Dias da Música na Antena 2
28 Abril | 14h00 – 21h00 | Transmissão direta
Castigos, Culpas e Graças Divinas
PECADOS E TENTAÇÕES TERRENAS
D1 | 16h00 | Transmissão direta
Jogos de Sedução
Deutsches Kammerorchester Berlin
Programa
Georges Bizet (1838-1875)/Rodion Shchedrin (1932) – Carmen, Suite para orquestra de cordas e percussão
De entre os vários «sedutores» da ópera, a cigana Carmen talvez seja a mais famosa. Tal como a maioria destas personagens, também esta acaba vítima de si própria e dos seus jogos de sedução.
Logo após a sua publicação, em 1845, Carmen, a novela de Prosper Mérimée, foi rotulada de chocante e escandalosa. Trinta anos mais tarde, Georges Bizet estreia a «sua» Carmen em Paris, sendo que não foi imediatamente aceite, pois continuava a chocar o público, mas tornar-se-ia rapidamente numa das óperas mais frequentemente encenadas em todo o mundo e num dos maiores sucessos da história da ópera.
A última ópera composta por Bizet celebra e eterniza a relação fatídica entre a sensual e voluntariosa cigana Carmen e Don José, um pacato sargento cujos códigos morais serão perturbados por uma avassaladora e incontrolável paixão. Carmen incarna o paradigma da liberdade individual sem concessões e sem limites, o arquétipo da mulher independente e confiante da sua beleza e poder de atração, impulsionada pelo desejo de viver apenas de acordo com a sua vontade e as suas próprias leis.
Desde sempre, esta ópera tem conseguido conquistar indefetíveis gerações de admiradores. Com o passar dos anos, Carmen foi revisitada por inúmeros encenadores, compositores e até instrumentistas virtuosos, ganhando novas facetas e leituras. Numa dessas leituras, em 1971, o compositor russo Rodion Shchendrin apropria-se da música de Bizet, reescreve-a a pensar na sonoridade algo particular da orquestra de cordas com percussão, e leva a história para o mundo do ballet.
André Cunha Leal
D2 | 19h00
Os Sete Pecados Mortais
Grande Auditório
Concerto legendado em Português
Bruno Almeida, tenor
Mário João Alves, tenor
Diogo Oliveira, barítono
Christian Luján, barítono
Orquestra Clássica do Sul
Rui Pinheiro direção musical
Programa
Kurt Weill (1900-1950) – Os Sete Pecados Mortais
Nesta história são-nos apresentadas duas irmãs, Anna I, a cantora, e Ana II, a bailarina. A cantora é uma pragmática, com os «pés-na-terra»; a bailarina é uma sonhadora e, como diz Anna I, «etwas verrückt» – um pouco tonta. Duas personagens antagónicas que se complementam, como se uma fosse o alter-ego da outra.
Anna I e Anna II têm como missão viajar por sete cidades norte-americanas, durante sete anos, de forma a ganharem dinheiro suficiente para que a sua família possa comprar uma casa. As duas irmãs passam assim por sete cidades e, em cada uma delas, são confrontadas com um dos sete pecados. Em Nova Orleães, são confrontadas com a preguiça, em Memphis, com o orgulho, em Los Angeles, com a ira, em Filadélfia, com a gula, em Boston, com a luxúria, em Baltimore, com a avareza, e em São Francisco, com a inveja. É sempre Anna II quem cede ao pecado: primeiro é acusada de ser preguiçosa e de não querer trabalhar; depois é acusada de ser demasiado orgulhosa para aceitar dançar num cabaret; quando aceita pôr de lado o seu orgulho para agradar à clientela, é acusada do pecado de luxúria; Anna II sente-se furiosa com a injustiça da situação e a irmã aconselha-a a acalmar-se para não cair no pecado da ira. Ela é igualmente aconselhada a ser fiel a um homem rico que aceitou pagar para ter o seu amor, mesmo que isso signifique ter que acabar a relação com o homem que ama verdadeiramente. Pelo meio, aceita ser modelo, mas sofre tanto com a dieta que lhe é imposta, que começa a ter ataques de verdadeira gulodice. Nunca nada está bem e cada tentativa para corrigir um pecado resulta num outro pecado. No final, Anna I adverte Anna II: «Um pobre não pode dar-se ao luxo de ter orgulho». As duas regressam ao Louisiana.
