[Carlos de Pontes Leça] Era um homem de uma inteligência brilhante, de uma sensibilidade rara, de uma cultura esmagadora, e ao mesmo tempo de uma modéstia discreta pouco comum em alguém desta qualidade. Tinha uma noção clara da importância do património cultural do passado e uma curiosidade insaciável pelo seu estudo, mas era ao mesmo tempo um apaixonado da criação artística contemporânea, dominando como poucos, em simultâneo, o panorama da Música, da Dança, da Performance e do Cinema dos nossos dias e criando, como poucos, redes de sentido inteligentes entre todas estas áreas. A sua religiosidade profunda fazia-o, de resto, reconhecer no cerne do processo criativo uma presença eminente do Sagrado, e por isso tinha pela Arte, em geral, a veneração que dedicava a tudo aquilo que encarava como manifestações de santidade. Mas isso não impedia de se interessar tanto pela Cultura erudita de ponta como por géneros mais ligeiros – era, em particular, possivelmente o maior especialista português no Cinema Musical de Hollywood, a que dedicou vários cursos e conferências nos últimos anos.
Testemunho de Rui Vieira Nery (Facebook, 29 Abril)
O musicólogo e programador musical Carlos de Pontes Leça morreu esta sexta-feira, dia 29 de Abril, em Lisboa, com 77 anos.
Natural de Coimbra, fez estudos de Piano e Composição no Conservatório daquela cidade e no Conservatório Nacional de Lisboa. Era licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, e em Comunicação Social pela Universidade de Navarra (Espanha), onde realizou uma dissertação sobre “Cinema e cultura cinematográfica em Portugal”.
Foi Director-Adjunto no Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian até 2004, e posteriormente Consultor do mesmo serviço. Desde 1982, trabalhou especialmente na programação de música contemporânea nas temporadas Gulbenkian de concertos.
Foi Director-Adjunto da revista Colóquio-Artes, onde colaborou com diversos artigos.
Desde 2006 dirigiu cursos no âmbito dos Programas Educativos da Fundação Gulbenkian. Quatro destes cursos versaram sobre os temas: “Música em Viena – Do Romantismo final ao Expressionismo”, “Século XX: o Século de todas as Músicas”, “A Música no Cinema” e “O Mito de Fausto na Música”. Estes dois últimos foram repetidos, respectivamente, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e na ESMAE (Escola Superior de Música e Artes dos Espectáculo) do Porto.
Escreveu diversos textos ensaísticos sobre temas de Estética e Análise Musical, publicados pelo Teatro Nacional de São Carlos, pela Cinemateca Portuguesa e pela Fundación Juan March (Madrid), entre outros. Colaborou também na revista Arte Musical.
Foi Director Artístico do mais antigo festival de Portugal, o Festival "Música em Leiria".
Desenvolveu igualmente uma extensa actividade como conferencista e comentador de concertos em diversas instituições entre as quais Fundação Gulbenkian, Culturgest, Centro Cultural de Belém, Casa da Música, Cinemateca, Universidade de Aveiro e Festival de Música de Sintra.
Em 2006 e 2007, por ocasião do centenário do nascimento de Fernando Lopes Graça, deu conferências sobre este compositor na Casa da Música e, em Paris, no Centre Culturel Calouste Gulbenkian e na Salle Gaveau.
Apresentou comunicações nos Simpósios de Música e Cinema organizados pela Universidade de Salamanca em 2006, 2008 e 2010. Em 2012 dirigiu na Cinemateca Portuguesa um curso sobre o cinema musical de Vincente Minnelli.
Detentor de uma vasta cultura musical e artísica, dedicou-se intensamente ao estudo da ópera romântica e contemporânea, e à estética da música do século XX, assim como ao entendimento das relações entre outras artes e a musica, mormente as da música com o cinema. Mas Carlos de Pontes Leça também partilhou connosco essas suas paixões, através das suas colaborações com a RTP e com a Antena 2, apresentando programas de ópera.
Por esta vida de devoção à música, a Antena 2 presta homenagem a Carlos de Pontes Leça.