeta e o Maestro oferecem-lhe um lugar na sua próxima ópera.
Quando Tonina começa a estudar a sua ária, chega a prima-dona. O Maestro interrompe o ensaio de Tonina, o que a deixa enraivecida. A prima-dona, que despresa a fúria de Tonina apenas quer começara estudar a sua parte. No entanto, quando descobre que Tonina foi contratada para ópera perde a cabeça.
Assim, o final desta ópera principia com Tonina a cantar a sua ária num total desprezo pela diva. Perante isso a prima-dona também começa a ensaiar o seu papel sobrepondo-se a Tonina. O Poeta e o Maestro, desesperados ficam sem saber o que fazer, mas tudo se resolve e no fim todos louvam a música e o teatro.