André Cunhal Leal
D3 | 21h00
Gianni Schicchi
Grande Auditório
José Fardilha, barítono
Susana Gaspar, soprano
Maria Luísa de Freitas, meio-soprano
Luís Gomes, tenor
Marco Alves dos Santos, tenor
Ana Paula Russo, soprano
Luís Rodrigues, barítono
Nuno Dias, baixo
José Corvelo, barítono
Cátia Moreso, meio-soprano
João de Oliveira, baixo
Armando Possante, barítono
André Henriques, baixo
Orquestra de Câmara Portuguesa
Deutsches Kammerorchester Berlin
Bruno Borralhinho direção musical
Programa
Giacomo Puccini (1858-1924) – Gianni Schicchi
Num festival em forma de tríptico e num dia dedicado às tentações terrenas e aos vários pecados, não poderia faltar um lugar especial para A Divina Comédia, de Dante, também ela dividida em três partes: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Neste concerto, olhamos para o Canto XXX do Inferno através de uma das partes de um outro tríptico, este em forma de ópera e estreado há precisamente cem anos: o Tríptico de Puccini.
Na Divina Comédia, Dante Alighieri (1265-1321) condena os seus inimigos políticos e pessoais ao Inferno e apresenta-os como exemplo daqueles que merecem ser sujeitos aos maiores dos castigos. Entre os desafetos do poeta estava Gianni Schicchi, cidadão de Florença, que teria falsificado a seu favor o testamento de Buoso Donati (Dante era casado com Gemma Donati, membro dessa família e, por isso, igualmente lesada). Buoso morreu a 1 de setembro de 1299 e, na Divina Comédia, Gianni Schicchi aparece retratado no Inferno, no Canto XXX, entre os Falsários.
Há precisamente cem anos, Puccini, com a ajuda do libretista Giovacchino Forzano, iria pegar nesta história e fazer dela a terceira parte do seu tríptico, estreado na Metropolitan Opera de Nova Iorque, no dia 14 de dezembro de 1918.
André Cunha Leal
D4 | 14h30 | Transmissão direta
666, La Casa Del Diavolo
Pequeno Auditório
António Carrilho, direção musical, flauta de bisel solista*
Carlos Gallifa, Marcos Lázaro, Sergio Suárez, Zofia Mendanha, violino barroco
Programa
Wilhelm Friedemann Bach (1710-1784) – Sinfonia em Ré menor, FK 65
Christoph Willibald Gluck (1714-1787) – Danse des furies da ópera Orphée et Eurydice
Giuseppe Tartini (1692-1770) – Il trillo del diavolo, B.g5*
Luigi Boccherini (1743-1805) – Sinfonia nº 6, La casa del Diavolo, G 506
Joseph Haydn (1732-1809) – Terramoto de As Últimas Sete Palavras de Cristo na Cruz
Inspirado na expulsão do anjo da rebelião contra Deus – Lúcifer – para no Paraíso lhe tomar assento, o programa proposto é a alusão à personificação do mal entre os homens, trazido para a Terra pelo eterno oponente de Deus.
Este recital desperta o sentimento de sublimação da dor e do medo, através de um ambiente acutilante repleto de dissonâncias e intervalos diminutos que, na óptica de Guido d’Arezzo, invocam o Diabo (Diabolus in musica) pela sua não resolução tonal continuada, provocando transtorno e repúdio aos mais sensíveis.
Escute-se, entre outros: Ch. W. Gluck na sua imponente e horrífica tempestade em Danse des furies de Orphée et Eurydice; o sonho de G. Tartini com Il trillo del diavolo, no qual este faz um pacto com o diabo para que, ao seu serviço, lhe conceda o dom da escrita das melhores melodias; L. R. Boccherini na paráfrase à obra de Gluck (na qual são usados motivos de Danse des furies), na Sinfonia La casa del Diavolo, na qual pulula o contraste entre a vida e a morte, a imanência e a transcendência, a força. O recital culminará com o número final das Últimas Sete Palavras de Cristo na Cruz de J. Haydn, executado «con tutta forza»: Il terramoto.
António Carrilho
D5 | 16h30
Pequeno Auditório
Artur Pizarro, piano
Programa
Franz Liszt (1811-1886) – 2 Episódios do Fausto de Lenau
Hector Berlioz (1803-1869) / Franz Liszt – Sinfonia Fantástica (versão para piano solo)
Neste concerto Artur Pizarro traz-nos a essência do artista romântico, homem atormentado que se revê naturalmente no Fausto e na sua luta para resistir aos impulsos e seduções mais avassaladoras.
Na primeira parte deste concerto ouviremos os dois episódios do Fausto de Nikolaus Lenau, que Liszt levou para o piano. Compostas entre 1859 e 1860 para serem apresentadas como um par, estas peças não poderiam ser mais diferentes uma da outra e, por isso mesmo, complementares. Na primeira, A Procissão da Meia-Noite, Fausto assiste meditativo a um funeral no meio do bosque assolado por uma tempestade. O segundo intitula-se A Dança na estalagem da aldeia, sendo sobretudo conhecida como Valsa Mefisto.
Quem, ficou completamente fascinado pelo Fausto (neste caso pela versão de Goethe), foi o jovem compositor Hector Berlioz. Tal como Fausto, Berlioz também procurava a emoção de um amor avassalador. Em 1827 Berlioz foi assistir a uma apresentação do Hamlet de Shakespeare, que incluía no elenco de atores uma jovem de 27 anos no papel de Ofélia, Harriet Smithson. Berlioz ficou loucamente apaixonado por ela e desde esse dia desenvolveu uma forte obsessão em relação à artista. Numa carta que escreveu a um amigo relatou o plano dramático de uma obra que tinha em mãos: «…um artista apaixona-se por uma mulher que incorpora os ideais de beleza e fascinação que ele sempre procurou (…) Ele pensa que há esperança; acredita estar apaixonado. Mais tarde, numa crise de desespero, droga-se com ópio que, em vez de o matar, provoca-lhe uma alucinação horrível. Pensa ter assassinado a sua amada e, por isso, é condenado à morte. Quando morre, vê-se rodeado por uma assembleia de feiticeiros e bruxas (…) A sua amada é agora uma prostituta que irá tomar parte dessa orgia.» Esta obra é a Sinfonia Fantástica, talvez um dos grandes feitos da música ocidental. Mais do que uma Sinfonia, dado o seu pendor autobiográfico, abre caminhos para o imaginário do poema sinfónico que Liszt irá consagrar. Talvez por isso mesmo, Franz Liszt não tenha resistido a transcrever esta obra para o piano, pondo ao serviço da música de Berlioz todo o seu virtuosismo.
André Cunha Leal
D6| 19h00
Caim ou O Primeiro Homicídio
Pequeno Auditório
Ludovice Ensemble
Fernando Miguel Jalôto, direção musical
Huw Daniel, concertino e violino solo
Joana Amorim, flauta solo
Carlo Vìstoli, contratenor
Eduarda Melo, soprano
Fernando Guimarães, tenor
Joana Seara, soprano
Pascal Bertin, contratenor
Hugo Oliveira, barítono
Ludovice Ensemble:
Joana Amorim, flauta
Programa
Alessandro Scarlatti (1660-1725)/Cardeal Pietro Ottoboni (1667-1740) – Caim ou o Primeiro Homicídio
Caim, ou o primeiro homicídio é uma oratória de Alessandro Scarlatti composta sobre um libreto do cardeal Pietro Ottoboni (1667-1740) e estreada em Veneza na Quaresma de 1706. Obedece genericamente à forma e convenções típicas do género tal como este se cristalizou em Itália nos finais do século XVII. Apesar da temática ser edificante e moral, não é uma obra religiosa, mas antes um «entretenimento sacro». Scarlatti foi um dos principais cultivadores do género compondo cerca de 37 obras, tanto em latim como em italiano, estreadas na sua maioria em Roma. Caim é a única oratória de Scarlatti estreada em Veneza e o sujeito é a trágica história de Caim e Abel, narrada no Livro do Génesis 4, 1-18. Caim é, no contexto da cultura judaico-cristã, o primeiro criminoso, e não só fruto mas também origem de todo o Mal. Abel é percebido como o primeiro mártir e, para os cristãos, assume a categoria de arquétipo do próprio Cristo, enquanto vítima inocente, expiatória de um pecado alheio. O objectivo final da obra é apelar à conversão dos pecadores mas o ênfase é colocado nas paixões e atitudes negativas personificadas em Caim: desobediência, transigência, tentação, orgulho, inveja e revolta. Esta é das oratórias mais ricas e variadas de Scarlatti, e duas principais acções dramáticas – a apresentação do sacrifício pelos dois irmãos e o fratricídio, seguido da condenação – são tratadas de forma muito efectiva. As personagens são incisivamente caracterizadas, não só nas árias individuais mas também nos duetos, pela variedade empregue na escrita vocal. A predominância de tempos lentos e tonalidades menores reforçam o carácter trágico e melancólico da obra. Os ritornelos e as diversas sinfonias auxiliam a caracterização dos estados de ânimo oferecendo breves mas eficazes «paisagens» sonoras que antecipam ou reflectem as emoções e o drama de uma obra magistral.
Fernando Miguel Jalôto
D7 | 15h00
La Piccola Morte – Madrigais Eróticos
Sala Luís de Freitas Branco
Armando Possante, direção musical
Grupo Vocal Olisipo
Elsa Cortez, Patrycja Gabrel, sopranos
Jacob Arcadelt (c.1507-1568) – Il bianco e dolce cigno
Claudio Monteverdi (1567-1643) – Si, ch’io vorrei morire
Luca Marenzio (1553-1599) – Tirsi morir volea
Giaches de Wert (1535-1596) – Ah dolente partita
Hans Nielsen (1580–1626) – T’amo, mia vita
Carlo Gesualdo (1566-1613) – Moro lasso
Heinrich Schütz (1585-1672) – Tornate, o cari baci
Alessandro Scarlatti (1660-1725) – Mori, mi dici
Marc’Antonio Ingegneri (c.1535-1592) – Mirate occhi miei
A associação entre o êxtase amoroso e a morte era corrente na poesia italiana séculos antes de se generalizar a utilização da expressão «la petite mort» como eufemismo poético para o orgasmo. É recorrente para autores do cinquecento esta conotação que permite abordar a sexualidade de uma forma simultaneamente oculta e ostensiva, como um segredo conhecido por todos. Apesar do anacronismo, utilizámos a versão italiana desta expressão oitocentista como título do nosso programa de madrigais eróticos, «la piccola morte».
As referências ao acto sexual eram traduzidas pelos compositores em gestos musicais facilmente identificáveis, como as pausas expressivas imitando os suspiros amorosos, o entrelaçar de pares de vozes, trocando de posição entre o agudo e o grave, aproximando-se nas dissonâncias e afastando-se nas consonâncias, à imagem dos movimentos e gemidos de um par de amantes.
A origem da associação à morte é difícil de encontrar, mas poderá estar ligada à crença comum de que o espírito deixava o corpo no momento da morte e também no do clímax sexual, sendo desta forma o corpo imbuído do espírito no momento da concepção.
Um dos pontos máximos de descrição explícita é o poema Tirsi morir volea. É na frase final deste poema que o poeta Guarini descreve o que, no fundo, está presente em todas as menções de morte neste programa: «Assim morreram os amantes afortunados, de morte tão suave e grata que para mais morrer voltaram à vida!»
Armando Possante (o autor escreve segundo a antiga ortografia)
D8 | 17h00
A Morte e a Donzela
Sala Luís de Freitas Branco
Quarteto Camões
Pedro Meireles, 1º violino
Programa
Franz Schubert (1797-1828) – Quarteto em Ré menor D. 810, A Morte e a Donzela
Schubert ocupa um lugar muito especial no coração de músicos e melómanos. Tímido, hipersensível, capaz de jorrar música com a mesma facilidade de Mozart, Schubert teve, tal como este, uns escassos 36 anos de vida – durante os quais seria impossível escrever maior quantidade de música, e sobretudo música mais carregada de emoções.
O Quarteto em Ré menor D. 810, A Morte e a Donzela, é uma das grandes obras trágicas da história da música. Escrito em 1824, logo a seguir ao quarteto Rosamunde que expressava a nostalgia de um paraíso perdido, é como que a conclusão inexorável deste: Ré menor irrompe com um furor fatídico, como as trombetas do juízo final.
É sem dúvida duma luta de morte que trata o 1º andamento. O ritmo implacável que os quatro instrumentos anunciam em uníssono percorre todo andamento, ora como tema principal, ora como acompanhamento.
No entanto, é impossível ter dúvidas de que é a morte que triunfa; o 2º andamento do quarteto surge como um epitáfio – o mais belo e pungente epitáfio que alguma vez se escreveu. Contudo, o epílogo traz como que um halo benfazejo, quase inaudível; para Schubert, tal como na canção, a morte era um amigo, inexorável mas consolador.
Contrariando todo o significado da palavra scherzo – brincadeira, em italiano – Schubert dá ao 3º andamento um significado terrível: é como uma dança sardónica de quem já não tem nada a perder.
No Presto final, Schubert prossegue a veia do scherzo numa dança desenfreada: uma tarantela alucinante, em movimentos convulsos, como num pesadelo. Pelo meio surge um tema arrebatado e sedutor – que mais não faz que arrastar para o desfecho fatal. Este andamento é um misto de rondó e de forma sonata, ou seja, insere episódios contrastantes numa estrutura com exposição, desenvolvimento e reexposição.
Alexandre Delgado
D9 | 19:00
O Concerto dentro de um Ovo: Música Flamenga no Tempo de Bosch
Sala Luís de Freitas Branco
Orlando Consort
Matthew Venner, alto
Programa
Pierre de La Rue (c.1452-1518) – Gaude virgo
Thomas Crecquillon (c.1505-1557) – Ung gay bergier
Heinrich Isaac (c.1450-1517) – Et qui la dira
Johannes Ockeghem (c.1410/1425-1497) – S’elle m’amera
Josquin des Prez (c.1450/1455-1521) – In te, Domine, speravi
Matthaeus Pipelare (c.1450-c.1515) – Kyrie eleison (Missa Joannes Christi care – Ecce puer meus)
Thomas Crecquillon (c.1505-1557) – Toutes les nuictz que sans vous je me couche
Response: Qu’il est il besoing chercher toutes les nuictz
O grupo Orlando Consort tem o prazer de apresentar um programa de música inspirado em Hieronymus Bosch. O principal foco é a cidade holandesa de s’Hertogenbosch, onde o pintor passou a maior parte da sua vida, e os cantores e compositores que sabemos que trabalharam na cidade, especialmente para a Confraria de Nossa Senhora. Entre eles está Pierre de La Rue, conhecido pela sua música sacra e secular – e cujo 500º aniversário da sua morte se assinala em 2018 – e o menos conhecido, mas extremamente talentoso, Mattheus Pipelaire.
Apresentamos ainda a música de vários compositores holandeses que trabalharam para a família Habsburg na era de Bosch, incluindo Heinrich Isaac, Johannes Ockeghem e o incomparável Josquin des Prez. As obras selecionadas refletem os apetites celestiais e terrestres de Bosch.
O título do nosso programa – O Concerto dentro de um Ovo – é uma referência a um quadro que atualmente pode ser encontrado no Palais des Beaux Arts, em Lille, que se julga ser uma cópia de um trabalho perdido de Bosch. Sentado dentro de um ovo, vemos um grupo de «músicos tolos» a dar um concerto, aparentemente a interpretarem uma peça de Thomas Crecquillon, Toutes les nuictz que sans vous je me couche.
Orlando Consort
D10 | 21h00
Veneza e os Limites da Moralidade
Sala Luís de Freitas Branco
Os Músicos do Tejo
Clint van der Linde, alto
Arthur Filemon, alto
Carlos Monteiro, tenor
Frederico Projecto, tenor
Tiago Mota, baixo
Daniel Zapico, tiorba
Marta Araújo, cravo
Luísa Cruz, narradora
Pedro Braga Falcão, tradução dos textos
Marcos Magalhães, cravo e direção musical
Programa
Alessandro Stradella (1639-1682) – Sopr’una eccelsa Torre
Claudio Monteverdi (1567-1643) – Chi vuol che m’innamori
Anónimo – Siciliana a tre | de um manuscrito da Biblioteca da Ajuda, Lisboa
Claudio Monteverdi (1567-1643) – Ardo e scoprir, ahi lasso, io non ardisco
Cipriano de Rore (c.1515/6-1565) – O morte, eterno fin
Claudio Monteverdi (1567-1643) – Gira il nemico, insidioso Amore
Didier Lupi Second (c.1520-c.1559) – Susanne un jour
Claudio Monteverdi (1567-1643) – Pur ti miro
Cipriano de Rore (c.1515/6-1565) – Da le belle contrade d’oriente
Serão lidos excertos das obras:
O Renascimento é, para a História da Música, um período de intensa revolução. Se hoje é fácil olharmos para este período como um bloco unívoco e algo cristalizado, uma espécie de corolário nefelibata da virtude humanista, a verdade é que toda esta silente e demorada «revolução» foi feita numa tensa batalha entre vários pólos de conflito: moralidade e livre-arbítrio, religião e sensualidade, passado e modernidade, tradição e subversão de modelos. Criar arte que recriava os seres humanos e suas tribulações, esquecidos de Deus e inebriados pelo Amor e outras divindades menores pagãs, representou para muitos um exercício arriscado e ousado.
De todas as cidades italianas que tiveram a sua parte nesta «revolução», a República de Veneza ocupa um lugar próprio. A sua independência pelos mares, a sua liberdade e libertinagem, o seu fervor carnavalesco tão longe dos dogmas de Roma são factores que deram ensejo a novos modelos de exploração artística e literária, materializados em sociedades tão famosas (quanto infames) como a misteriosa Academia degli Incogniti.
Neste programa, propomos uma leitura particular do contexto social imbuído nos poemas e nas músicas interpretadas, no seu ambíguo léxico de referências: mais do que uma relação texto-música, procuramos uma relação contexto-música, matizando a performance musical de compositores como Monteverdi, Orlando di Lasso, Stradella, Cipriano de Rore, com a leitura dramatizada de textos originais da época: da lucidez de uma freira que denuncia a tirania do pai e a desprezível inferioridade dos homens (Semplicita ingannata, Arcangela Tarabotti), passando pela lassidão de costumes de La Retorica delle Puttane (Ferrante Pallavicino) até ao pornográfico e escandaloso L’Alcibiade fanciullo a scola (Antonio Rocco).
Marcos Magalhães/Pedro Braga Falcão (os autores escrevem segundo a antiga ortografia)
D11 | 19h00
A Trilogia das Barcas: Auto da Barca do Purgatório
Sala Almada Negreiros
Fernando Lapa, música
Sara Barros Leitão, adaptação/conceção, atriz
João Castro, ator
Toy Ensemble:
Jed Barahal, violoncelo
Programa
Gil Vicente (c.1465-c.1536) – Auto da Barca do Purgatório (uma leitura)
Purgatório retoma o motivo trabalhado em Inferno, mas constitui uma unidade autónoma. «São representações distintas de almas humanas, num conjunto que se vai formando: Purgatório conhece Inferno, Glória conhece Inferno e Purgatório», como diz Cardeira Villalba.
Purgatório terá sido apresentado na capela de um hospital, para que os doentes pudessem assistir ao auto, comportando, assim, a função didática de ser apresentado a quem está a sentir de perto a doença ou a morte. 1518 é o ano a que se atribui a primeira apresentação pública desta obra e é também o ano da peste em Lisboa, pelo que a actualidade da doença é tão pertinente que se imiscui discretamente no auto.
«Purgatório é, simultaneamente, um espaço e um tempo, o tempo de espera num cais de embarque. É esperar e não embarcar. Os três autos com barcas passam-se no Purgatório, mas é em 1518 que este surge como uma instância nova, um destino (provisório) que não é o Paraíso nem o Inferno e para onde não há barca – há só ficar em cena na margem do rio, à espera de outro destino que há-de vir depois do fim do auto», como escreve José Camões.
Assim, O Auto da Barca do Purgatório tem uma construção mais linear e alargada, sugerindo movimentos horizontais e sustentados, com alguns cirúrgicos pontos de contraste ou de ruptura. Esta dinâmica energética reflectir-se-á na proposta cénica e sonora, que, apesar de beber da mesma estética que acompanha o tríptico, torna a obra absolutamente distinta das demais.
Sara Barros Leitão (a autora escreve segundo a antiga ortografia)
D12 | 21h00
Vayamos Al Diablo
Sala Almada Negreiros
Escualo5:
Rudens Turku, violino
Programa
Astor Piazzolla (1921-1992) – Vayamos al Diablo
Astor Piazzolla foi o criador do tango nuevo, o tango que deixa de ser música de salão para se tornar música de concerto. Nas obras de Piazzolla tanto se ouvem elementos da música clássica como do folclore argentino, do jazz e da música contemporânea. Mesmo elementos do rock e da pop surgem nas suas composições. O músico adaptou técnicas usadas por compositores da modernidade, como o arco batido no violino, acentos, glissandos, escalas de virtuosidade no bandoneón e vários efeitos de percussão, para enriquecer o idioma do tango. Apesar de ter desconstruído o tango tradicional para criar uma nova forma do tango, o ritmo sincopado, as modulações harmónicas, os acentos e, naturalmente, o caráter melancólico desta música não se perderam nas suas composições.
Escualo5
Alguns concertos são gravados pela Antena 2
E ainda…
| Palco Nascente |
16h15 | Galandum, Galumdaina
Programa
Pandeiro
Canedo
Alicran + Fandango + Cabalheiralgo
Mirandum
Burgalesa
Senhor Galandum
Coquelhada Marralheira
Nabos
Galandum Galundaina faz parte da genealogia de uma região com um património musical e etnográfico único, que durante muito tempo ficou esquecido. Ao longo dos últimos 20 anos o grupo contribuiu para o estudo, preservação e divulgação da identidade cultural das Terras de Miranda, Nordeste Transmontano.
O seu trabalho de investigação e recolha, junto de pessoas mais velhas com conhecimentos rigorosos do legado musical da região, a par da formação académica na área da música, concretizou-se num sentido renovado no modo de entender as sonoridades que desde sempre conheceram. Com a sua música não procuram criar novos significados, mas antes descrever os lugares e a vida; encontrar as raízes que permitem que a cultura se desenvolva.
Em palco os quatro elementos apresentam um repertório vocal e instrumental na herança do cancioneiro tradicional das Terras de Miranda, onde as harmonias vocais e o ritmo das percussões nos transportam para um universo atemporal. Das memórias da Sanfona, da Gaita-de-foles Mirandesa, da Flauta pastoril, do Rabel, do Saltério, do Cântaro, do Pandeiro mirandês, do Bombo e da Caixa de Guerra do avô Ventura, nasce uma música que acumula referências, lugares, intensidades, tempos. Para Galandum Galundaina a música não se inventa; reencontra-se.
18h15 | Tangomanso… Y Otras Verbas
Juan Capriotti, bandoneón, voz, dança
Programa
Juan Capriotti – Bendito Tango / Tangomanso
Ernesto Ponzio (1885-1934) – Don Juan
Elías Randal (1920-2005) / Marvil (1902-1976) – Asi Se Baila El Tango
Ángel Villoldo (1861-1919) – El Choclo
Vicente Greco (1886-1924) – El Flete
Denys Stetsenko / Juan Capriotti – Prendido A Ti
Carlos Gardel (1890-1935) / Alfredo Le Pera (1900-1935) – Volver
Juan Capriotti – Llora Lisboa
Alfredo Duarte (1891-1982) / Amália Rodrigues (1920-1999) – Alfama
Gerardo Matos Rodríguez (1897-1948) / Pascual Contursi (1888-1932) / Enrique Maroni (1887-1957) – Si Supieras
Tangomanso é uma orquestra de tango argentino composta por bandoneón/voz, violino, contrabaixo, guitarra clássica, piano e cantantes. O projeto recria a cultura argentina num ambiente intimista e glamoroso com toda a intensidade e sedução característica deste género, com músicas originais e também temas clássicos. Sendo uma cultura estrangeira, o tango tem em muitos aspetos uma semelhança ao sentir português e, especificamente, ao fado. O quinteto faz essa ponte entre Lisboa e a Argentina. Nalguns momentos, as músicas são acompanhadas de um espetáculo de bailarinos argentinos de tango, reconhecidos internacionalmente.
20h15 | Fado tradicional do Bairro, Fados do Pecado
Vitor Miranda, fadista
Catarina Rosa, fadista
Sandro Costa, guitarra portuguesa
Ivan Cardoso, viola de fado
Ricardo Anastácio, baixo
«Na verdade, a origem do fado está naquilo que nós chamamos pejorativamente o ‘fado da desgraçadinha’ ou o ‘fado de faca e alguidar’. Esse é que é o fado primitivo, a origem do fado»
José Alberto Sardinha, in "A Origem do Fado"
Neste concerto propõe-se assim voltar às origens do fado, cheio de histórias de tentações e pecados, indo ao encontro da mais profunda tradição fadista.
| Palco Poente |
15h30 | Capoeira e Danças Populares Brasileiras
Elementos do Centro Cultural Arte Pura de Lisboa
A tradição da luta, dança e espiritualidade brasileira.
18h00 | Para esconjurar os pecados
Pedro Teixeira, direção musical
Coro Ricercare
Programa
Fernando Lopes-Graça (1906-1994) – Três Esconjuros
Tal como outros ciclos corais inspirados por tradições antiquíssimas cuja origem se perde no tempo, os Três Esconjuros, de 1956, espoletaram no estro criador de Lopes-Graça uma identificação artística com o que de mais profundo existe nas tradições portuguesas. Neste caso a música fala de superstições populares, e esconjura-se contra os maus encontros, os maridos transviados e as trovoadas.
20h00 | Dança tradicional africana Batoto Yetu Portugal
A Associação Cultural e Juvenil Batoto Yetu Portugal trabalha com jovens e crianças interessados na cultura africana, provenientes de meios económicos mais ou menos desfavoráveis. A filosofia da associação baseia-se na convicção de que, independentemente das condições económicas e sociais de cada pessoa, o (re)conhecimento e valorização das suas raízes culturais é um fator essencial para a consolidação da sua auto estima e sentimento de pertença.
Oficina de dança para 60 a 70 pessoas
Nesta dinâmica, os monitores da Batoto Yetu Portugal transmitem aos participantes (crianças, jovens e adultos) alguns conhecimentos base da dança tradicional africana. Maioritariamente no seu repertório são utilizadas danças originarias de Angola, Congo, Guiné , Cabo Verde, África do Sul, e danças afro brasileiras. Os participantes são convidados a explorarem os movimentos do seu corpo ao ritmo da percussão tradicional africana.
Estas formações têm duração variável consoante os objectivos a atingir, sendo neste caso uma formação básica de sensibilização, partilha e relaxamento por intermédio da dança tradicional africana.
Conferências
15h00 | A Música no tempo de Hieronymus Bosch
Conferencista: Fernando Miguel Jalôto
Uma partitura musical tatuada nas nádegas despidas de um condenado? Gigantescos alaúdes, harpas e sanfonas usados como instrumentos, não de música mas de tortura? Um grupo de músicos que, canta e toca, alheado do ineludível destino, em cima de um carro de feno, num barco periclitante, ou sentados num ovo desmesurado? Nas obras de Bosch a música é uma metáfora frequente e incisiva. Mas… que música é que ele ouvia? A Confraria de Nossa Senhora de ‘S-Hertogenbosh, a que pertenceu, teve um papel decisivo na música dos Países Baixos, que eram palco – nestes exactos anos – de uma das maiores revoluções musicais da história. Foi o período áureo da célebre «Escola Franco-Flamenga», em que a região fornecia os melhores compositores e intérpretes a todas as cortes e grandes igrejas europeias. Não é fácil sumariar a música do tempo de Bosch em 50 minutos, mas da próxima vez que planear comtemplar As Tentações de Santo Antão no MNAA ou O Jardim das Delícias no Prado saberá que pode baixar obras de Dufay, Tinctoris, Ockeghem, Josquin, Obrecht, Isaac, La Rue, Agricola, Brumel ou Compère para o seu telemóvel, de forma a usufruir da «paisagem sonora» do pintor… Mesmo que as missas, motetos e chansons lhe pareçam entrecruzadas com clamores infernais, crepitar de chamas e o crocitar de monstros apocalípticos!
Fernando Miguel Jalôto
17h00 | Gil Vicente Fundamental
Conferencista: José Camões (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)
Entre 1502 e 1536, Gil Vicente produz na corte dos reis de Portugal espectáculos de teatro de tal modo variados e surpreendentes que os seus primeiros editores tiveram alguma dificuldade em classificá-los. De facto, a multiplicidade de formas, temas e línguas que configuram a sua arte espelha bem as diversas actividades de autor, actor, encenador e músico que Gil Vicente desempenhou. Particular destaque merecem as Barcas e o diálogo que estabelecem com o universo cultural do seu tempo.
José Camões
19h00 | 1918-2018: Giacomo Puccioni e a experiência do tríptico
Nova Iorque, dezembro de 1918, exatamente há cem anos atrás. Estreia-se O Tríptico de Giacomo Puccini. Uma ideia original e inovadora: representar numa única noite três atos únicos, diferentes um do outro. Primeiro a dura violência de O Tabardo, cuja ação se passa no meio do lumpemproletariado que habita as embarcações ancoradas no Rio Sena; depois o sofrimento de Suor Angelica, a história de uma jovem que teve um filho fora do casamento. Encerrado num convento pela família, é levada até o desespero, ao ponto de se suicidar. Por fim, o riso trocista de Gianni Schicchi, que se inspira numa personagem citada no Inferno de Dante e é castigado entre os falsários.
Puccini pretende oferecer ao público uma nova experiência: «surpreender, comover e fazer rir como deve ser» tudo na mesma noite. Romper a estrutura tradicional do melodrama, unir géneros e épocas diferentes, como diferente é o estilo musical de cada uma das três óperas. Assistir ao Tríptico significa partilhar uma experiência que, um século depois da estreia, mantém ainda intata a sua corajosa originalidade.
Veja ainda a programação de domingo dos Dias da Música, na Antena 2:
Excertos musicais a partir de várias salas
Comentários, entrevistas, apontamentos de reportagem
Fotos Jorge Carmona / Antena 2 RTP